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'Eles são amadores, mas não conheço suicida experiente', afirma procurador da Hashtag

Rafael Brum de Miron, do Ministério Público Federal no Paraná, reforça a preocupação com o terrorismo no Brasil: 'Tinha notícia de firme propósito, embora sem dar data, sem dar local'

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Por Julia Affonso , Mateus Coutinho e Fausto Macedo
Atualização:

Suspeitos de terrorismo chegam ao aeroporto de Brasília. Foto: André Dusek/Estadão

Os riscos de um atentado terrorista no Brasil diminuíram 'sensivelmente', afirma o procurador da República Rafael Brum Miron, da Operação Hashtag, após a prisão dos suspeitos de fazer parte de uma célula do Estado Islâmico no Brasil. Os investigadores monitoraram as conversas dos investigados e descobriram uma possibilidade concreta de atentado durante a Olimpíada do Rio, que começa em menos de 15 dias.

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"Eles são amadores, são. Mas não conheço suicida experiente", afirma o procurador." Eles não têm técnicas muito apuradas, mas para dirigir um caminhão e atropelar 80 pessoas não precisa muita técnica. Essa é a preocupação. Existe a preocupação, neste processo ela é séria, por isso essas pessoas estão presas."

Desde maio, a Hashtag se debruçou sobre mensagens trocadas pelo aplicativo de conversa Telegram e por meio de redes sociais e achou conversas em árabe, inglês e português.

"Tinha notícia de firme propósito, embora sem dar data, sem dar local: 'Sim, eu quero, eu tenho de morrer para ir para o paraíso', coisa desse tipo", afirma o procurador.

A Hashtag prendeu mais de 10 suspeitos amparada na Lei Antiterrorismo.

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"O Brasil permite uma punição de risco ao terrorismo. A legislação brasileira é muito ampla. Existia o risco concreto? Existia. Mas tinha data, lugar, programação? Não, não tem isso. Eu acredito que os riscos, em virtude dessas prisões, diminuíram sensivelmente. Veio a informação do FBI, a polícia monitora mídias abertas e verifica que esses são mais preocupantes", revelou Rafael Brum de Miron.

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

ESTADÃO: Em sua avaliação, os suspeitos eram amadores?

PROCURADOR DA REPÚBLICA RAFAEL BRUM MIRON: Eles são amadores, são. Mas não conheço suicida experiente. Existe efetivamente essa preocupação, ninguém ia ser preso numa prisão temporária por 30 dias - em regra, no Brasil, são 5 dias; para crimes hediondos são 30 dias - se não tivesse essa preocupação efetiva com o risco. Eles são amadores no sentido de que não tem capital, as conversas são só quase por internet. Embora a gente tenha alguns indícios de contato com o Estado Islâmico, a gente não tem tanto. Eles não têm técnicas muito apuradas, para dirigir um caminhão e atropelar 80 pessoas não precisa muita técnica. Essa é a preocupação. Existe a preocupação, neste processo ela é séria, por isso essas pessoas estão presas. Outra coisa está muito relacionado o que a gente não tem nesse caso, pelo menos até os elementos probatórios até agora, não tem projeto exposto claro de atentado. Não tem assim: vamos fazer isso. Tem o que? Tem vários diálogos de troca de ideias, incentivo e a ideia de aproveitar a Olimpíada: "Ah, A Olimpíada é uma oportunidade para ir para o paraíso', coisa nesse sentido. A legislação brasileira de crimes de terrorismo é uma legislação muito rígida. O que eles fizeram, se fosse há seis meses, eu não poderia ter nenhuma repressão. A legislação agora permite que promoção à atividade terrorista ou integrar órgão terrorista como crime. O que significa? Alguém que fez o batismo do Estado Islâmico pode ser denunciado por esse tipo dentro da lei antiterrorismo. Ela permite uma repressão muito séria com um ato menor, digamos assim. Justamente para evitar o risco. Outra, promoção à atividade terrorista. O que dá para entender como promoção? Se eu pegar alguém divulgando ideais terroristas, propagando ideias terroristas, dizendo 'temos que cometer atos assim', incentivando terceiros a fazer isso, eu posso enquadrar dentro da ideia de promoção de ato terrorista. Esse pouca coisa e muita preocupação é um misto disso. A legislação permite que com esses elementos menores que há 6 meses atrás não teria o que fazer, possam ser considerados crimes, então ela acaba possibilitando uma repressão mais efetiva. De fato, eles não são organizados do tipo de ter altas técnicas. Sem dúvida alguma que era uma preocupação. Dizer que não haveria risco de eles cometerem alguma coisa é desqualificar a prisão. Se não tem risco, não tem por que prender. E risco efetivamente existia.

