As provas digitais vinculadas aos telefones criptografados são tema de grandes discussões jurídicas no Brasil e no mundo. Recentemente, o Tribunal de Justiça da União Europeia respondeu a perguntas preliminares de um juiz da Alemanha sobre algumas Ordens Europeias de Investigação que visavam obter dados do EncroChat, um telefone criptografado semelhante ao SKY Ecc e ao Anom.
É importante nas investigações e processos penais em que os indícios são exclusivamente de provas digitais, a defesa técnica do advogado, em conjunto com a sua equipe de perícia particular, analise algumas questões importantes para aferir se houve violação ou não da cadeia de custódia e outras questões técnicas jurídicas, que podem culminar na nulidade da investigação e/ou do processo penal, e resultar na liberdade ou até mesmo absolvição de um investigado ou réu preso.
Embora os Estados-Membros da União Europeia devam poder confiar uns aos outros, o Tribunal Europeu afirma que são necessários controles sobre a matéria dos telefones criptografados e as provas digitais. Por exemplo, cabe ao órgão jurisdicional nacional analisar se o seu Estado-Membro criou uma construção ilegal ao mandar realizar investigações em outro país, que aplica regras flexíveis no domínio, por exemplo, de uma escuta telefônica e, posteriormente, solicitar esses dados através de uma Decisão Europeia de Investigação.
Cabe igualmente ao órgão jurisdicional nacional determinar se pode ser enviada uma Decisão Europeia de Investigação (tendo em conta o artigo 6.º, n.º 1, da Diretiva 2014/41/UE) e se a pessoa arguida pôde opor-se adequadamente às provas obtidas através deste método.
Além disso, – e esta é a essência do acórdão prolatado pelo Tribunal Europeu – o órgão jurisdicional nacional terá de apreciar se, num caso semelhante ao abrigo do direito nacional, a transferência de provas de um processo penal para outro poderia ter sido feita nas mesmas condições (por exemplo, no que diz respeito à presença de suspeitas concretas). Caso contrário, uma Decisão Europeia de Investigação não pode ser legalmente transmitida de um Estado-Membro para outro para efeitos de obtenção de provas.
Isso levará, sem dúvida, a muita discussão, afinal o Ministério Público não pode ser obrigado – pelo menos não por um juiz – a entregar provas. No máximo, o Ministério Público pode ser convidado para fazê-lo; um privilégio que agora parece ser um pouco menos vantajoso.
Se este aspecto do acórdão terá também efeitos nos muitos casos, por exemplo do telefone criptografado SKY Ecc na Bélgica e em outros países, é outra questão. Afinal, os elementos de prova obtidos em França nesses casos não foram (sempre) obtidos através de uma Decisão Europeia Internacional e sim com base num acordo JIT.
Por último, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que, em caso de intercepção transfronteiriça de dados de telecomunicações (como no caso em apreço), deve ser enviada uma notificação a todos os países em que a intercepção é efectuada. Esses países podem então indicar se essa interceptação pode ou não ocorrer em seu país.
Conclui-se, pois, segundo o Tribunal de Justiça da União Europeia, esta obrigação implica a proteção não só da soberania nacional dos países, mas também dos direitos de privacidade dos seus nacionais. Por conseguinte, na medida em que a intercepção constitui uma violação da vida privada e também uma violação da obrigação de comunicação, haverá a possibilidade de exclusão de provas.
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