EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Economista, Presidente-Executivo Da IBÁ, Membro do Conselho Consultivo do RENOVABR, Foi Governador Do Estado Do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)

Opinião|Política ambiental como motor social

Além dos benefícios ambientais, o cuidado com a natureza pode ser uma alavanca para enfrentar a desigualdade social do País

Foto do author Paulo Hartung

Há alguns anos o meio ambiente vem clamando por atenção. O cuidar da natureza deixou o romantismo no passado e se tornou pauta urgente para as atuais gerações que têm a missão de enfrentar a convulsão climática, um dos maiores desafios da contemporaneidade.

O Brasil é um dos candidatos a protagonizar esta era de socorro ao futuro planetário. Para além de suas potencialidades, representadas pelo imenso ativo ambiental e sua matriz energética já diferenciada, ainda contamos com o anseio global por um Brasil mais cooperativo. Com as cartas dispostas sobre a mesa, cabe ao Brasil cuidar das fragilidades para, enfim, avançar efetivamente nesta agenda. É imperativo combater desmatamento, garimpo ilegal, queimadas, entre outros crimes.

Infelizmente, este é um tema em que o País teima em ser reincidente. No final da década de 1980 quase chegamos a ser considerados pária ambiental do mundo. O cenário começou a ser mudado a partir de passos importantes como a criação do Ibama, a organização da Rio-92, a instituição do Ministério do Meio Ambiente, investimentos em capacitação de agentes de fiscalização, uso de imagens de satélites, entre outras ações. Desde então, o Brasil demonstrou êxito na redução do desmatamento.

Retrocedemos nos últimos anos. Novamente temos de superar esse desafio, especialmente no bioma Amazônia. Agora, além dos benefícios ambientais, o cuidado com a natureza pode ser uma alavanca para enfrentar a desigualdade social do País.

Chama a atenção que, mesmo diante de tamanha oportunidade, o Brasil ainda patine para fazer valer legislações que norteiem este caminho. O Código Florestal é um exemplo. Ainda não implementado em sua plenitude, o novo código é fruto de anos de debates com diversos atores, que resultaram numa legislação embasada e consistente, mas que ainda não deslanchou.

Neste contexto, ganhou corpo uma iniciativa da sociedade civil, o Plano Estratégico para Implementação do Código Florestal (PlanaFlor), cujo objetivo é iluminar um caminho de desenvolvimento sustentável a partir da operacionalização completa da lei, com visão de resultados até 2030.

O plano foi desenvolvido a partir da colaboração de BVRio, Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Conservation Strategy Fund (CSF-Brasil), que contam com um conselho consultivo do qual faço parte, ao lado de Joaquim Levy, Fabio Feldmann, Isaac Sidney, Israel Klabin, Marcello Brito, Marcelo Vieira, Pedro Moura Costa, Roberta Del Giudice e Roberto Waack.

Foram elencados os seguintes objetivos: fortalecer a capacidade institucional dos órgãos de governo; expandir a agricultura sem desmatamento; desenvolver a agropecuária de baixo carbono; promover a agricultura familiar; proteger vegetação nativa em áreas privadas e recuperá-las em áreas desmatadas/degradadas; além de estimular melhorias no sistema de crédito e incentivos financeiros.

O pontapé inicial do documento aborda caminhos para impulsionar o complemento do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e sua respectiva análise. Dos quase 7 milhões de cadastros realizados, apenas 0,93% teve análise concluída. Dar celeridade a este processo é fundamental para que o Programa de Regularização Ambiental (PRA) seja realizado e, assim, o código seja efetivo. Com essas etapas ultrapassadas, fazer o uso da terra com inteligência e respeito à paisagem será uma realidade ainda mais palpável.

O PlanaFlor esmiúça em quais regiões estão localizados quase 20 milhões de hectares de áreas de pastagens degradadas que têm alta aptidão de conversão para agricultura. De olho nos compromissos assumidos pelo País desde a COP de Paris, o plano conclui que há 18,8 milhões de hectares de APPs e RLs passíveis de restauração. Oportunidade de, além de atingir a meta de restauro, abrir uma vasta gama de postos de trabalho.

O plano estratégico aponta a presença de 47,4 milhões de hectares de pastagens degradadas com potencial de abrigar a silvicultura sustentável. O setor de árvores cultivadas para fins industriais poderia ser inspiração para o avanço do manejo comercial.

Vale mencionar a especial atenção voltada para aperfeiçoar iniciativas como o Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC). O estudo aponta que o desembolso do programa está muito aquém do necessário e descreve providências para que as metas sejam atingidas.

Dar efetividade a mecanismos como este pode ter um papel indutor para que bancos privados também adotem critérios para financiamento rural, cujo modelo impulsiona a produção por meio do cuidado com o meio ambiente.

A potencialidade vislumbrada a partir da operacionalização do PlanaFlor pode gerar mais de 2 milhões de empregos, especialmente na cadeia de restauração florestal, e fortalecer o trabalho de outros 2,5 milhões de pequenos agricultores, enfrentando o problema da pobreza no campo. Junto disso, evita a emissão de 25Gt de CO2eq.

Como pode ser percebido, o plano é uma via que pode auxiliar na formatação de uma agenda para autoridades e iniciativa privada. Está escancarada a capacidade do Brasil de evoluir por meio de diferentes modelos sustentáveis. Chance única para o País se tornar provedor ainda mais relevante de alimentos, fibras e energia limpa para o mundo; tirar da miséria boa parte de seu povo; e se posicionar como exemplo global de desenvolvimento verde.

*

ECONOMISTA, PRESIDENTE-EXECUTIVO DA IBÁ, MEMBRO DO CONSELHO CONSULTIVO DO RENOVABR, FOI GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (2003-2010/2015-2018

Opinião por Paulo Hartung

Economista, presidente-executivo da Ibá, membro do Conselho Consultivo do RenovaBR, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.