ESTADÃO: Existe a possibilidade de ser oferecida a delação premiada?

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RAFAEL BRUM MIRON: Sempre, sempre existe. Delação está muito relacionada ao que a gente tem e ao que a pessoa pode oferecer. As comunicações deles são eminentemente por telefone ou digital. Os telefones foram todos apreendidos. A polícia já me disse que nenhum deles tinha senha, que eles conseguiram acessar. Tem que ver o que vem e o que a gente vai ter. Embora essa possibilidade sempre exista, é meio precipitado falar nisso.

ESTADÃO: Antes da busca e apreensão e das prisões, como os senhores tiveram acesso ao WhatsApp dos investigados?

RAFAEL BRUM MIRON: O WhatsApp, não teve interceptação do WhatsApp. Eles falaram mídias sociais, mas não teve do WhatsApp. Teve acesso a dados do Telegram, mas eu prefiro não me manifestar a respeito dos métodos utilizados. O que eu posso dizer para questão desse tipo de delito, como existe uma preocupação dos órgãos internacionais, estrangeiros vindo do País, existiu um cuidado maior das operadoras em atender.

ESTADÃO: Houve algum aviso lá de fora?

RAFAEL BRUM MIRON: Sim, sim. Veio do FBI a informação.

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ESTADÃO: Eles estavam sendo monitorados desde quando?

RAFAEL BRUM MIRON: Começou em maio esse processo. Processualmente falando, começou em maio. Se for pegar em maio, tu consegues pegar a caixa de email deles antiga, não tem nenhum ilícito nisto. É tipo fazer uma busca e apreensão num apartamento. Não é só os documentos feitos no dia que eu posso pegar. Os passados também. Tinha diálogos antigos.

ESTADÃO: Como o FBI identificou?

RAFAEL BRUM MIRON: Não sei. Eles manda um relatório sucinto. Tais pessoas merecem investigação, atenção maior.

ESTADÃO: Houve apreensão de mídias, documentos importantes na deflagração da Hashtag?

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RAFAEL BRUM MIRON: Teve muito objeto relacionado à apologia ao Estado Islâmico. As mídias, eu não consegui avaliar. Obviamente é importante apreender mídia. O que existe dentro dela só consigo avaliar com o tempo. Tem que fazer o espelhamento, passar pela análise. A Polícia que está vendo isso. Neste caso, eles disseram que vão dar prioridade e vão analisar as mídias logos por causa da urgência. Como tem prazo para ser cumprido de prisão e a pena é grave, vão dar prioridade. A gente tem prazo de 30, eventualmente, que eu não gostaria de utilizar isso, mais 30 de prisão temporária. Dentro desse prazo eles têm de analisar as mídias.

ESTADÃO: Foi apreendida alguma arma?

RAFAEL BRUM MIRON: Não foi. Aliás, eu sei que não foi a AK. Eu não tenho essa informação, porque nos áudios eles tinham armas. Nada de arma grosso calibre, eram armas 32, .20, coisa relativamente simples. Não sei se foi apreendido, não tenho um relatório completo disso.

ESTADÃO: Os organismos internacionais pediram para acompanhar a investigação?

RAFAEL BRUM MIRON: Não tenho acesso a isso. No processo, não tem esse pedido. Não existe impedimento que seja feito isso via inteligência dos organismos internacionais de combate à corrupção. Não precisa vir nem aos autos disso.

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ESTADÃO: O rastreamento dos investigados levou a algum membro do Estado Islâmico?

RAFAEL BRUM MIRON: Não tinha ligação direta. A gente não tem mensagens deles com o Estado Islâmico. A gente tem pessoas que dizem que tem contato com o Estado Islâmico e demonstram que têm conhecimento que é restrito. Não tenho esse elemento diálogo com o Estado Islâmico. Eu acredito que eles tivessem, sim, por conta de algumas informações ali. Eu acredito que eles tivessem contato, sim.

ESTADÃO: A Hashtag apreendeu literatura sobre explosivos?

RAFAEL BRUM MIRON: Não sei o que foi pego nas buscas, ainda não está no processo. Mas teve mensagens com mecanismo de como construir bomba, coisa assim. Relativamente amador, mas não precisa muito para fazer um estrago.

ESTADÃO: Houve manifestação do Estado Islâmico após a operação ser deflagrada?

