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Opinião|Caso Samara Felippo: é preciso prevenir a violência patrimonial sem culpar as vítimas

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O recente caso divulgado pela atriz Samara Felippo, que trava há anos uma disputa patrimonial com o ex-marido, chamou a atenção da sociedade para a violência patrimonial. Silenciosa e sem deixar marcas fisicamente tão aparentes, esse tipo de agressão está previsto na Lei Maria da Penha e pode resultar em danos profundos não apenas para a vítima direta, mas também para seus familiares, principalmente os filhos. O ideal é atuar sempre no âmbito da prevenção e isso deve ocorrer quando tudo vai bem em um relacionamento ou pelo menos aparenta.

A atriz Samara Felippo Foto: Reprodução/Record TV

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A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) define a violência patrimonial como “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.

É fato que ninguém se casa pensando em se separar, muito menos em levar um golpe ou ser passado para trás. O casamento é o contrato que demanda mais confiança sob o ponto de vista da intimidade. Mas é preciso adotar cautela independentemente das circunstâncias. Não importa o tamanho do patrimônio, dividir a vida e, consequentemente os bens, é dedicar ao relacionamento não só o amor, mas o resultado dos esforços de anos de trabalho – remunerado ou não. Por isso, é importante prestar atenção aos detalhes. E é no romantismo que muitas pessoas acabam se perdendo.

Ainda que o parceiro seja de fato leal, é preciso se precaver de circunstâncias não previstas e mesmo da ação de terceiros. No caso de Samara Felippo, por exemplo, ela tinha um imóvel próprio, adquirido enquanto era solteira, que vendeu para investir com o então marido em uma casa maior para a família. O que ocorreu, segundo o relato da atriz, é que esse novo patrimônio não foi registrado em nome do casal, mas, sim, como se fosse de um irmão de seu cônjuge. Ela não observou essa informação quando foram encaminhados os documentos.

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Percebe-se aí um ponto básico – e não cabe aqui julgar a vítima – mas ler o que se assina é sempre fundamental. Não importa o nível de confiança na pessoa com quem se está firmando o contrato. Até porque pode haver erros sem dolo e, no futuro, eventuais equívocos podem impactar um processo de sucessão, por exemplo. No caso da atriz, ainda que não houvesse ocorrido divórcio, a má surpresa poderia vir em um caso de falecimento, quando ela não teria o bem à sua disposição e de suas filhas como herdeiras.

Mas não são apenas imóveis e bens de alto valor que resultam em casos de violência patrimonial. Também ocorre esse tipo de violência em situações como a retenção de um objeto, como um telefone celular para impedir a comunicação – comum em casos de evidente violência psicológica e possível violência física. A destruição de objetos pessoais e de valor afetivo como fotos, cadernos ou roupas também é um ataque violento ao patrimônio da vítima.

Reter o salário, senhas de banco e utilizar cartões da companheira ou companheiro sem autorização também são formas de abuso. A ocultação do patrimônio é outra prática que pode apontar para a possibilidade de abuso financeiro. Há diversos regimes de bens, mas, especialmente quando há comunhão ou, o mais comum no Brasil, comunhão parcial de bens, tudo que uma das partes amealhar ao longo da união pertence aos dois.

As tentativas de esconder quaisquer bens do cônjuge devem acender o alerta para dificuldades futuras em caso de separação ou até de falecimento. Vale lembrar que, mesmo quando apenas um dos dois tiver contribuído financeiramente, entende-se que há participação de ambos nos ganhos familiares. O mais comum, por questões culturais que ainda predominam, é que muitas vezes as mulheres deixem suas carreiras ou diminuam o ritmo em prol da família, dando o suporte na vida privada a fim de que o companheiro tenha condições plenas de evoluir no aspecto profissional.

Os sinais de violência patrimonial podem ser observados por qualquer uma das partes em diversos tipos de relacionamento. Também é comum que idosos sejam explorados por filhos ou outros cuidadores. O Estatuto da Pessoa Idosa define no artigo 102 que é crime “apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento da pessoa idosa, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade”.

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É fundamental romper o ciclo de violência patrimonial o mais rápido possível, pois esse pode ser o início de uma série de outros tipos de violências. Ou, pior, esse pode ser um sinal de outras agressões que já vêm ocorrendo e uma maneira de impedir que a vítima busque ajuda. Muitas pessoas não conseguem sair de relacionamentos abusivos por justamente se verem sem apoio. Por isso, é fundamental que seja reconhecida a gravidade dessa violência e que a culpabilização da vítima não seja o foco e, sim, a responsabilização do agressor.

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Alan Bousso
Advogado sócio do escritório Cyrillo & Bousso Advocacia e mestre em Direito Civil pela PUC São Paulo. Foto: Arquivo pessoal
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