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Opinião|Drogas, bebidas e outros fatores na violência doméstica

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convidado
Por Andre Luis Alves de Melo
Atualização:

O crime na violência doméstica é um fenômeno biopsicossocial complexo, envolve inclusive aspectos genéticos (afinal há estudos científicos que comprovam que alguns homens são geneticamente propensos à violência, conforme gene e cromossomo alterado), o que difere do conceito comum de psicopatia (pois esta é a ausência de remorso, e a maioria dos psicopatas mais inteligentes não são violentos, mas dissimulados).

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É preciso reforçar, por exemplo, a situação de que em quase 90% dos casos de violência doméstica contra mulher tem a bebida alcoólica no início da violência, a qual geralmente inicia com discussão verbal.

Contudo, foi solicitado ao MPF que cobrasse medidas jurídicas da União para que a publicidade das empresas de bebidas alcoólicas contivesse mensagens educativas e preventivas. No entanto, a resposta foi legalista no sentido de que a lei não exige tal medida. Ora, mas no caso dos cigarros também não havia lei, e através de medidas jurídicas, houve luz sobre o problema e posteriormente publicou-se lei sobre o tema.

Outro problema é a socialização dos atos de irresponsabilidade, ou seja, o autor dos crimes não tem pago a conta de despesas do sistema de saúde, embora previsto em lei federal, o que se alega que falta é uma falta de tabela de valores. Ou seja, o Governo não sabe quanto custa um atendimento médico, o que qualquer hospital privado sabe fazer, o Governo não consegue, apesar do número enorme de técnicos e custo, isso decorre da equivocada ideia de Estado grátis, fruto de uma ideologia que ainda prevalece.

Já no caso de violência física contra idosos há muitos casos decorrente do uso de drogas ilícitas (entorpecentes), afinal o dependente químico para de trabalhar e começa a exigir dinheiro de seus ascendentes para comprar droga, e se não dão voluntariamente, o dependente acaba por ser violento. Por isso, importante que o debate sobre despenalização ou descriminalização de uso entorpecente seja muito amplificado, e não apenas com foco no direito individual do dependente. Lado outro, a violência contra ascendentes e descendentes, sem foco no gênero feminino, ainda que eventualmente contra mulher está prevista no art. 129, §9º do CP e não no inciso 13, logo a pena mínima para este delito é de 03 meses e não 01 ano.

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No tocante ao inciso 13 essa distância das ruas (Realidade) e das audiências, pois delegam as audiências de instrução) provoca anacronismos como ao vedar possibilidade de suspensão do processo penal e acordos penais para a área de violência doméstica acabam por aumentar as prescrições, e consequentemente, a impunidade. Paradoxalmente, veda-se a suspensão do processo, mas permite a suspensão da pena. Ou se esquecem que a maioria dos crimes na área de violência doméstica têm pena diminuta e cabem regime aberto, ou seja, pena domiciliar e sem fiscalização por falta de recurso financeiro. Logo, acabam estimulando o mercado de trabalho da defesa em razão do mito da obrigatoriedade da ação penal, no qual é obrigado a processar (para depois alegarem a ladainha de punitivismo; mas não é obrigado a processar?) Todos os países já romperam com o mito da obrigatoriedade da ação penal, menos o Brasil. Praticamente 80% dos processos criminais em violência doméstica prescrevem, principalmente a retroativa, mas isso pouco preocupa as autoridades.

No tocante à violência doméstica os crimes mais comuns são vias de fato, lesões e ameaças. Estes três tipos penais respondem por quase 80% dos crimes. Mas, as penas mínimas para ameaça é 30 dias, para vias de fato é 15 dias e para lesão aumentou recentemente de 3 meses para 01 ano. Apenas para se ter uma ideia do absurdo, se agredir um cão a pena mínima é 02 anos, mas se agredir a esposa a pena mínima é 01 ano. E não adianta aumentar somente pena máxima para fazer politicagem, o que precisa é aumentar é a pena mínima, pois a aplicação inicia do mínimo e tende a ficar próximo do mínimo, pois os critérios da lei são muito restritivos para aumentar, afinal tudo em favor de sua Excelência, o réu.

