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Opinião | A questão dos honorários advocatícios pagos aos procuradores públicos

Os honorários de sucumbência integram o patrimônio público, constituindo infração administrativa a sua apropriação. Destaque-se que o ato de tentar ou apropriar-se de honorários advocatícios da Fazenda Nacional configura violação de deveres e proibições do servidor público

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convidado
Por Rogério Tadeu Romano

Na lição de CHIOVENDA(Instituições, volume III, páginas 285 a 286) o fundamento da condenação em despesas processuais é o fato objetivo da derrota e a justificação desse instituto está em que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva e que é interesse do Estado que o emprego do processo não se resolva em prejuízo de quem tem razão.

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CARNELUTTI(Sistema di Diritto Processuale Civile, volume I, Pádua, Cedan, 1936, pág. 436), um dos principais corifeus do princípio da causalidade, é quem diz que tal orientação responde a um principio de higiene social. É justo que aquele que tenha feito necessário o serviço público da administração da Justiça lhe suporte a carga de forma a fazer o cidadão mais cauteloso. Para ele, o pressuposto da obrigação do reembolso das despesas consiste em que tenha dado causa as mesmas uma pessoa diversa daquela que as antecipou. Se o sucumbente deve suportar as despesas é porque o processo foi causado por ele.

Quem perde um processo judicial, o vencido ou sucumbente, tem que pagar a condenação principal e todas as despesas do processo. Aplica-se o principio da sucumbência.

Nessa linha de entendimento temos a obrigação do vencido de pagar as custas e os honorários de advogado, as despesas do processo.

A Lei nº 13.327, sancionada pelo então presidente Michel Temer em 29 de julho de 2016, altera a remuneração de servidores públicos, estabelece opção por novas regras de incorporação de gratificação de desempenho a aposentadorias e pensões, e reestrutura cargos e carreiras. Além disso, a lei dispõe sobre honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, suas autarquias e fundações.

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Há um Projeto de coautoria de Arthur Lira (PP-AL)que propõe fim do pagamento de “honorário de sucumbência”.

Advogados públicos, procuradores federais, da Fazenda e do Banco Central receberam R$ 1,146 bilhão em honorários nos sete primeiros meses deste ano. O montante rendeu individualmente a alguns servidores até R$ 492 mil a mais nos contracheques, segundo relatório disponibilizado no Portal da Transparência.

Esses recursos são destinados aos servidores das carreiras da advocacia pública a título de “honorário de sucumbência”, que consiste no valor pago pela parte perdedora à vencedora para ressarcir os gastos judiciais no decorrer do processo. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o benefício não poderia ultrapassar o teto remuneratório do funcionalismo público, que equivale aos R$ 44 mil recebidos pelos ministros da Corte.

Porém, o Portal da Transparência não menciona a incidência do “abate teto” – regra que corta qualquer valor acima do limite – sobre os honorários, como observou o Estadão, em sua edição, no dia 16.10.24.

A procuradora-geral da República ajuizou ação, com pedido de medida cautelar, com o fito de obter a declaração de “inconstitucionalidade formal do artigo 85-§ 19 do Código de Processo Civil e a inconstitucionalidade material dos artigos 27 e 29 da Lei 13.327/2016, decretando-se, ainda, a inconstitucionalidade por arrastamento dos artigos 30 a 36 do referido diploma legal”. Alega, em síntese, que “o art. 85-§ 19 do Código de Processo Civil apresenta vício de iniciativa (artigo 61-§ 1º-II-a da Constituição) e abstrai o princípio da especificidade (art. 37-X da Constituição). Além disso, os artigos 27 e 29 da Lei 13.327/2016 afrontam os arts. 5º-caput, 37-XI, 39-§§ 4º e 8º da Constituição, visto que o pagamento de honorários de sucumbência - parcela de índole remuneratória que integra a receita pública - é incompatível com o regime de subsídio estabelecido na Constituição,inobserva o teto constitucionalmente estabelecido e abstrai os princípios republicano, da isonomia, da moralidade, da supremacia do interesse público e da razoabilidade”.Defende a presença dos requisitos necessários à concessão da cautelar, amparando-se na alegação de “manifesta ofensa ao regime de subsídios e ao teto constitucionalmente previsto” e, quanto ao periculum in mora, no argumento de que “as normas impugnadas estabelecem o direito de os membros perceberem parcela remuneratória em detrimento dos cofres da União”.

