Estamos vivendo um ano eleitoral e, nesse período, é crucial uma pausa estratégica para analisar com cuidado os limões, as limonadas e a tentativa de plantar um laranjal às custas da ausência (intencional) de participação ativa das mulheres na agenda política.
A pauta feminina é demanda urgente para uma sociedade mais justa e igualitária, conforme previu o legislador. Podemos observar três pilares básicos, que obstam a participação equânime das mulheres na sociedade: dinheiro (financiamento), tempo livre e rede de contatos (influência).
Uma vez reduzida a representação feminina, aumenta-se a necessidade de engajamento da sociedade nas votações e discussões sobre os assuntos pertinentes às mulheres no parlamento e, consequentemente, nos demais espaços de poder.
É fundamental destacar que a sub-representação feminina não deve ser observada apenas pelo número reduzido de mulheres nas cadeiras do legislativo, mas, principalmente, pela rara participação delas nos espaços estratégicos e na influência no jogo de poder, como é o caso da construção da agenda política.
A inclusão de novos sujeitos, historicamente excluídos do processo democrático, é essencial para caracterizar um regime político como verdadeiramente representativo. A democracia não se limita apenas à realização de eleições periódicas, mas também à participação efetiva de todos os cidadãos na vida pública e na tomada de decisões que impactam toda a sociedade.
A promoção da igualdade de gênero na política não apenas fortalece a democracia, também enriquece o debate público ao trazer perspectivas diversas e experiências variadas para a formulação da agenda pública. Isso é crucial para a criação de políticas mais justas, equitativas e eficazes, que não apenas respondam aos desafios de gênero, mas também promovam o desenvolvimento socioeconômico sustentável para toda a população.
O Brasil apresenta um déficit de representatividade de gênero, evidente na mínima participação das mulheres nas esferas de poder, processo decorrente do reflexo da sociedade patriarcal. Nesse contexto de crescente demanda por igualdade e representatividade política, a Lei das Eleições foi modificada pela Lei 12.034/2009, que, dentre outras alterações, apresentou mecanismos para tentar promover maior equidade, com a obrigatoriedade de registro de, pelo menos, 30% de candidatura por gêneros.
A princípio, parecia uma excelente iniciativa para remediar a situação, mas surgiram as candidaturas laranjas para burlar o sistema. Na prática, muitos partidos registram candidaturas femininas apenas para cumprir a legislação, sem fornecer o suporte necessário para campanhas eficazes. Isso resulta em um aumento no número de mulheres candidatas, que não corresponde ao número de eleitas.
É necessário admitir que a ação afirmativa, estabelecida para aumentar a presença de mulheres em cargos eletivos, foi um passo importante na luta pela igualdade de gênero. No entanto, essa medida, por si só, estava longe de garantir uma efetiva representatividade. A principal limitação desta política é que ela assegura apenas o registro das candidaturas, sem garantir que as mulheres efetivamente conquistem os cargos desejados.
Para que as ações afirmativas se traduzam em representatividade de fato, são necessárias medidas complementares. O fornecimento de suporte financeiro adequado, treinamento político e a criação de ambientes que incentivem a participação e a liderança das mulheres, por exemplo, apresentam-se como ferramentas mais eficazes. A implementação de políticas que promovam equilíbrio de gênero deve ser acompanhada por um comprometimento real dos partidos e instituições políticas para garantir que as candidaturas femininas não sejam apenas um cumprimento de formalidades legais, mas uma oportunidade palpável de mudança.
Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou, em maio deste ano, a Súmula 73, que representa um avanço significativo no combate à corrupção eleitoral, quanto às candidaturas laranjas. A súmula estabelece que os partidos políticos que descumprirem as normas de cotas de gênero e apresentarem candidaturas registradas apenas para cumprir exigências legais, sem real intenção de apoio, estarão sujeitos a sanções muito mais rigorosas.
As expectativas para a aplicação da Súmula 73 nas ações relativas às eleições municipais são elevadas. Ao estabelecer uma base legal sólida para a punição de candidaturas laranjas, a jurisprudência busca não apenas punir os infratores, mas também desencorajar outros partidos a adotar práticas semelhantes. Dentre as sanções, estão previstas multas substanciais e a perda de recursos do fundo partidário, além da possibilidade de anulação de candidaturas fraudulentas, contribuindo para uma cultura política mais ética e transparente.
Uma vez reforçadas as penalidades, espera-se que apenas candidaturas legítimas sejam aceitas. É visível mais um esforço para tentar fazer com que a corrupção dê lugar à democracia.
As eleições municipais de 2024 serão uma excelente oportunidade para a Justiça Eleitoral colocar em prática o que o Poder Legislativo estabeleceu como meta para tentar inserir mais mulheres na política e, consequentemente, nos demais espaços de influência.
Enquanto a velha política acredita que é possível burlar o sistema, inscrevendo mulheres que não recebem o menor apoio para concorrer, acreditamos que, aos poucos, esse jogo vai virar e que será cada dia mais difícil passar despercebida a tentativa de fazer limonada com as nossas laranjas.
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