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Os fundamentos das decisões do Supremo

É oportuna a iniciativa do STF de apresentar, de forma acessível, sua jurisprudência sobre temas sensíveis, como a liberdade de expressão. País não pode ficar refém da desinformação

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Por Notas & Informações
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Há muita crítica contra o Supremo Tribunal Federal (STF). E há também muita incompreensão sobre o funcionamento da Corte. Quase sempre, as críticas ignoram o fundamento dos votos, bem como a própria jurisprudência anterior do Supremo, limitando-se a expressar contrariedade com a decisão da qual se discorda. Sob essa ótica, a atuação do Supremo ganha um caráter casuístico, quase arbitrário, como se as decisões dependessem unicamente das idiossincrasias de cada ministro. É um cenário desafiador para o Supremo, cuja autoridade é necessária para que possa desempenhar seu papel institucional contramajoritário de defesa da Constituição.

Junto a isso, como parte do mesmo fenômeno, há muita desinformação sobre as liberdades e garantias fundamentais, disseminando graves incompreensões sobre temas fundamentais do Estado Democrático de Direito. Frequentemente, o debate público é tomado por visões simplistas, cujo único objetivo é manipular, dificultando ou mesmo impossibilitando uma discussão serena e madura dos temas.

Nesse contexto, é muito oportuna a iniciativa do STF de lançar a linha editorial Supremo Contemporâneo, com publicações que reúnem de forma acessível a jurisprudência da Corte sobre diferentes temas. O objetivo é apresentar um resumo de precedentes especialmente relevantes, com os fundamentos utilizados e trechos dos votos dos ministros. Agrupar essas decisões, proferidas em diferentes momentos, ajuda a dar sentido e contexto ao trabalho do STF em defesa da Constituição ao longo do tempo.

Com 29 julgados de 2007 a 2022, o primeiro volume da série é dedicado à liberdade de expressão. Há processos famosos, como a não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição (2009), o fim da exigência de diploma para o exercício do jornalismo (2009), a liberação das biografias não autorizadas (2015) e o pretenso direito ao esquecimento (2021). “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento”, disse o STF.

O precedente mais recente citado no livro afirma que “a liberdade de expressão não pode ser usada para a prática de atividades ilícitas ou discursos de ódio, contra a democracia ou contra as instituições” (2022). O mais antigo, de 2007, é a declaração de inconstitucionalidade de decreto distrital de 1999 proibindo a realização de manifestações públicas na Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios, Praça do Buriti e vias adjacentes.

Segundo o STF, a restrição ao direito de reunião estabelecida no decreto “é inadequada, desnecessária e desproporcional”, confrontando “com a vontade da Constituição, que é permitir a reunião pacífica para fins lícitos”. O STF não disse que o governo do Distrito Federal não pode proibir uma manifestação violenta. Apenas afirmou que não se pode, sob pretexto da segurança pública, impedir toda e qualquer manifestação.

Precedente especialmente interessante para o debate atual é a decisão de que as marchas da maconha, com manifestantes defendendo a descriminalização da droga, não constituem crime. O debate pela abolição penal de uma conduta punível “não se confunde com incitação à prática de delito, nem se identifica com apologia de fato criminoso”. Segundo o STF, o Estado não pode reprimir o debate “ainda que as ideias propostas possam ser consideradas, pela maioria, estranhas, insuportáveis, extravagantes, audaciosas ou inaceitáveis, sendo inadmissível a proibição estatal do dissenso”.

O livro traz decisões que aparentemente não dizem respeito à liberdade de expressão, mas cuja fundamentação remete ao tema. Por exemplo, ao declarar a constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória, o STF afirmou que, com o engajamento político de entidades sindicais, fixar contribuições compulsórias de quem não concorda com tais posicionamentos configura “violação à garantia fundamental da liberdade de expressão”.

A defesa da Constituição inclui enfrentar a desinformação. É preciso expor de forma acessível a jurisprudência do STF e seus fundamentos. Assim, muitos fantasmas desaparecem.