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Na matéria, o ministro Dias Toffoli entendeu, na ADI 6053 MC / DF que não se observa, no caso, a urgência necessária à excepcional apreciação, pela presidência desta Corte, da medida cautelar requerida.

O Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região declarou inconstitucional o pagamento de honorários de sucumbência a advogados públicos. Prevaleceu o entendimento de que a remuneração de servidores públicos deve ser fixa e qualquer adicional de subsídio é inconstitucional.

O posicionamento do TRF-2 diverge do TRF da 5ª Região, que julgou o pagamento constitucional.

Em discussão está a constitucionalidade do artigo 85, parágrafo 19º, do Código de Processo Civil, que define que os advogados públicos receberão os honorários da sucumbência nos termos da lei. Já os artigos 27 a 36 da Lei 13.327/2016 tratam das carreiras jurídicas e, entre outras regras, estabelecem que os honorários de sucumbência de causas em que forem parte a União, as autarquias e as fundações públicas federais pertencem originariamente aos procuradores.

A Lei 13.327/2016 fixa que o valor dos honorários deve ser rateado, inclusive, entre os advogados públicos inativos. Além disso, essas verbas não são sujeitas ao teto constitucional da remuneração dos servidores.

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No TRF-2 prevaleceu o entendimento do relator, desembargador Marcelo Pereira da Silva. Segundo ele, os artigos que garantem o pagamentos de honorários a advogados públicos e procuradores ferem o regime de subsídio estabelecido pela Emenda Constitucional 19/1998.

O relator explica que, de acordo com a norma, a remuneração dos servidores públicos é limitada ao valor do subsídio fixado em parcela única, ficando expressamente vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação “ou outra espécie remuneratória”.

Após meditar sobre a questão, penso estar o Parquet com razão sobre esse assunto.

Os dispositivos legais questionados ofendem o “regime de subsídio” - aplicável aos advogados públicos e a todos os demais servidores públicos por força do art. 135 da CF - , introduzido no texto constitucional pela Emenda nº 19/98, que acrescentou os §§ 4º e 8º ao art. 39 da Constituição Federal, deixando claro que a remuneração dos servidores públicos deveria limitar-se ao valor do subsídio fixado em parcela única, ficando expressamente vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação “ou outra espécie remuneratória”, à exceção das parcelas de natureza indenizatória e, também, daquelas previstas expressamente no § 3º do art. 39 da Constituição, tais como décimo terceiro salário, adicional noturno, salário-família, remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, a 50% à do normal, adicional de férias e licença à gestante. Sempre foi verba pública na condição de ingresso ou entrada sem qualquer condicionamento de posterior restituição ou recuperação de empréstimos ou valores cedidos pelo governo (BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. Rio de Janeiro; 14ª Ed., Forense, p. 116) e sua desnaturação ocorre justamente por força dessas inconstitucionais previsões legais.

Não se trata de verba indenizatória.

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Isso porque na medida em que não se destinam a compensar o agente público por despesas realizadas em razão do exercício do cargo, como seriam as diárias e ajudas de custo. Ademais, tivessem os honorários a natureza indenizatória, não caberia sobre tais verbas incidir o imposto sobre a renda, tal como previsto no § 7º da Lei 13.327/16.

Sendo, ao contrário, verbas destinadas a remunerar o profissional em razão do trabalho por ele exercido, e estendendo-se o seu pagamento aos servidores inativos (art. 31 da Lei 13.327/16), afigura-se evidente a sua natureza remuneratória, incompatível com o regime de subsídio “em parcela única” que o legislador constitucional quis prestigiar.

