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O status do trabalho por aplicativos

O Legislativo precisa regular essa modalidade de trabalho. Mas ao determinar o que ela não é, um vínculo empregatício, o STF contém o ativismo contraproducente da Justiça Trabalhista

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Por Notas & Informações
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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que motoristas que prestam serviço por aplicativos não são empregados nos moldes da CLT. O caso deve ser apreciado pelo plenário nos próximos dias. Assim, o Tribunal dá um importante passo para pacificar controvérsias surgidas com uma nova modalidade de trabalho e criar condições para que ela prospere, em benefício das empresas, dos trabalhadores e dos consumidores.

A chamada economia freelance ou gig (dos “bicos”, em tradução livre), em que prestadores são contratados para serviços pontuais via plataformas digitais, tem desafiado governos de todo o mundo. Na raiz desse desafio está o rompimento da dicotomia entre empregado e autônomo.

No novo modelo, os trabalhadores são livres para oferecer serviços em diversas plataformas, aceitar ou não demandas dos consumidores e regular suas jornadas. Sem as condições de subordinação, habitualidade e exclusividade, não há que falar em vínculo de emprego. Ao mesmo tempo, não é um trabalho puramente autônomo. As plataformas recolhem parte do pagamento pelos serviços e impõem certas regras aos prestadores.

A tendência no mundo tem sido conferir a esses trabalhadores um status intermediário entre subordinados e autônomos. Em contrapartida ao bônus da flexibilidade e liberdade, eles têm o ônus de não gozar de todas as proteções garantidas a empregados padrão. Mas diversos países têm estabelecido algumas proteções mínimas e encargos por parte das plataformas, como remuneração condicionada ao valor/hora do salário mínimo, vinculação à Previdência Social, seguros contra acidentes ou doenças e incentivos financeiros à manutenção dos equipamentos de trabalho, tudo de modo proporcional aos serviços prestados.

O Brasil ainda precisa estabelecer uma legislação apropriada a esse novo modelo de trabalho. Há projetos no Congresso. Uma solução seria uma simplificação do regime CLT ou uma ampliação do Microempreendedor Individual (MEI). O STF não determinou, como não lhe compete, a forma jurídica desse modelo. Determinou, sim, aquilo que ele não é. Ao fazê-lo, atuou para disciplinar a Justiça Trabalhista, que persistentemente vem contrariando liminares e decisões monocráticas da Corte, tentando fazer com que o trabalho por aplicativos seja o que ele não pode ser: um emprego nos moldes da CLT.

À custa de buscar condições de trabalho dignas aos trabalhadores por aplicativo, enquadrando-os no modelo incompatível do emprego da CLT, os juízes trabalhistas ameaçam a viabilidade dos negócios das plataformas, e, por consequência, a fonte de renda desses trabalhadores, a liberdade e flexibilidade prezadas por eles, e, finalmente, os serviços valorizados pelo consumidor.

Além de atribular o mercado, a insubordinação da Justiça Trabalhista prejudica a própria ordem jurídica. “É um péssimo exemplo de descumprimento de decisão judicial partindo do próprio Poder Judiciário”, disse o ministro Luiz Fux. “Temos um trabalho insano com essas resistências dos tribunais do Trabalho em não aceitar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”

De fato, desde a reforma trabalhista, em 2017, as reclamações contra decisões do Tribunal Superior do Trabalho se avolumaram e hoje respondem por 54% das ações no STF, que virou um balcão de recursos para impor limites ou corrigir decisões da Justiça do Trabalho sobre pontos incontroversos da lei ou controvérsias já pacificadas pelo próprio STF. No caso da controvérsia sobre o vínculo entre trabalhadores por aplicativo e as plataformas, a decisão do plenário será importante para consolidar um entendimento e conter o ativismo dos tribunais trabalhistas.

Ainda não é a solução definitiva para estabelecer uma relação equilibrada de direitos e deveres entre os trabalhadores, as plataformas e os consumidores. Isso cabe ao Legislativo. Mas, ao corrigir distorções e incertezas criadas pelo próprio Judiciário, a Corte cumpre seu papel e garante que os debates e negociações das partes envolvidas na busca por esse equilíbrio sigam o seu curso natural, conforme a dinâmica democrática.