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Opinião|Como uma decisão judicial pode impactar em todas as operações de M&A do País

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Atualização:
Rodrigo Belon. Foto: Divulgação

O Direito Concorrencial do Brasil foi surpreendido, no começo deste mês, por uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT), com sede em Campinas/SP, que, se mantida, terá impactos diretos sobre as decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e sobre os custos de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) no país.

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A origem do caso foi um processo que envolveu duas empresas produtoras de suco de laranja em Araraquara, no interior de São Paulo. A decisão do TRT/15, a partir de uma Ação Civil Pública (ACP) proposta pelo Ministério Público do Trabalho, determina que o Cade passe a considerar, em suas decisões, o impacto social dos processos de M&A que julgar, em especial no que diz respeito à manutenção ou não de postos de trabalho resultantes dessas operações econômicas.

Nestes termos, o Cade terá que solicitar informações sobre reflexos trabalhistas, como manutenção de postos de trabalhos das empresas em fusão e em que condições, de todas as operações de M&A a ele submetidas. Ainda deverá compartilhar essas informações com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e sindicatos, se solicitado. Ademais, em suas decisões quanto a essas operações, deverá, de maneira fundamentada, considerar essas informações para tutelar os interesses dos empregados das empresas envolvidos na operação.

Ocorre que o Cade é um órgão destinado a zelar pela "prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico" (artigo 1º da Lei nº 12.529/2011). Para que possa desempenhar de maneira efetiva e tempestiva essa tarefa na análise de um caso concreto, balanceando a aplicação dos princípios acima mencionados, a lei antitruste brasileira previu termos que admitem interpretação e modulação, sendo possível considerar demandas sociais e avanços tecnológicos nas análises das operações submetidas.

Ademais, a própria arquitetura institucional do órgão permite que essa atividade de evolução interpretativa e modulação da tutela antitruste seja efetuada - o Cade é formado por um tribunal administrativo colegiado composto por sete membros nomeados pelo Governo Federal e com mandato fixo, e a substituição desses membros permite a oxigenação dos temas à luz das necessidades sociais de momento. Inclusive, já se discute academicamente os efeitos da atividade econômica sobre o mercado de trabalho no Brasil e em outros países, mas até agora as conclusões ainda são incipientes para que se possa caminhar para a adoção de um novo paradigma (abarcando proteção de dados, meio ambiente, regulação, ESG, etc.) que não seja o clássico bem-estar econômico do consumidor (consumer welfare), ainda mais da forma abrupta e superficial como a decisão judicial determinou.

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A questão central nessa discussão é que o Cade, por não ter competência e quiçá expertise para internalizar essa análise, não requisita essas informações, posto que a avaliação destas operações de fusão (chamado de "controle de estruturas") é um procedimento destinado apenas à autorização estatal para sua realização, havendo a determinação de condicionantes, comportamentais ou estruturais (como desinvestimentos), se identificada uma concentração de poder econômica indesejada para aquele mercado específico posterior ao momento em que a operação se desenrolará. Para tutela de direitos trabalhistas, existe o direito do trabalho e toda uma arquitetura institucional própria (sindicatos, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho) para esse debate.

Na prática, se tal decisão vingar, para internalizar um novo paradigma para o qual não foi criado, o Cade precisaria criar metodologia e expertise própria, sem base ou experiência comparada, e tenderia a analisar randomicamente casos, tentando entender como lidar com essas informações, no intuito de emitir alguma diretriz sinalizadora ao mercado. Isso causará grande insegurança jurídica aos agentes de mercado (por não se saber o que apresentar como "custo" ou "eficiência" com relação a esse tema) e o consequente aumento no tempo de processamento dos processos de autorização de ato de concentração. Cabe ressaltar que estamos falando de 670 operações em 2022, no valor equivalente a 1,5 trilhão de reais de movimentação econômica, com cerca de 87,5% sendo aprovados no procedimento sumário de até 30 dias (para ser mais exato, 21 dias)[1].

Esse potencial custo de tempo e principalmente de incerteza jurídica certamente impactará nas projeções, no planejamento e no apetite do mercado e dos investidores, ameaçando a agenda de desenvolvimento econômico projetada pelo governo. O "custo", neste caso, é financeiro direta e indiretamente, trazendo impactos inclusive sobre os próprios trabalhadores os quais se busca tutelar e para a sociedade em geral.

A decisão do TRT/15, se mantida, servirá para trazer mais distorções do que soluções. Ainda que a discussão e o zelo sobre questões sociais, como os postos de trabalho, sejam importantes, principalmente em um país com uma profunda desigualdade socioeconômica, as consequências aqui demonstradas não permitem que isso seja adequadamente feito por outras esferas que não as constitucionalmente competentes. Por isso, é urgente uma reanálise do caso pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), sob pena de entrarmos em um perigoso cenário de insegurança jurídica para os agentes do mercado. Num segundo momento, os danos se darão diretamente à sociedade, já que a reticência dos agentes provavelmente terá impacto sobre o desenvolvimento da economia em inúmeros setores.

[1] Dados retirados do Anuário Cade 2022 - https://indd.adobe.com/view/7ae16908-dc6c-4610-9ec4-4868c3f02f62

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*Rodrigo Belon, sócio de Direito Concorrencial do Cescon Barrieu

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