O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que fiscaliza o Poder Judiciário, decidiu nesta terça-feira, 5, por unanimidade, abrir um processo administrativo para investigar se os desembargadores Silvânio Divino de Alvarenga e Jeová Sardinha, do Tribunal de Justiça de Goiás, cometeram infração disciplinar no julgamento de um processo de assédio sexual, em março.
Silvânio Divino de Alvarenga chamou de “sonsa” a mulher que denunciou ter sofrido assédio e falou em “caça aos homens”. Em outro momento do julgamento, o desembargador Jeová Sardinha disse receber com ceticismo denúncias de assédio sexual, moral, violência de gênero e racismo. As pautas, segundo ele, se tornaram “modismo”.
Antes da decisão do CNJ, o advogado Dyogo Crosara, que representa os desembargadores, pediu que o conselho rejeitasse a abertura do processo disciplinar. Ele argumentou que as declarações foram descontextualizadas e que os magistrados não tiveram a intenção de ofender a vítima.
“Não se pode tentar punir o magistrado dentro de um julgamento, como era aquele”, defendeu. “As declarações não representaram excesso de linguagem.”
O ministro Mauro Campbell Marques, corregedor nacional do Judiciário, defendeu que os magistrados precisam ter “cautela” e “sensibilidade” para lidar com vítimas de assédio. Segundo o ministro, a conduta dos desembargadores “deve ser censurada e a todo custo evitada pelos representantes do Poder Judiciário”.
“Não me convenço de que atribuir a condição de ‘sonsa’ a uma mulher, em qualquer foro, seja algo civilizatório. Igualmente, não entendo que seja modismo falar-se em ‘caça aos homens’”, afirmou Marco Campbell Marques.
“Crenças de gênero, pautadas em simplificações aceitas socialmente, não podem interferir na atividade judiciante, sob pena de influenciar negativamente a forma como as vítimas são ouvidas em juízo assim como a valoração e a credibilidade que se dá à sua narrativa”, seguiu o corregedor.
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ, falou em “machismo estrutural”.
“A sociedade precisa trabalhar para a superação do machismo estrutural que ainda existe na sociedade brasileira, muitas vezes na linguagem, frequentemente nas atitudes, por vezes até mesmo inconsciente, mas nós precisamos mudar esse paradigma e derrotar os estereótipos que prejudicam e dificultam a equidade de gênero.”
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O Conselho Nacional de Justiça tem um protocolo com diretrizes para o julgamento de processos a partir de uma perspectiva de gênero. A conselheira Renata Gil afirmou que os juízes de primeira instância vêm sendo treinados para observar as regras, mas relatou resistência entre os magistrados na segunda instância.
“As gravações são muito emblemáticas desse exemplo contrário de como se trata uma mulher dentro de uma Corte. O segundo grau precisa conhecer o protocolo e aplicá-lo”, defendeu.
A abertura do processo administrativo dá início à investigação sobre a conduta dos desembargadores. Eles terão a oportunidade de apresentar a defesa no CNJ.
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