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Um país hostil ao crescimento

Desemprego e capacidade da indústria mostram economia com crescimento insustentável, aponta FGV Ibre. Sem controle da inflação e reformas, País está condenado a voos de galinha

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Por Notas & Informações
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Pode parecer inacreditável, mas os indícios de recuperação da atividade econômica, depois de dois anos de impactos da pandemia, começam a gerar não alívio, mas preocupação. Em sua mais nova edição, o Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) alerta para o fato de a economia brasileira estar rodando acima de seu potencial, quadro que expõe o desafio do controle da inflação e reforça a necessidade de reformas que proporcionem um crescimento verdadeiramente sustentável.

No artigo que abre o boletim, Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos listam as razões que justificam uma cautela que vai de encontro ao pensamento mágico manifestado pelo governo. A exemplo da maioria do mercado, eles preveem que o ano de 2023 será extremamente desafiador, marcado, no melhor dos cenários, por uma expansão baixa e, na avaliação deles, por uma recessão de 0,4%. O avanço dos serviços destaca os limites da atuação do Banco Central (BC) no que diz respeito ao controle da inflação via taxa básica de juros, dado que Executivo e Legislativo remam na direção contrária e patrocinam a expansão desenfreada do gasto público. Para os economistas, isso mostra que a política fiscal é “insustentável a médio prazo, tanto do ponto de vista do endividamento público quanto do combate à inflação”.

Há outros indicadores que corroboram com as preocupações dos economistas. O desemprego ficou em 9,1% no trimestre encerrado em julho, um nível alto em se tratando da maioria dos países desenvolvidos, mas não para o Brasil. Por aqui, a taxa está, desde abril, abaixo dos 9,5%, porcentual que é considerado o nível de equilíbrio para a economia – ou seja, quando fica abaixo desse limite, o desemprego se torna uma pressão adicional sobre a inflação. Já a indústria de transformação, longe de representar um motor de desenvolvimento, ainda apresenta produção inferior à do período pré-pandemia. Mas, a despeito dessa fraqueza, o setor já apresentava um Nível de Utilização da Capacidade da Indústria (Nuci) de 82,2% em agosto, um dos mais elevados dos últimos meses.

Tendo que lidar com uma economia em pleno-emprego e uma inflação bem acima da meta, não restarão muitas alternativas ao presidente que vier a ser eleito que não passem por uma atuação alinhada com o Banco Central e um ajuste fiscal que ajude a esfriar a atividade – a não ser que a intenção seja botar por terra qualquer chance de o BC entregar a inflação na meta em 2024. “Dada essa pressão no uso de fatores, e sem crescimento da produtividade, o ritmo atual de crescimento econômico é insustentável, especialmente num contexto em que se busca controlar a inflação. Não há outra saída para isso senão crescer mais devagar. Em 2023, o cenário mais provável é que as políticas monetária e fiscal convirjam nessa direção”, dizem Castelar e Matos, em um artigo simbolicamente intitulado O custo da desinflação.

Eis a herança do governo de Jair Bolsonaro: suas políticas eleitoreiras comprometeram até o controle da inflação, conquista da sociedade que parecia consolidada. É imprescindível lembrar que, após as perdas econômicas e sociais impostas pela hiperinflação, foi o Plano Real que deu ao País a capacidade de manter um crescimento sustentável, ainda que baixo. Sem recuperar esse legado, o Brasil estará condenado a repetir ciclos conhecidos como voo de galinha, alternados por vales profundos e de longa duração.

Dito isso, o combate efetivo da inflação exige bem mais do que um Banco Central independente e marretadas sobre o preço dos combustíveis via redução eleitoreira de impostos. Conceder ao próximo governo uma nova licença para gastar diante desse descalabro parece inevitável, mas é uma solução temporária, que precisa ser muito bem delimitada e atrelada a contrapartidas que resgatem o arcabouço fiscal. O País não pode mais prescindir de reformas estruturantes que revejam a composição das despesas públicas e simplifiquem o sistema tributário, razão pela qual a escolha responsável e consciente do eleitor ganha relevância histórica neste mês de outubro.