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8 de janeiro: Contratantes de ônibus receberam ‘dinheiro vivo’ e atuaram em campanhas bolsonaristas

Relatório da Abin cita 13 empresas como responsáveis, nos registros da ANTT, pela contratação de ônibus para atos golpistas em 8 de janeiro

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Foto do author Weslley Galzo
Foto do author Daniel Haidar
Por Weslley Galzo e Daniel Haidar
Atualização:

BRASÍLIA – Empresas responsáveis pela contratação de ônibus que levaram golpistas a Brasília no 8 de Janeiro receberam pagamentos em “dinheiro vivo” e parte delas atuou em campanhas de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. O nome das empresas consta em um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) obtido pelo Estadão. O documento revela os financiadores dos ataques às sedes dos Três Poderes. Ao todo, 83 pessoas e 13 empresas estão envolvidas nas contratações.

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A Bernardes & Bernardes Transportes, de Rondônia, recebeu, em 2022, pagamentos por serviços eleitorais para a campanha do senador Marcos Rogério (PL-RO). Motorista e sócio da empresa, o microempresário Jhoni dos Santos Bressan recebeu envelopes com até R$ 30 mil para levar golpistas a Brasília. “O cara (motoqueiro) chegava lá de viseira escura e mandava conferir o dinheiro”, diz ele ao Estadão.

Já a Odilon Araújo Júnior Transportes, batizada com o nome de seu fundador, de Santa Catarina, prestou serviços para campanha do atual governador do Estado, Jorginho Mello (PL-SC), ex-senador. Tanto Mello quanto Marcos Rogério se aproximaram de Bolsonaro nos últimos anos e fizeram parte da tropa de choque bolsonarista no Congresso durante o seu governo.

Ônibus interceptados pela PRF após os atos golpistas em Brasília no dia 8 de janeiro; investigação mira financiadores de caravanas Foto: POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL

Procurado, o governador de Santa Catarina diz, em nota, que a empresa “Odilon Araújo Júnior Transportes foi contratada e devidamente remunerada pelos serviços prestados, durante o período de setembro de 2022″ e que os gastos contam na prestação de contas aprovada pela Justiça Eleitoral. “O que a empresa pretensamente fez depois disso é de responsabilidade única e exclusivamente dela”, afirma.

Em entrevista ao Estadão, o empresário Odilon Araújo Júnior disse que foi procurado durante as eleições para prestar serviços para a campanha de Mello. O contato foi feito pelo atual secretário estadual da Casa Civil de Santa Catarina, Estêner Soratto da Silva Júnior (PL-SC), deputado estadual licenciado, de quem Araújo Júnior diz ser amigo. De acordo com a contabilidade apresentada à Justiça Eleitoral, Araújo Júnior recebeu R$ 7,8 mil da campanha de Mello em 23 de setembro.

“Soratto é meu amigo. Fui contratado porque ele simplesmente precisou de carros e vans. Transportei gente do Jorginho de um lado para o outro, mas nem sei se o governador entrou no carro. Não tem nada a ver com as pessoas que me contrataram para o transporte a Brasília no dia 8 de janeiro”, afirmou o empresário ao Estadão.

Araújo Júnior alega que foi contratado por três pessoas, que ele não quer identificar ao Estadão, para levar um grupo de 36 pessoas de Tubarão, no interior de Santa Catarina, até Brasília para os atos convocados por bolsonaristas para o dia 8 de janeiro.

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De acordo com ele, como seu único ônibus para longas viagens já estava em outro serviço, foi necessário subcontratar outro veículo – por isso, ele aparece como contratante nos registros da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Araújo Júnior diz que pagou R$ 22 mil pela subcontratação e que tinha recebido no total R$ 26,5 mil dos três verdadeiros contratantes, o que lhe deu um lucro de R$ 4,5 mil na operação.

Mais de 1,3 mil pessoas foram denunciadas por envolvimento nos atos do dia 8 de janeiro Foto: Wilton Júnior/Estadão

“Tive a sorte de o meu ônibus não estar lá, porque não sabia que iam fazer essa baderna em Brasília. Em política, não sou de um lado nem de outro. Quando a polícia me procurou há um mês (na investigação dos financiadores dos ataques), passei os comprovantes de Pix que me pagaram. Não vou dizer a você quem são os contratantes, são pessoas comuns”, afirmou Araújo Júnior.

