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Brasil voltará a exigir visto dos EUA, Japão, Canadá e Austrália sob o princípio da reciprocidade

Por Victor Del Vecchio e Vitor Bastos Freitas de Almeida
Atualização:
Victor Del Vecchio e Vitor Bastos Freitas de Almeida. Foto: Divulgação

O Brasil deve voltar a exigir vistos para visitantes dos Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália. A medida ainda não foi decretada oficialmente, mas o presidente Lula solicitou ao Ministério das Relações Exteriores que suspenda a dispensa que hoje vigora. Em 2019, o mesmo órgão, sob comando do Chanceler Ernesto Araújo, rompeu com o Princípio da Reciprocidade de tratamento entre Estados, que se aplicava ao caso, uma vez que os quatro países mencionados continuam exigindo visto para visitantes brasileiros.

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A medida pode ser vista como parte do movimento de retomada da tradição diplomática e de relações exteriores brasileiras. Por décadas, o Brasil construiu uma posição de destaque na comunidade internacional, se colocando como potência regional, como ator relevante nos espaços multilaterais, mediando diálogos e promovendo a solução de controvérsias. Não é por acaso que desde 1955 o Brasil é o primeiro país a, anualmente, discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas.

O governo Bolsonaro, porém, rapidamente erodiu essa construção. Antes mesmo da tomada de posse quando, no apagar das luzes do governo Temer, foi anunciada a adesão brasileira ao Pacto Global da ONU para Migração Segura, Ordenada e Regular, o então futuro presidente Bolsonaro já anunciava que o país se retiraria do compromisso. Dito e feito, o primeiro grande ato de governo em matéria de política externa foi esse, guiado pela espetacularização ideológica que poderia ser propagandeada a partir da ação e desconsiderando qualquer racionalidade prática. Vale lembrar que o Brasil, ao se retirar do compromisso, não revogou garantias apenas aos migrantes internacionais que aqui vivem, estimados em 1,5 a 2 milhões de pessoas, mas sobretudo os mais de 4,4 milhões de brasileiros que vivem no exterior[1].

A sequência de ações do itamaraty confirmaram o desmonte que vinha se anunciando, a ponto do próprio Ministro declarar que o cumprimento dos compromissos ideológicos do governo ocorreriam ao arrepio dos interesses comerciais e geopolíticos, ainda que isso fizesse de nós párias, isto é, deslocados e sem relevância, na comunidade internacional.

A política de vistos entra na esteira dessas ações, na medida em que o Princípio da Reciprocidade busca, justamente, não privilegiar tratamento de internacionais sem que correspondência similar seja concedida a brasileiros. Na prática, a dispensa determinada por Bolsonaro, para além de uma quebra de tradição, representa uma concessão sem nada em troca, alinhado com a ideia de curvar os interesses brasileiros aos internacionais.

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O Brasil agora tenta reconquistar o espaço perdido e tem apostado em diversas iniciativas. Notadamente, a agenda ambiental, que reforçou a exclusão nos últimos 4 anos, voltou como cartada forte do atual governo. O fortalecimento de espaços coletivos de diálogo e tomadas de decisão, como a reivindicação do retorno ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, também são uma aposta. Até mesmo uma solução para a Guerra na Ucrânia o Brasil se dispôs a construir.

Ainda, há também as agendas presidenciais - Lula está com viagem marcada no fim de março para a China, nosso maior parceiro comercial, e tem previsão de praticamente uma viagem internacional por mês. Internamente - ainda que sob críticas e pleitos de medidas mais expressivas - o MRE adotou discurso de valorização da diversidade na diplomacia e dos quadros de mulheres, nomeando Maria Laura da Rocha como a primeira Secretária-Geral da história do Itamaraty.

No entanto, cabe observar que o governo Lula encontrará um cenário diferente daquele no qual construiu sua política altiva e ativa nos seus dois primeiros governos. Hoje o mundo está se recuperando de uma pandemia, a maior guerra do século acaba de completar um ano e, superando boa parte das expectativas do impacto que causaria, alterou toda arquitetura de segurança das principais potências mundiais e contribuiu para a alta de preços nos combustíveis e para a escassez de alimentos.

Diante dessa nova configuração, o governo brasileiro tem como desafio a reconstrução das pontes rompidas, e como oportunidade a exploração de parceiros pouco valorizados pela gestão passada. Seguramente, fortalecer laços com o continente africano, recuperar espaços na América Latina e fortalecer os BRICS são estratégias que devem oferecer melhores oportunidades do que a renúncia à reciprocidade com países cujo fluxo de visitantes pouco se altera com a dispensa ou exigência de visto.

A escolha do governo Bolsonaro de ofertar vantagens unilaterais, como foi o caso da dispensa de vistos para Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália, não apenas constrange o país e o povo brasileiro no sistema internacional, ao sinalizar para uma posição de subserviência, mas também demonstra a suposta incapacidade de nossa diplomacia em negociar acordos vantajosos para o Brasil.

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A recém anunciada medida do atual governo em relação aos vistos é um ato pequeno, mas que mostra o tom de soberania e altividade que é recuperado e poderá ser determinante para bons resultados econômicos e políticos do governo Lula.

*Victor Del Vecchio é advogado e mestrando em Direito Internacional pela USP

*Vitor Bastos Freitas de Almeida é  internacionalista e advogado especialista em Direito Internacional

[1] https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/arquivos/14-09_brasileiros-no-exterior.pdf

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