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Opinião|Morrer em Paris

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convidado
Por José Renato Nalini

Os brasileiros sempre tiveram fascinação por Paris. O francês era o segundo idioma obrigatório para as boas famílias. Passar temporadas na França era rotina para os que se podiam dar ao luxo e o sonho quase impossível para os demais.

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Viver em Paris! Eterna festa! A Cidade Luz, o centro da elegância e do bom gosto. A cozinha excepcional, as centenas de queijos, os brioches, o Fauchon, as grandes marcas: Hermés, Lacoste, Givenchy, Jean Patou, haja repertório para se lembrar de tudo. As artes, a Opera, o Louvre, o “Jeu de Pomme”... Tudo na França atrai e seduz.

Mas, além de viver em Paris, houve quem morresse lá. Dom Pedro II morreu no Hotel Bedford, pouco depois de ter sido expulso de sua pátria. Outros, menos famosos, cometeram a mesma façanha.

Guimarães Passos era um poeta alagoano. Perdeu sua noiva e se entregou ao álcool. Enfrentou miséria, mas depois teve um momento de prosperidade. Casou-se com uma filha do Barão de Mamanguape, Senador do Império por sua província. Foi-lhe fornecida uma vida boa. Empregos que não exigiam trabalho. Excelente casa, vida farta.

Só que fica viúvo muito cedo. Em seguida, falecem-lhe os sogros. Guimarães Passos retorna à vida desregrada. Do seu grupo boêmio, era o mais intemperante, o mais desorganizado, o mais extravagante.

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Chegou ao ponto de não ter onde dormir. Ficava andando a noite toda pela cidade. No caso, o Rio de Janeiro.

A bebida atuou e toldou-lhe a consciência. Passou a dormir no Passeio Público. Só que às vezes, ia tão tarde em direção ao parque municipal, que os portões já estavam fechados. Sem tino, ia segurando as grades e percorrendo todo o perímetro do Passeio. Ia e voltava, voltava e ia. Quando um guarda municipal indagou-lhe o que estava fazendo, respondeu, imperturbável: “Pois não vê? - e dedilhando as grades do parque, concluiu - “estou tocando harpa!”.

Essa vida sem regras arruinou-lhe, irremediavelmente, a saúde. Foi aconselhado a deixar a vida agitada da Corte. Fosse para um lugar mais tranquilo. De fato, viajou a Belo Horizonte, onde permaneceu durante poucos dias. Retornou ao Rio e, não se sabe como, conseguiu recursos para viajar à Ilha da Madeira.

Não se curou, não se melhorou e, com seus últimos centavos, foi para Paris. Sabia que muitos brasileiros também tomavam esse destino e, como eram abonados, talvez fosse mais fácil obter deles guarida e abrigo.

Chegou a Paris uma noite, ardendo em febre e sem dinheiro. Ficou na Gare du Nord, exausto e faminto. Sentou-se sobre suas malas e adormeceu. Por coincidência - ou para sorte sua - foi reconhecido por um patrício, J.A. de Magalhães Castro. Conhecia o poeta apenas de vista, mas se condoeu de sua situação.

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Apreendeu de imediato a real situação do brasileiro. Levou-o a um hospital, onde o poeta do “Lenço” - “pando, enfumado, côncavo de beijos” - viveu sua derradeira meia dúzia de dias. Morto, foi ainda a caridade do brasileiro Magalhães Castro que lhe deu sepultura. No mesmo Cemitério onde, anos antes, dera entrada para repouso eterno o também poeta Raimundo Corrêa.

Não fora a Providência e a generosidade do eminente brasileiro e o encontro do poeta moribundo teria sido operação rotineira da polícia francesa. Seu destino teria sido o “Hotel de Dieu”, a morgue, a cremação anônima.

Morrer é o destino inevitável de todos os vivos. Haverá quem se conforte pensando que a chegada da ceifadeira dos corpos ocorrerá em Paris? Talvez haja. Até porque, para a imensa maioria das pessoas, a morte é algo que acontece com os outros, não com a gente.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo de Mudanças Climáticas de São Paulo
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