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A gravosa situação da Previdência Social

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Por Adriane Bramante
Atualização:
Adriane Bramante. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O governo anunciou a contratação de 7 mil militares para desafogar quase 2 milhões de pedidos de benefícios aguardando análise do INSS em todo o país. A questão, no entanto, é muito mais gravosa do que se apresenta. Não se trata apenas de contratar os militares para que o número de pedidos seja equalizado em 3 ou 4 meses.

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As filas do INSS, presenciais ou virtuais, existem há muitos anos e não há previsão de acabarem. Há um milhão de requerimentos por mês no INSS, que tem cerca de 5 mil servidores para analisá-los. Se forem distribuídos 200 processos por mês para cada servidor, será possível analisar em um mês o que entra de pedidos diariamente. Sempre haverá um déficit de processos analisados em relação aos que são requeridos. Claro que há os requerimentos automáticos, mas a complexidade das questões previdenciárias, tais como: CNIS incompleto, extemporaneidade, períodos de trabalho sem CNIS, análises de PPP's, perícias médicas, carência, qualidade de segurado, dentre outros fatores, exigirão trabalho humano em muitos desses requerimentos. No máximo 20% deles possibilitam a concessão automática, sem necessidade de análise do servidor.

Os processos de recursos estão absolutamente parados em todo o país por dois motivos principais. O primeiro, a não comunicação do novo sistema do CRPS (e-sisrec) com o Gerenciador de Tarefas (GET), sistema utilizado pelo INSS para dar andamento aos requerimentos, nem com o sistema PMF Tarefas, de uso dos Peritos Médicos Federais. O INSS utiliza o GET e depois tem que baixar o processo em PDF e usar o e-sisrec para enviar os recursos ao CRPS. O ideal seria um único sistema a ser operacionalizado por todos os órgãos, ou que minimamente eles se comunicassem, agilizando a análise e julgamento dos processos.

Como o e-sisrec e o PMF Tarefas não se comunicam, milhares de processos que necessitam de parecer médico em fase recursal estão parados, pois o Peritos Médicos Federais não visualizam os processos no e-sisrec, já que não têm acesso, nem o visualizam no PMF Tarefas, deixando milhares de processos de recurso parados, esvaziando o acervo de processos a serem julgados nas Juntas de Recurso do CRPS. O resultado é a acumulação das demandas recursais sem prazo para serem solucionados. São atualmente mais de 100.000 processos só de matéria médica que aguardam solução.

O segundo motivo é a Resolução 687/19 PRES/INSS, de 4 de julho de 2019, o qual estabeleceu pontuação para aferição de produtividade decorrente da conclusão das análises dos processos, compensação previdenciária e apuração de indícios de irregularidade. Por exemplo, para apuração de irregularidade o servidor ganha 2,0 pontos (a maior pontuação da tabela), enquanto que, para encaminhar um processo de recurso ao CRPS, ele ganha 0,20. Ou seja, o objetivo maior da Previdência hoje é procurar fraude e não solucionar um pedido de benefício sob o viés do seguro social, além de, obviamente, desestimular esse tipo de serviço pelo servidor.

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A ideia de contratar militares para o atendimento da população é até louvável, mas ao mesmo tempo preocupa, pois a maioria dos beneficiários são pessoas humildes, simples, que mal sabem expressar o que querem. O objetivo de tirar o servidor que hoje está no atendimento para a analise processos internos, esbarra no problema de que esse atendente também não é analista e tampouco conhece dos procedimentos administrativos. E o INSS é uma máquina de expedir portarias, memorandos, instruções normativas, circulares, impossíveis de serem acompanhadas e estudadas em pouco tempo.

A situação a que chegamos era previsível. A abertura de concurso já era para ter ocorrido há anos, quando se sabia da aposentadoria de 50% dos servidores até o final de 2020, após a Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social (GDASS) ter sido alcançada na sua integralidade em 2019 pelos servidores do INSS.

O que vai acontecer daqui para frente também é previsível: a análise quantitativa dos pedidos ocasionará indeferimentos em abundância, sobrecarregando, consequentemente, o Conselho de Recursos da Previdência Social e o Judiciário, indo na contramão do objetivo de redução da judicialização anunciado em 2019.

A contratação temporária dos militares pode até ajudar num primeiro momento, mas é imperioso que sejam tomadas medidas sérias com relação ao nosso modelo jurisdicional em matéria previdenciária. Isto porque todas as medidas anunciadas pelo INSS nos últimos anos objetivando a efetividade das análises não foram implementadas, sem qualquer justificativa para tanto.

Há pouco mais de um ano, por exemplo, a Previdência Social anunciou que passaria a analisar automaticamente a concessão de benefícios em que tivesse em seus sistemas informatizados os dados necessários a concessão, e que a análise ocorreria em 30 minutos. Até agora, essas concessões automáticas não estão ocorrendo a contento. A sua solicitação leva meses para ser analisada. Caso funcionasse reduziria sobremaneira o passivo das análises. O mesmo pode ser afirmado com relação aos recursos administrativos.

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Seria fundamental que com o anúncio da medida de contratação de servidores militares para auxiliar no atendimento ao INSS, o Governo Federal apresentasse um plano viável para um órgão de fundamental importância ao país, que é a Previdência.

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Chegamos no ápice da ineficiência! Precisamos que a Constituição Federal, em seu Art. 37, seja cumprida! Que seja expedido um decreto sim, mas que cobre efetividade das análises em 45 dias, sob pena de sanção por descumprimento. E que sejam dadas condições para que o servidor possa fazê-lo com calma, com técnica e com eficiência, sem pontuar por espécie ou tipo de serviço, para que não haja escolha, preterindo aqueles com baixa pontuação. Além disso, é preciso equipar tecnicamente as agências.

Precisamos que as decisões do CRPS sejam cumpridas no prazo regulamentar. Não podemos mais admitir processos em fase de recurso com 3 ou 4 anos, sem solução, muitos deles aguardando cumprimento de diligência nas Agências da Previdência Social há mais de um ano. E outros tantos recursos que foram encaminhados pelo INSS para as Juntas de Recursos.

O principal e mais preocupante de todos os problemas aqui levantados é com o destinatário: o beneficiário. Os cidadãos que precisam do benefício para garantia de subsistência clamam por uma resposta. Está insustentável a espera por uma solução. Estamos tratando de direitos fundamentais sociais e a impressão que temos é o olhar frio e distante desse destinatário. Tudo se resume a números, orçamentos e pontuações, esquecendo do mais importante desse trabalho: o ser humano.

*Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP)

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