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Opinião|Acontece lá, repercute aqui

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Muita gente continua firme no negacionismo. Por que se preocupar com o desmatamento na Amazônia e no Cerrado? Eu moro no sudeste, isso não me afeta. Afeta sim! Se a Amazônia se savanizar, o que está muito próximo, não choverá no sudeste. Sem falar que o agronegócio irá para a cucuia...

Santo Antônio do Matupi, no sul do Amazonas Foto: Gabriela Bilo/Estadão

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Mais perto ainda, o que eu tenho a ver com a invasão dos últimos fragmentos da Mata Atlântica no Extremo Sul da capital, que é responsável pelo abastecimento de água de milhões de pessoas. Tudo a ver. A água escasseia, continua a ser poluída e é a única disponível. Quanto é que se introduz nela, em termos de um elevado teor de substâncias químicas, sempre crescente, diante de comprometimento de sua higidez? Quais as consequências que em breve a saúde dos consumidores suportará, para se servir de uma água que não é mais água?

A responsabilidade pela ocupação de áreas que deveriam permanecer intocadas, incólumes, invulneráveis, é de todos. O Poder Público faz aquilo que é possível. A OIDA – Operação Integrada em Defesa da Água congrega Estado e Município nessa luta. Mas a desproporção entre a força das ocupações e a capacidade estatal de enfrentamento é evidente.

Seria necessário comover toda a sociedade civil e, primeiramente, o empresariado. São Paulo é a cidade das edificações. Brotam prédios em todos os quarteirões. Apartamentos luxuosos, com enorme dimensão, metragem superior à da maioria das casas da classe média. Com quatro vagas na garagem, um verdadeiro acinte à cultura da descarbonização, que é também urgente.

Será que esse empresariado não poderia, espontaneamente, sem provocação do Poder Público, assumir o controle de áreas sensíveis? Se cada grande empresa administrasse um espaço, tornando-o indevassável, apenas reservado à preservação e a turismo, as duas grandes represas não tenderiam a se converter em questões insolúveis.

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A tendência, infelizmente, é essa. É óbvio que a população carente precisa morar em algum lugar que não seja a via pública. Mas existem prédios ociosos no centro urbano, cuja requalificação tarda e é sempre objeto de contínuas promessas, que poderiam servir para residências. Com a vantagem de que esses moradores não precisariam se deslocar de lugares distantes para atingir o local de trabalho. Com redução da carga do trânsito, a maior responsável pela emissão dos gases venenosos causadores do efeito-estufa. Em São Paulo, o transporte urbano é responsável por 61% de todas as emissões de gás carbônico.

Engana-se quem continuar a supor, numa postura irresponsável, de que nada tem a ver com esse problema. É um problema coletivo. Afeta a todos. Quando não se conseguir mais respirar em São Paulo, essa gigantesca conurbação que congrega praticamente metade dos habitantes do Estado, de que adiantará a existência de arrojados edifícios, obras-primas arquitetônicas, se não houver mais oxigênio e água?

Todas as cidades do mundo estão mergulhadas na aflição causada pelas mudanças climáticas. Estas derivam do aquecimento global, gerado pela emissão dos gases venenosos, da produção excessiva de resíduos sólidos e da crescente utilização de energia poluente. Em termos normativos, São Paulo possui todas as regras incidentes sobre as atividades desenvolvidas em seu território. Mas não existe a consciência ecológica generalizada, sem a qual não ocorre a adesão de toda e qualquer pessoa nessa cruzada salvífica.

Apesar do empenho de alguns idealistas, de pequenos grupos que cuidam de reciclagem, que plantam em lugares degradados, que semeiam a cultura da economia de água, energia e de consumo responsável, a imensidão de São Paulo tem urgência de escala. Ninguém pode se sentir alheio a encarar um problema que é de todos, mas que atinge com severidade maior, infelizmente, os mais vulneráveis. Os carentes, os idosos e as crianças.

Interessar-se pela questão climática é um dever cívico de todas as pessoas. Pois todas elas, sem distinção, constituem alvos dos fenômenos extremos que se repetem cada vez mais drásticos, mais trágicos, mais terríveis.

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Acordemos! O que acontece lá, repercute aqui. Vai se refletir – e de maneira dramática – dentro de nossa casa. Não há tempo a perder!

Convidado deste artigo

Foto do autor José Renato Nalini
José Renato Nalinisaiba mais

José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Alex Silva
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