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Opinião | Matrix: o novo chat criptografado e seus reflexos legais

A investigação transfronteiriça sobre o Matrix destaca o papel essencial da cooperação internacional no combate ao crime organizado. A rápida troca de informações entre as forças policiais de diferentes países possibilitou ações mais eficazes

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Por Eduardo Maurício

Recentemente, a Europol conseguiu descriptografar o Matrix, um dos aplicativos mais recentes utilizados por supostos membros do crime organizado. Com servidores em mais de 40 países, especialmente na França e na Alemanha, a operação resultou em diversas prisões preventivas e mandados de busca e apreensão na Espanha e em outros países da União Europeia.

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Em uma análise técnica, a infraestrutura desta plataforma era mais sofisticada do que de serviços anteriores, como Sky-ECC e EncroChat. O acesso ao Matrix dependia de convites enviados por usuários já cadastrados, estabelecendo um filtro rigoroso que aumentava a confiança entre os membros, uma vez que o ingresso na plataforma ocorria exclusivamente por indicação de contatos pessoais.

A operação conjunta foi conduzida por autoridades holandesas e francesas, com o apoio de uma equipe de investigação criada pela Eurojust. Por meio de tecnologias avançadas, foi possível interceptar e descriptografar mais de 2,3 milhões de mensagens ao longo de três meses. Essas mensagens estariam relacionadas a crimes graves, incluindo tráfico internacional de drogas, tráfico de armas, lavagem de dinheiro e outros delitos.

Em 3 de dezembro, as autoridades tomaram medidas para desativar os servidores da plataforma e prender supostos criminosos em quatro países: França, Espanha, Países Baixos e Lituânia. A “invasão” policial foi comunicada aos usuários por meio da página inicial do Matrix. A partir de então, as autoridades policiais passaram a acessar mensagens mediante solicitações legais ao Poder Judiciário.

A investigação transfronteiriça sobre o Matrix destaca o papel essencial da cooperação internacional no combate ao crime organizado. A rápida troca de informações entre as forças policiais de diferentes países possibilitou ações mais eficazes. Em junho de 2024, foi criada uma Força-Tarefa Operacional (OTF) na Europol, composta por membros dos Países Baixos, França, Lituânia, Itália e Espanha, responsável por monitorar as atividades criminosas no Matrix.

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A Europol continuará a prestar assistência em investigações decorrentes das informações obtidas durante a operação, que também resultou na apreensão de valores milionários em dinheiro, criptomoedas, bens móveis e imóveis, dispositivos eletrônicos e outros itens.

O encerramento de plataformas como Sky-ECC, EncroChat, Exclu e Ghost fragmentou ainda mais o cenário das comunicações criptografadas. Criminosos têm migrado para ferramentas personalizadas ou menos conhecidas, que oferecem diferentes graus de segurança e anonimato. Apesar dos desafios impostos à aplicação da lei, o desmantelamento de plataformas estabelecidas demonstra que as autoridades estão atentas às inovações tecnológicas utilizadas no crime.

Importante ressaltar que o uso de mensagens interceptadas na plataforma Matrix traz à tona questões legais que merecem análise criteriosa, especialmente em processos penais. Pontos fundamentais que podem levar à nulidade das provas incluem, por exemplo, a decisão judicial prévia, pois é imprescindível verificar se a interceptação foi autorizada por decisão judicial válida. Caso contrário, haveria violação de direitos fundamentais, como a privacidade, podendo ser aplicada a teoria do fruto da árvore envenenada, que anula provas obtidas de forma ilícita.

Além disso, é necessário avaliar a cadeia de custódia, pois deve-se garantir que as mensagens foram preservadas integralmente, sem manipulação ou adulteração, por meio de procedimentos técnicos, como o uso de hashes digitais, em conformidade com as legislações locais. E isso implica também a identificação dos autores. Isso porque atribuir mensagens a indivíduos específicos requer provas robustas, como geolocalização ou perícias de reconhecimento de voz, para evitar erros na identificação dos responsáveis.

E para garantir que as provas sigam o legítimo caminho processual é necessária a cooperação internacional para o compartilhamento de provas entre países. que deve seguir os canais formais e as leis aplicáveis para evitar questionamentos sobre a legalidade das ações. E essas provas devem ser integras, com a realização de verificações técnicas independentes para confirmar que as provas correspondem aos dados originais apreendidos e que sua integridade foi mantida. E também as condições técnicas dos dispositivos interceptados devem ser verificadas para garantir que estavam sob o controle dos suspeitos identificados.

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Portanto, a definição sobre a validade das provas obtidas no Matrix exige um posicionamento célere e técnico do Tribunal Europeu, garantindo uniformidade nas decisões e evitando tumultos processuais. É essencial equilibrar o combate ao crime organizado com a proteção de garantias fundamentais, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Assim, busca-se assegurar que o Judiciário atue de forma justa e alinhada à busca pela verdade real dos fatos, sem comprometer os direitos dos acusados.

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Eduardo Maurício
Advogado no Brasil, em Portugal, na Hungria e na Espanha. Doutorando em Direito – Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema penal y criminologia), pela Universidad D Salamanca – Espanha. Mestre em direito – ciências jurídico criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas. Pós-graduado em Direito penal econômico europeu; em Direito das Contraordenações e; em Direito Penal e Compliance, todas pela Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia. Pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal. Pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –em formação para intermediários de futebol. Mentor em Habeas Corpus. Presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim). Foto: Arquivo pessoal
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