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A ilegal multa pela não prestação de informações sobre transações internacionais

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Por Luciano Ogawa e Daniela Ferrazzo
Atualização:
Acervo Pessoal Foto: Estadão

A Receita Federal do Brasil (RFB) sinalizou para uma futura aplicação em massa de multas a aqueles que não prestarem informações relativas às transações entre residentes ou domiciliados no Brasil e residentes ou domiciliados no exterior. Recentemente, a RFB publicou uma nova instrução normativa (nº 1.803/18), alterando a Instrução Normativa RFB nº 1.277/2012 que institui a obrigação de prestar informações no SISCOSERV, especificamente com o fim de esclarecer a base de cálculo destas multas, que variam entre 1,5% e 3% do valor das transações realizadas.

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O SISCOSERV - Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio - foi instituído pela Lei nº 12.546/11, que determinou que sejam registrados os dados relativos às transações de importações e exportações de serviços, intangíveis e outras operações, entre elas operações mistas (que envolvem produtos e serviços), operações financeiras, arrendamentos, entre outros.

A citada lei determinou ainda que o Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC) e o da Ministério da Fazenda emitissem normas complementares que regulassem a referida obrigação. Nesta norma legal não existe disposição para a aplicação de qualquer espécie de multa por descumprimento na prestação de informações.

Independentemente desta ausência legal, a Receita Federal do Brasil, ao emitir a norma infralegal complementar para o cumprimento da obrigação (IN/RFB 1.277/2012), extrapolou o determinado pela Lei n. 12.546/11 e criou multas nas hipóteses de apresentação fora do prazo ou em função da apresentação com informação inexata, incompleta ou omissa.

Entretanto, a imposição de quaisquer tipos de sanções, especialmente pecuniária, por omitir ou prestar informações inexatas/incompletas no SISCOSERV precisam ser instituídas por Lei, e foi erroneamente instituída por ato infralegal, em clara violação ao princípio da estrita legalidade.

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Existe uma corrente que sustenta que há base legal para aplicação da multa instituída pela Secretaria da Receita Federal, pois este órgão possui o poder de criar obrigações adicionais relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo até mesmo forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável.

Nesse sentido citamos o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que reformou uma decisão favorável ao contribuinte em primeira instância. No referido julgado, foi entendido que é válida a instituição da multa em questão, mesmo sem previsão na Lei 12.546/2011, pois fundamenta-se na Lei 9.779/99 e que, tratando-se de obrigação acessória de índole fiscal, sustenta-se no artigo 57 da medida provisória 2.158-35/11.

O julgado é finalizado com o entendimento de que as penalidades decorrentes do não cumprimento de obrigações acessórias têm apoio no art. 113, §§ 2º e 3º, do Código Tributário Nacional (CTN), que dispõe sobre a conversão em multa das obrigações acessórias instituídas pela legislação tributária.

Porém, não compartilhamos de referido entendimento, já que encontra-se equivocado. Ainda que se pudesse admitir que uma Lei delegasse à Receita Federal a instituição de penalidades, observa-se que a Lei citada pelo Tribunal (Lei nº 9.779/99) não se aplica ao caso em tela, uma vez que somente autoriza a Receita a dispor sobre obrigações acessórias que visem a arrecadação e o controle de tributos.

As obrigações relacionadas ao SISCOSERV não são relativas a impostos e contribuições administrados pela Receita Federal. Elas não têm relação alguma com pagamento de tributos, mas sim com a obrigação de prestar informações relativas às transações entre residentes ou domiciliados no país e residentes ou domiciliados no exterior para fins econômico-comerciais ao MDIC.

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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que os deveres instrumentais dos contribuintes (positivos ou negativos), que possibilitam ao Fisco obter o maior número de informações sobre o universo das atividades desenvolvidas pelos sujeitos passivos, apenas se justificam para fins de interesse público quando tendentes à arrecadação e fiscalização tributárias. Considerando à referida jurisprudência, faleceria de sustentação invocar o artigo 113 do Código Tributário Nacional.

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A discussão sobre a multa em questão ainda é embrionária e já existem decisões de primeira instância favoráveis a não aplicação desta penalidade.

Os contribuintes devem levar essa matéria aos Tribunais Superiores, que em nossa opinião deverão reconhecer não só a ilegalidade da Instrução Normativa RFB nº 1.277/2012 e alterações posteriores, mas outras questões como a desproporcionalidade da penalidade imposta, já que a multas criadas são claramente exorbitantes.

Enquanto não há uma posição definitiva sobre o tema, entendemos que os contribuintes que eventualmente descumpriram as regras do SISCOSERV devem provocar o Judiciário de forma preventiva. Isso pode ser feito por meio de mandado de segurança, especialmente se não for possível sanar as omissões e informações inexatas de imediato, e em caso de autuação fiscal, discutir a matéria primeiro no âmbito administrativo e depois no Judiciário, se ainda for o caso.

*Luciano Ogawa é graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo, pós-graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, L.L.M em Direito Societário pelo IBMEC/SP e L.L.M em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais INSPER/SP. É Diretor do Instituto Cidadania Tributária - ICT, membro da International Fiscal Association - IFA e da Associação Brasileira de Direito Financeiro - ABDF. Professor de curso de pós-graduação e Conferencista em seminários e congressos.

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*Daniela Ferrazzo é graduada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu, pós-graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com extensão em Direito Aduaneiro pela Aduaneiras. Membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-SP.

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