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Opinião|A legalidade da escolha indireta para conselheiros tutelares

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O tema gerou polêmica no último pleito para escolha dos Conselhos Tutelares, a qual tem sido extremamente politizada e fugido do foco de proteção das crianças, uma vez que tem focado mais na política em vez da tecnicidade dos candidatos.

Primeiramente, é preciso esclarecer que quem paga os vencimentos dos Conselheiros Tutelares é o Município e não existe lei formal estabelecendo que cabe ao CONANDA regulamentar o processo de escolha, como foi feito pela Resolução 231/22. Principalmente com o caráter vinculativo e normativo que vem sendo imposta.

Andre Luis Alves de Melo Foto: MPD/Divulgação

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Outro aspecto é que a lei jamais usou o termo “eleições”, e sim o termo “escolha”, que pode se dar por meio de eleição, direta ou indireta, mas também por meio de outros mecanismos como referendo.

O trabalho do Conselheiro Tutelar não é estabelecer medidas de política pública, pois este papel é reservado ao CMDCA (Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente).

As atribuições do CMDCA não foram definidas de forma muito clara no texto legal, mas é possível extrair da Lei 8069/90 que cabe ao mesmo renovar os registros das entidades de atendimento de crianças e adolescentes, deliberar sobre o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (FUMCAD), promover e divulgar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), acompanhar e monitorar políticas públicas de atendimento, pensar o orçamento público municipal e cobrar o poder executivo de programas e execuções, inclusive participando na elaboração das políticas públicas junto ao Executivo e até mesmo leis municipais junto ao Legislativo.

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O art. 136 da Lei 8069/90, ECA, define as atribuições do Conselho Tutelar e lendo as mesmas é fácil concluir que são funções de fiscalização e não de estabelecimento de políticas públicas, como alguns tendem a filosofar. E para funções de fiscalização é natural que prevaleçam os requisitos técnicos, pois imaginem que o Conselheiro tenha que fiscalizar determinado segmento que “apoiou “sua campanha para escolha. Isso, sem falar na dificuldade para se fiscalizar o processo de escolha, e importante destacar que a lei não exige participação obrigatório, nem o sufrágio universal, nem mesmo há definição na LEI do quem poderia votar (expressão que tem sido equivocadamente usada).

Nesse sentido, citamos o artigo sobre o processo de escolha previsto no ECA

Art. 132. Em cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida recondução por novos processos de escolha. (Redação dada pela Lei nº 13.824, de 2019)

Alguns sustentam que a expressão “expressão pela população local” seria por via eleição, e ao falar em “população local” seria toda a população. Ora, esta intepretação impositiva não respeita a autonomia do município, o pagador. Sendo que ninguém é obrigado a fazer nada se não prevista em Lei (previsto na Constituição Federal) e Resolução do CONANDA não é LEI formal. A lei federal não prevê que seja eleição, muito menos que seja eleição direta.

O art. 139 do ECA é expresso em definir que cabe aos municípios, órgão pagador dos vencimentos dos Conselheiros, decidir o modo de escolha, vejamos a redação:

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Art. 139. O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 8.242, de 12.10.1991).

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Portanto, a Resolução 231/22 do CONANDA, nos termos constantes do seu texto, não tem respaldo legal, uma vez que viola o texto

Logo, em que pese alguns setores almejem fazer do cargo de Conselho Tutelar uma forma de trampolim político para pretensões em outros cargos políticos e partidários, e ainda controle ideológico das prioridades educacionais, o que está previsto na Lei é a escolha técnica.

Afirmar que em razão do termo “população” todos deveriam votar, é um desvio interpretativo, pois assim até crianças então deveria votar, pois não há limite etário na lei. Na verdade, o que tem ocorrido é a violação da autonomia dos municípios e forte viés ideológico tentando apropriar-se de uma função técnica como forte risco de interferir em questões familiares e educacionais. O Conselho Tutelar é um órgão importante, mas não é um órgão político, até mesmo porque poderia haver abusos, portanto deve se um órgão técnico.

Assim, o que tem havido é um equívoco no foco, pois o órgão de política pública para a criança e adolescente é o CMDCA, logo para este é que deve haver uma participação popular maior. No entanto, a Lei 8069/90, de fato, deveria ter melhor organizado as atribuições do CMDCA. Já o Conselho Tutelar é um órgão técnico de fiscalização, e muito mais adequado que seja escolhido pela via indireta através dos Conselheiros do CMDCA, os quais representam a população local, pois de vários segmentos conforme estabelecidos em lei municipal. Diante o exposto, é preciso melhor discutir esta estrutura de escolha dos Conselheiros do CMDCA e dos Conselheiros Tutelares para evitar que este importante seja transformado em politicagem, questionamentos de escolha, ausência de tecnicidade e vocação para o tema, inclusive prejudicando a autonomia fiscal dos Conselheiros com cobranças em razão de apoios nas “eleições diretas”.

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*Andre Luis Alves de Melo, promotor de Justiça em MG, doutor em Processo Penal Constitucional pela PUC SP e associado do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

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