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RAFAEL BRUM MIRON: Eu não tenho uma operação para o Estado Islâmico lamentar. O que a gente tinha possibilidade concreta eram pessoas extremistas nacionais com ideia muito forte de Jihad, de Guerra Santa, relatando que teria que aproveitar a Olimpíada. Então, não tem como dizer que veio contato do Estado Islâmico para que realizasse algo aqui. Não tem mesmo nada neste sentido. O que tem é um grupo de nacionais que têm contato com estrangeiros, que não tem como identificar quem são, que querem cometer um atentado. Mas sem dado concreto. Se teve alguma notícia internacional dentro do Estado Islâmico sobre isso, não tenho nenhum elemento neste sentido.

ESTADÃO: Foi quebrado o sigilo bancário dos investigados?

RAFAEL BRUM MIRON: Não. Até o momento não vimos necessidade. São pessoas que têm porte financeiro relativamente baixo, não tem indício de que tenha vindo dinheiro do estrangeiro. Para as coisas mínimas, eles não tinham recursos. Cruzou um e-mail de convocação deles para fazer um grupo no Brasil. Eles queriam participar para fazer treinamento. Ninguém tinha muito dinheiro para ficar sem trabalhar, para ir. Se eu tivesse algum elemento indicativo de financiamento ao terrorismo, que eu não tenho até agora, eu pediria. Confesso que não vejo necessidade até agora.

ESTADÃO: Havia liderança?

RAFAEL BRUM MIRON: Líder, líder,... O que tem é pessoa que fala mais, incentiva mais e pessoa que incentiva menos. A interpretação de líder é um pouco subjetiva. Esse cara que mandou e-mail convocando os outros, ele pode ser considerado alguém mais proeminente, um líder. Tem pessoas mais proeminentes, fundamentalmente duas. Mas eu não posso dizer que eles tenham alguma ascendência de comando sobre os outros até agora.

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ESTADÃO: Existia uma troca de mensagens diárias, semanais em grupo de e-mail, redes sociais?

RAFAEL BRUM MIRON: Tinham de Telegram.

ESTADÃO: Conversavam em que língua?

RAFAEL BRUM MIRON: Tinha um pouco de árabe, tinha conversa que parecia tradução do Google Tradutor para o português, tinha diálogos, não no Telegram, em outras mídias, em inglês.

ESTADÃO: Tem ideia de pedir prorrogação da temporária?

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RAFAEL BRUM MIRON: Eu gostaria de ter todos os elementos para fazer a denúncia antes deste prazo. Aqueles que a gente tem a comprovação e denunciar, a gente vai pedir a prisão preventiva, muda o instituto jurídico.

ESTADÃO: É possível dizer o grau de periculosidade dos investigados?

RAFAEL BRUM MIRON: Não consigo avaliar isso. Risco existia? Risco existia. Uns mais, outros menos, uns mais agressivos. São 12 mais 2. Tem a questão do menor que teve busca e apreensão nele. Tinha notícia de firme propósito, embora sem dar data, sem dar local: 'Sim, eu quero, eu tenho de morrer para ir para o paraíso', coisa desse tipo.

ESTADÃO: O que liga os brasileiros ao Estado Islâmico?

RAFAEL BRUM MIRON: Os propósitos deles. Eles, entre si, divulgavam muito. Eles se uniram, posso concluir assim, por mídias sociais. Começaram a conversa, cria tal grupo, me identifico com aquele grupo, peço para entrar, começo a conversar. Conheceram-se vagarosamente assim. Tem dois ali que se conheceram no presídio, já tiveram antecedentes por homicídio. O que liga eles com Estado Islâmico provavelmente foram as informações que eles foram atrás para poder criar um grupo aqui, para poder se integrar num futuro com o Estado Islâmico lá na Síria. Eles tinham intuito disso, na Síria e no Iraque, tinha comentário disso. É meio quebra-cabeça a coisa. Eles falam um pouco em uma mídia social, migram para a outra mídia social, então, é um pouco complicado. Em uma você tem acesso, na outra você não tem. Tinha umas que eles tinham mais preocupação que outras: 'Esse tipo de informação a gente não pode falar aqui'. Eu acredito, sim, que eles tivessem contato e informações do Estado Islâmico. Tinha, no grupo que eles participavam, outras pessoas. No grupo do Telegram tinham estrangeiros também, dois se não me engano. Até o momento não foi possível identificar. Pelo perfil da conversa, acho que esses dois não eram do Estado Islâmico, não. Mas também tinham conhecimento, vínculos afetivos com o Estado Islâmico, com as ideias do Estado Islâmico.

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