PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião|Suscetibilidades do Barão

PUBLICIDADE

convidado
Por José Renato Nalini

Uma das personalidades mais instigantes na História do Brasil é a do Barão do Rio Branco. Viveu boa parte de sua vida na Europa, em contato com a intelectualidade e a grã-finagem. Voltou ao Brasil a convite de Rodrigues Alves, que o nomeou Ministro das Relações Exteriores.

PUBLICIDADE

Com ele vieram a mulher e a filha, Hortênsia, que aqui esteve, no Rio de Janeiro, até 1909. Ficou noiva de um engenheiro belga, Amedé Hamoir, que chegou a visitar o Rio de Janeiro por ocasião das grandiosas festas realizadas para celebrar o centenário do ato do Príncipe Regente, depois Dom João VI, de abrir os portos brasileiros a todas as nações, o que equivaleu a proclamar a independência econômica do Reino.

O engenheiro Hamoir regressou à Europa e, meses mais tarde, valendo-se da partida da família Maltzan, cujo chefe era Secretário da Legação da Alemanha no Brasil, para lá também embarcou.

Ninguém vinculou a viagem de Hortênsia a qualquer motivo. Passou desapercebidamente no Brasil. Mas em 12 de janeiro de 1909, Rio Branco encaminha a Rodrigo Octávio uma carta em que pedia fosse vê-lo com urgência no Itamarati. Contou, então, que a filha viajara para se casar.

Rio Branco vacilou, hesitou, mas resolveu permitir que ela se consorciasse na Europa. As razões: no Brasil, diante da situação da família da noiva, o casamento precisaria ser um estrondo. Ele sofreria inúmeros aborrecimentos, porque a lista de convidados teria de ser limitada e os irritados com a ausência de convite se tornariam seus inimigos por toda a vida.

Publicidade

O Barão já sofrera tais agruras quando da elaboração de relação dos chamados a comparecer às festas do Itamarati. Observe-se que esse fenômeno é antigo e continua a ocorrer até hoje. Quando se toma conhecimento de que alguém se casou e houve recepção, os não convidados se tornam inimigos – às vezes até cordiais... – dos pais dos noivos. Também é comum que recepções em torno a alguma autoridade ou celebridade tenham seus convites disputados – existe até quem queira “comprar” o convite... – só para usufruir de alguns minutos ao lado de alguém famoso ou poderoso. As “selfies” servirão para mostrar que a pessoa esteve lá e que, portanto, está no rol dos privilegiados que recebem as mais disputadas solicitações de presença.

Outro argumento utilizado por Rio Branco foi o valor da despesa. Mostrou os orçamentos que recebera para a celebração das bodas em Berlim, algo muito razoável, se comparado aos preços do Brasil. O Barão não tinha fortuna. Seus vencimentos eram os de diplomata e sabe-se que, como os juízes, os membros da “carrière” sempre reclamam da frugalidade com que o governo os remunera. O Barão recebera uma pensão em virtude de haver contribuído para o aumento do território nacional, mas o montante dessa verba, traduzida em apólices, ia sendo dilapidado aos poucos, para atender a necessidades imprevistas.

Último argumento: a família do noivo e os amigos da família da noiva, que crescera em Berlim, estavam todos na Europa. Poderiam assistir ao casamento, enquanto no Brasil, só o Barão e sua mulher o assistiriam.

O fato é que Rio Branco pediu a Rodrigo Octávio cuidasse das licenças na Pretoria e no Arcebispado. Isso era impossível. Haveria necessidade de proclamas e isso implicaria em editais no religioso e no civil. Rio Branco não quis saber. Forneceu a Rodrigo nomes, filiação e idade dos noivos. Missão dada, missão a ser cumprida.

Correu a conversar com o registrador civil Corrêa de Menezes, a quem conhecia, que tomou conhecimento e achava a missão religiosa a irrealizável. Mas encontrou na Cúria Monsenhor Amorim, que fora seu professor no Colégio Pedro II. Inteirado do assunto, o sacerdote afirmou: - “Bem você disse que não seria fácil... Mas, menino, o que não é fácil para o Barão nesta terra?”.

Publicidade

Preparou a provisão de casamento na mesma hora. O Barão e Rodrigo figuraram como procuradores junto ao Registro Civil. Na mesma tarde, estavam prontos os documentos. Rodrigo indagou ao oficial o valor dos emolumentos, ao menos das estampilhas. A resposta: - “Para o Barão, nem selo...”. E tudo se completou com o reconhecimento de firma no Tabelião Evaristo. Entregue o pacote ao Barão, ele abraçou Rodrigo e exclamou: “Meu amigo, quando se tem boa vontade, tudo se arranja”.

Eram tempos em que o “sabes com quem estás falando” funcionava. Será que deixou de funcionar no século XXI?

Convidado deste artigo

Foto do autor José Renato Nalini
José Renato Nalinisaiba mais

José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.