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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Itamaraty não improvisa

A tradicional política de equilíbrio e equidistância deveria voltar a ser seguida e reforçada, acima de considerações ideológicas e partidárias

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Tornou-se um lugar-comum o comentário de nossos hermanos latino-americanos sobre a ação diplomática do Ministério das Relações Exteriores: Itamaraty no improvisa. Essa frase refletia a percepção de que o Itamaraty, com um quadro altamente qualificado de servidores, sabia manter a continuidade da política externa e renová-la com o passar do tempo, fazendo os necessários ajustes para a defesa dos interesses nacionais.

Nos últimos 20 anos, a formulação e a execução da política externa têm passado por um processo disfuncional em que os interesses nacionais são confundidos com interesses setoriais e políticos. Gradualmente, a política externa passou a sofrer interferências ideológicas e partidárias que a afastam dos interesses do Estado brasileiro. Um recente ministro do exterior aceitou que o Brasil fosse considerado um pária internacional por defender posições políticas vigentes no governo.

O Itamaraty é o principal assessor do presidente da República para a formulação e execução da política externa e sempre foi o órgão que coordena a participação do Brasil, tanto no âmbito bilateral quanto nos organismos multilaterais. Com alternância de governos, é normal haver mudanças de ênfases e prioridades na política externa. O problema hoje é que, com as mudanças internas na política brasileira, o Itamaraty vem sofrendo um continuado processo de esvaziamento.

Ao longo dos últimos cinco anos, o Itamaraty perdeu espaço em temas como comércio exterior (mesmo no Mercosul), meio ambiente e mudança do clima, agenda de costumes, direitos humanos, entre outros. No governo atual, o Itamaraty começou perdendo a Apex e enfrentou, com limitado sucesso, o desafio de tentar coordenar as ações externas das pastas de Meio Ambiente, Direitos Humanos, Mulheres, Igualdade Racial e povos indígenas. Além disso, quando ocorre uma duplicidade de influência na formulação e execução da política externa, o desempenho diplomático fica afetado, como ocorreu no governo Bolsonaro e está ocorrendo no atual governo.

A situação tem-se agravado pelas ações e pronunciamentos improvisados dos presidentes Bolsonaro e Lula no tratamento de delicadas questões externas, com claros objetivos de política interna (convocação de embaixadores para ouvirem críticas às urnas eletrônicas e o tratamento dado a regimes autoritários na região, em especial a Venezuela). Sem preocupação com a repercussão internacional, as declarações mostram inconsistências da política externa, põem em risco sua credibilidade e prejudicam a ação diplomática na defesa do interesse nacional.

A projeção internacional do Brasil é, em grande parte, resultado da atuação diplomática tanto bilateral como, sobretudo, multilateral. Num mundo em grande e rápida transformação e com as polarizações internas, as prioridades definidas pelo governo Lula são corretas e representam o que se espera da nona economia do mundo. Ter voz no cenário internacional, influir nas discussões sobre meio ambiente e mudança do clima e ter uma política afirmativa na América do Sul são políticas que interessam ao País, e o Itamaraty continua a executar um trabalho sério e competente, como instituição.

A questão que se coloca é como ajustar o soft power brasileiro nas áreas em que se reconhece sua influência (meio ambiente, segurança alimentar, transição energética) e suas limitações pela ausência de excedente de poder (o Brasil não é uma potência militar). A ausência de resultados na pretensão de criar um grupo para acelerar a busca da paz na guerra da Ucrânia, na proposta para o cessar-fogo em Gaza durante a presidência brasileira no Conselho de Segurança da ONU, em ser uma ponte entre os países desenvolvidos e o Sul Global ou influir na modificação da governança global (composição do Conselho de Segurança da ONU) mostra os limites da influência do Brasil no cenário internacional. Em algumas dessas ações, a chancelaria não foi ouvida ou, se foi, a instituição deve ter-se colocado contra, mas a decisão foi tomada sem o conselho do Itamaraty.

A nova economia (menos liberalismo e mais protecionismo) e a nova ordem internacional em constante mutação pelo impacto das guerras na Europa e no Oriente Médio, pela competição entre as duas maiores potências globais, pela rápida evolução tecnológica, com reflexos na geopolítica, estão forçando todos os países a se ajustar às novas demandas e novas realidades. O fator externo hoje não pode mais ser ignorado na definição das políticas econômica, financeira, de defesa e, para países como o Brasil, da política externa. A experiência do Itamaraty, reconhecida internacionalmente e agora percebida com baixa credibilidade por sua reduzida influência, não pode ser deixada de lado. A tradicional política definida pelo Itamaraty de equilíbrio e equidistância, sem tomar partido nas questões que dividem os países e na defesa do interesse brasileiro, deveria voltar a ser seguida e reforçada, acima de considerações ideológicas e partidárias.

O Itamaraty deve fazer valer sua competência e seu espírito público para enfrentar o desafio de recuperar o papel central de coordenação em temas que impactem a projeção do Brasil no mundo. Os governos de turno não podem improvisar na política externa.

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EX-EMBAIXADOR DO BRASIL EM WASHINGTON E EM LONDRES, É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR

Opinião por Rubens Barbosa

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

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