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A responsabilidade civil dos profissionais de saúde em casos de violência obstétrica

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Por Beatriz Fernanda Tarda
Atualização:
Beatriz Fernanda Tarda. Foto: Arquivo pessoal

Conforme recente pesquisa realizada pelo Datafolha, em média 18,6 milhões de mulheres foram vítimas de alguma violência ou agressão em 2022 no Brasil. A pesquisa considerou dados sobre violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

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Além das citadas, outra forma de agressão é a violência obstétrica, que ocorre quando a mulher que está em período gestacional, durante o parto e/ou pós-parto, sofre algum tipo de abuso físico, sexual, psicológico ou moral. A violência obstétrica pode ser cometida por qualquer pessoa que realiza assistência à gestante ou puérpera: a equipe médica, equipe técnica de enfermagem, outros profissionais que realizam atendimentos neste período, ou até mesmo a própria rede hospitalar.

Entre as principais formas de agressão à gestante ou puérpera estão: a realização de episiotomia (incisão cirúrgica feita nos tecidos do períneo) desnecessária, sem anestesia, ou ainda sem consentimento; a realização de exames de toque de maneira excessiva, sem consentimento ou sem a devida informação dos atos a serem realizados; impedimento imotivado de contato imediato com o recém-nascido; impedimento de presença do acompanhante durante o parto; aplicação de pressão sobre a barriga da gestante para acelerar o parto, conhecida como manobra de Kristeller; exposição à situação vexatória, por meio de palavras de baixo calão, ofensas à gestante em virtude de cor, raça, gênero, orientação sexual, condição econômica e/ou religião, humilhação, dentre outras situações que possam causar constrangimento.

Destaca-se que, infelizmente, a violência obstétrica não é rara no Brasil. Não por outro motivo, a especialidade da medicina que mais possui processos por erro médico é justamente a ginecologia e obstetrícia. Ainda, vale ressaltar que todas as pessoas gestantes, inclusive homens transexuais, podem ser vítimas de violência obstétrica.

Nessas situações, havendo qualquer dano à vítima, ainda que exclusivamente moral, o Código Civil Brasileiro estabelece em seus artigos 186 e 927 que toda pessoa que causar dano a alguém, seja por ação ou omissão, será obrigada a repará-lo. Além disso, a própria Constituição Federal protege a dignidade como princípio fundamental inerente a todo e qualquer ser humano.

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Através desta perspectiva, é evidente que as vítimas de violência obstétrica têm o direito de ser ressarcidas pelo abalo físico ou moral sofrido, se o caso.

Contudo, para que ocorra a responsabilização civil daquele que causar o dano (médicos e demais profissionais de saúde), é necessário que o abuso aconteça mediante ação ou omissão que gere um dano à vítima, competindo à esta o ônus da prova de existência da negligência, imprudência ou imperícia no ato do profissional.

Na esfera penal, não existe tipificação específica da violência obstétrica, portanto os agentes de saúde que cometem esse tipo de violência podem ser condenados por crimes como homicídio, lesão corporal, constrangimento ilegal, ameaça, maus-tratos, calúnia, injúria e difamação.

Apesar das possibilidade de reparação do dano por responsabilidade civil ou penal, o ordenamento jurídico brasileiro ainda está muito longe de alcançar a erradicação da violência à mulher, em todos os momentos de sua vida, inclusive em sua gestação, parto ou pós-parto.

Entretanto, os Poderes Público e Judiciário, por meio de políticas públicas e de responsabilização dos agressores, vêm buscando combater a violência à mulher. Destacam-se, por exemplo, ações realizadas ao longo dos anos que visam a diminuição dos casos de violência obstétrica, buscando garantir às gestantes e recém-nascidos um atendimento digno e humanizado, sendo algumas delas: a Lei do Acompanhante, nº 11.108, de 2005, que garante o direito da gestante de ter um acompanhante durante todo o trabalho de parto e pós-parto imediato no Sistema Único de Saúde (SUS); O direito à Humanização do parto, cujas diretrizes implantadas pelo Ministério da Saúde visam promover práticas que respeitem os direitos das mulheres e reduzam a ocorrência de violência obstétrica; O Programa de Valorização do Profissional da Atenção Obstétrica e Neonatal, que busca promover a formação e capacitação dos profissionais de saúde que atuam na assistência ao parto e ao nascimento, com foco na humanização do cuidado e na prevenção da violência obstétrica, dentre outras ações e campanhas de conscientização que objetivam informar as mulheres sobre seus direitos, sensibilizar a população sobre o tema e estimular denúncias de casos de violência obstétrica.

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É importante ressaltar que estas são apenas algumas das políticas e iniciativas já existentes no Brasil. O Poder Público permanece em busca da diminuição do índice de violência obstétrica no país por meio de projetos de leis, como os de nº 2.082/2022 e 422/23, que visam a criminalização da violência obstétrica e seu enquadramento entre os tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha, respectivamente.

Por fim, destaca-se que a responsabilidade civil dos profissionais de saúde desempenha um papel crucial na abordagem da violência obstétrica, oferecendo uma via de acesso à justiça e reparação para as vítimas que sofreram algum tipo de abuso durante a gestação, parto ou pós-parto, protegendo os direitos e a saúde das mulheres na sociedade.

*Beatriz Fernanda Tarda é advogada cível no Mandaliti

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