Há com isso uma evidente “burla do teto remuneratório”.

Após percuciente análise, foram reconhecidas pelos técnicos do TCU diversas inconstitucionalidades na Lei 13.327/16, concluindo-se, ao final, pela irregularidade das verbas pagas a título de honorários de sucumbência aos servidores beneficiários, recomendando-se a suspensão dos referidos pagamentos.

Recentemente o Tribunal de Contas da União (TCU) proibiu o pagamento dos honorários de sucumbência (devido pela parte perdedora) aos advogados da União, procuradores da Fazenda, procuradores federais e procuradores do Banco Central. Com efeito, em resposta a uma representação do Ministério Público, questionando o fato de a benesse sequer ser enquadrada no teto remuneratório do serviço público, atualmente em R$ 33,7 mil mensais, o TCU determinou à Advocacia Geral da União, ao Banco Central do Brasil, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Conselho Curador de Honorários Advocatícios (CCHA) que suspendam os pagamentos para todos os advogados públicos e servidores, por estarem em desacordo com as disposições constitucionais. .

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Os honorários de sucumbência integram o patrimônio público, constituindo infração administrativa a sua apropriação.

Destaque-se que o ato de tentar ou apropriar-se de honorários advocatícios da Fazenda Nacional configura violação de deveres e proibições do servidor público, como, ser leal à instituição a qual serve, manter conduta compatível com a moralidade administrativa, deixar de observar as normas legais e regulamentares.

Para Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 526.), estão excluídas do conceito de subsídio as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei, desde que tais observem os princípios constitucionais de legalidade, razoabilidade e moralidade, “sob pena de caracterizarem inaceitável fraude aos limites remuneratórios e ao conceito constitucional de subsídio, a ser repelida pelo Poder Judiciário no exame de constitucionalidade, direto (concentrado) ou incidental (difuso), da lei que as instituírem.”

Em se tratando de agentes públicos remunerados por subsídio, para que gratificação ou adicional pecuniário seja legitimamente percebido, faz-se necessário que não decorra de trabalho normal, mas possua fundamento no desempenho de atividades extraordinárias, que não constituam atribuições regulares desempenhadas pelo agente público.

Ao permitir o pagamento de vantagens pessoais como parcelas autônomas, além do subsídio, os dispositivos impugnados acarretam quebra do regime unitário de remuneração dos membros da advocacia pública, imposto pela reforma promovida pela Emenda Constitucional 19/1998.

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O pagamento de honorários judiciais tampouco possui caráter de indenização. Por parcela indenizatória entende-se aquela prestação pecuniária destinada a reparar ou a compensar uma lesão causada a um bem jurídico, de natureza material ou imaterial (integrante do patrimônio moral das pessoas), em razão de situações precárias, com motivação específica e pre-vistas em lei

A matéria permanece sendo ventilada pela procuradoria-geral da República que, recentemente, propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF) dez ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) contra normas estaduais e distrital que permitem o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência a procuradores dos estados e do Distrito Federal (DF). São questionadas leis estaduais aprovadas nos seguintes estados: Acre, Amapá, Bahia, Maranhão, Rio de Janeiro, Pará, Pernambuco, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal. Com essas, já são 13 ADIs propostas pela PGR para questionar esse tipo de normatização. Em todas, o principal argumento apresentado é o de que os honorários recolhidos pela parte vencida em processos judiciais contra os entes públicos devem ser compreendidos como receita pública, não podendo ser destinados a advogados e procuradores que atuaram nos casos.

Por sua vez, cabe acrescentar que a Anafe declarou em nota que “essa remuneração (honorários em geral) corresponde a um pagamento por performance, um modelo de eficiência e mérito consagrado”. E completou: “Desde sua implantação (dos honorários), a arrecadação da União aumenta a cada ano, e os resultados de sucesso judicial têm sido potencializados de forma ascendente.”

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Foto do autor  Rogério Tadeu Romano
Rogério Tadeu Romanosaiba mais

Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado. Foto: Arquivo pessoal
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