A Abin destaca nos relatórios “a grande pulverização dos contratantes de fretados”. A agência ainda aponta a possibilidade de as pessoas envolvidas no fretamento dos ônibus terem sido “utilizadas como laranjas com o objetivo de ocultar os verdadeiros financiadores das caravanas e dos manifestantes”.

O documento, contudo, diz que as pessoas envolvidas na preparação do ato de 8 de janeiro se referiam a ele como “tomada pelo povo”. O objetivo dos manifestantes desde o primeiro momento, segundo a Abin, era invadir o Congresso.

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Uma das caravanas saídas de Tubarão levou até Brasília uma das radicais mais extremistas identificadas no dia 8 de janeiro: Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza, de 67 anos, a Fátima de Tubarão. A idosa se notabilizou por afirmar em gravações durante a invasão ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) que defecou na mesa do ministro Alexandre de Moraes.

Dinheiro vinha em envelope

Tanto Araújo Júnior quanto Jhoni dos Santos Bressan, da Bernardes & Bernardes Transportes, disseram ao Estadão que já prestaram esclarecimentos à Polícia Federal no mês passado na investigação sobre os financiadores dos ataques golpistas a Brasília.

Congresso depredado em 8 de janeiro. Foto: Eraldo Peres/AP

Bressan alega que não sabe informar quem foram os verdadeiros financiadores do transporte de golpistas em 8 de janeiro. Ele diz ter sido procurado para o serviço por pessoas que não sabe identificar, em contatos por WhatsApp, e que recebeu esses pagamentos com dinheiro em espécie, entregues por motoqueiros, que tampouco sabe identificar, em encontros em diferentes cidades de Rondônia.

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O empresário ainda alega que foi pago com esse esquema de dissimulação pelas cinco viagens nas quais sua empresa levou bolsonaristas a Brasília, de novembro até o dia 8 de janeiro.

“Peguei o primeiro envelope com dinheiro em Vilhena (interior de Rondônia). Essa primeira viagem era para deixar acampados no quartel-general do Exército em Brasília e vendemos por R$ 19 mil, mais diárias. A última foi feita por R$ 30 mil”, afirmou Bressan ao Estadão.

A empresa de Bressan também já foi paga durante a eleição do ano passado pelo comitê de eleição ao governo de Rondônia do senador Marcos Rogério (PL-RO). Foram pagos R$ 12 mil em 1º de setembro. “Não tivemos contato com o Marcos Rogério. Terceirizamos o serviço para um amigo, para ganhar corretagem”, afirmou Bressan ao Estadão.

Procurado, o senador informou em nota que “a contratação da Bernardes & Bernardes na campanha eleitoral em 2022 foi feita diretamente por um dos coordenadores, no interior do estado, para o transporte de equipe”.

Na lista de contratantes de fretados produzida pela Abin também consta a Squad Viagens, uma empresa da família fundadora da Viação Águia Branca, do Espírito Santo. Procurada pelo Estadão, a empresa informou que funciona como uma plataforma on-line de fretamento, por meio da qual qualquer pessoa pode fretar ônibus. De acordo com a assessoria de imprensa, sem frota própria, a Squad contrata os ônibus da Águia Branca – por isso, consta no sistema da ANTT como contratante.

A Squad informou que explicou esse funcionamento como plataforma para a Polícia Federal e a Advocacia-Geral da União (AGU), o que fez com que a empresa fosse retirada de uma ação na Justiça Federal que cobra indenização de financiadores, ainda de acordo com a assessoria de imprensa do grupo. Os porta-vozes da empresa dizem ainda que não há relação próxima entre os fundadores da Águia Branca e um parente, Valfrido Chieppe Dias, que foi um dos contratantes do ônibus pela plataforma.

Outra pessoa jurídica listada pela Abin é o Sindicato Rural de Castro, que é apontado como responsável pela contratação de dois ônibus utilizados no transporte de pessoas para participar dos atos golpistas de 8 de janeiro em Brasília. O presidente da organização, Eduardo Medeiros Gomes, apoiou a candidatura de Bolsonaro em 2022 e doou R$ 5 mil à campanha da ex-deputada federal Aline Sleutjes ao Senado pelo Paraná, que não foi eleita. O sindicato também já figurou em listas de denunciados por envolvimento em atos golpistas. O Estadão tentou contato com os representantes da organização, mas não houve resposta.

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