Para agravar ainda mais a situação de impunidade, ao vedar os acordos penais, acaba por impor necessidade de audiências de instrução, o que pode levar anos, em regra de 03 a 05 anos, se réu solto, mas a defesa fica satisfeita, pois a Promotoria é obrigada a processar, sabendo que irá prescrever. Contudo, a defesa recebe pelo seu trabalho, o que todos já sabem que é a prescrição, e a sociedade paga o custo financeiro das estruturas, sendo que há até súmula de Tribunal impedindo prescrição antecipada, ou falta de interesse de agir, falta de justa causa.

Também apesar do discurso de proteger a vítima há pouco espaço para a mesma se ouvida, uma vez que o meio jurídico tende a achar que apenas processo judicial resolve tudo, afinal é o mercado de seu trabalho. No entanto, experiências com criação de CREAS ou CRAS para atender mulheres vítimas de violência doméstica tem obtido bons resultados. Afinal, há muitos casos em que a mulher quer continuar os relacionamentos alega que o problema é quando o companheiro bebe, ou seja, se excluir a bebida o relacionamento torna-se saudável. No entanto, isso não empolga muito o meio jurídico, pois não vende bebidas, mas sim vende serviço de trabalho em processos judiciais. Quanto mais processos melhor, pois alegam que precisam de mais Varas, mais vagas para trabalho, mais honorários. O que é um desserviço à sociedade, pois todos devem ser remunerados pelo seu trabalho, mas o qual deve ser eficiente e na medida de utilidade real e não estimulada.

Em muitos casos seria mais adequado o uso da doutrina de atipicidade processual (diferente de atipicidade material), a qual atualmente na Europa já vem prevalecendo em relação à atipicidade material, pois são causas supra-legais para como ausência de justa causa para não se ajuizar uma ação e buscar uma solução que atenda melhor à vítima.

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Nos debates sobre violência doméstica ouve-se ONGs que nunca atuaram em um processo criminal sequer de agressão a mulher, mas não se ouve quem realiza centenas e até milhares de audiências criminais por ano. Outro problema é ser muito importante que as Varas Cíveis sejam estimuladas a expedirem Medidas Protetivas de URGÈNCIA (termo que está na lei), uma espécie de Tutela Inibitória, pois a Lei Maria da Penha não tem o termo Medidas de Proteção, como o ECA e o Estatuto do Idoso, e são diferentes, pois as medidas de Proteção são mais duradouras e não tem como uma Vara Criminal que recebe muito mais processos que uma Vara Cível e não pode delegar audiências para órgãos como Centrais de Conciliação, consiga dar fluxo ao trabalho e evitar prescrição.

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Outro grande problema criado foi o legislador definir que Medida Protetiva não depende de processo criminal. Ora, se não tem processo, como provar o alegado pela vítima? Há casos em que a vítima mente, não é a maioria dos casos, mas existe. Recentemente, foi filmado por uma câmera de rua que a vítima simulou uma agressão. Mas, isso no processo criminal. Afinal, Medida Protetiva era cautelar acessória. Agora é autônoma, no entanto se tiver instrução probatória em Medida Protetiva será a falência das Varas Criminais por falta de pauta para audiências. Atualmente, as Varas Criminais estão quase falidas e afogando em prescrições (processo encerra por excesso de prazo, geralmente falta de pauta para audiência, e a Defesa fica feliz, pois como o processo foi ajuizado, eles recebem, independente do resultado). Se processo não for ajuizado, a Defesa não recebe.

No dia 21 de maio foi publicada a 14857/24 dizendo o óbvio que o sigilo de dados do processo é apenas em relação à vítima, para evitar sua exposição, e não em relação ao acusado e a outros dados processuais. Esta lei foi importante, pois os Tribunais estavam dificultando ao acesso a dados e acompanhamento do processo pelos sites até mesmo para as partes e protegendo o acusado. Ou seja, a velha concepção de proteger o réu (garantismo da impunidade).

Por fim, a rede de prevenção ao combate à violência doméstica deve ser valorizada e estruturada, incluindo atores como o SUAS (sistema único de assistência social), para que possam manter também a rede de atendimento psicológico no SUS e até mesmo para tratar o uso imoderado de bebidas alcoólicas e drogas. Afinal, a punição criminal também deve existir, mas focada nos casos graves e com punições rigorosas, e não penas ridículas, as quais funcionam apenas como direito penal simbólico e para doutrinar presos recolhidos por curtos períodos, o que desmoralizar o direito penal.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

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Andre Luis Alves de Melo
Promotor de Justiça em MG, doutor em Processo Penal Constitucional pela PUC SP e associado do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático. Foto: MPD/Divulgação
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