Não é de hoje que o caos está instalado na interpretação e aplicação do direito penal no Brasil. Tradicionalmente, a parcela da população “selecionada” para sofrer as agruras da veia punitiva estatal é sempre a mesma: negro, pobre e periférico.
No entanto, tem-se observado de há muito, especialmente após a deflagração de megaoperações, que ninguém está a salvo das mãos do direito penal.
É cada dia mais comum empresários serem denunciados pelo cometimento de crimes econômicos, a exemplo do crime de sonegação fiscal previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/1990.
Observa-se que, muitas vezes, em denúncias absolutamente genéricas – ineptas do ponto de vista jurídico, portanto –, a acusação se contenta em imputar a alguém o cometimento do crime de sonegação fiscal única e exclusivamente em razão de a pessoa figurar no quadro de sócios e administradores da sociedade empresária, sem qualquer comprovação acerca da intenção de fraudar o fisco ou, ainda, a averiguação sobre a eventual ingerência do acusado no tratamento das questões contábeis e fiscais da sociedade (realizada, em muitos casos, por contadores terceirizados e não diretamente pelos sócios, administradores ou contadores da própria empresa, por exemplo).
Dificilmente, no Brasil, a acusação é sumariamente rejeitada e o processo criminal acaba prosseguindo invariavelmente o seu curso por longos anos.
É importante enxergar que a ausência de um filtro adequado no recebimento das denúncias – o que, com o devido respeito, é o mais comum –, gera prejuízos irremediáveis: ainda que o acusado seja absolvido, o fato de tão somente responder a um processo criminal já é uma pena por si só, cuja estigmatização social é, por vezes, perpétua e indelével.
Justamente por isso, não se pode compactuar com denúncias ineptas contra dirigentes e gestores empresariais, pautadas única e exclusivamente em razão do cargo que ocupam, como tem ocorrido ao longo dos últimos anos.
Como se vê, o momento atual da aplicação do direito penal no Brasil é preocupante, e isso vale tanto para a “criminalidade de massa” (tráfico de drogas, roubos e furtos, por exemplo), quanto para o campo dos crimes de “colarinho branco” (direito penal econômico).
A sanha punitiva é geral e irrestrita. Se quer punir a tudo e a todos com o direito penal, sem qualquer preocupação em ouvir quem estuda cientificamente os temas correlatados acerca do óbvio: O que punir? Por que punir? Quem punir? Onde punir? Quando punir? Como punir? Quanto custa punir? Resolve punir?
Possível concluir que na seara criminal, para todas as infrações penais e quaisquer pessoas acusadas, devem ser integralmente respeitados os princípios e teorias historicamente construídos ao longo dos séculos para combater os excessos e as arbitrariedades, uma vez que o processo em si, é uma pena, não podendo ninguém ser condenado sem a comprovação cabal, e acima de qualquer dúvida razoável, da sua culpabilidade.