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Opinião | Morrer sem susto

As ondas de calor, as ilhas de calor, as bolhas de calor, são assassinas cruéis e silenciosas. Abreviam a existência que a medicina, a ciência e a tecnologia prolongaram de forma a acrescer muitos anos à nossa longevidade. Embora sabendo disso, continuamos infiéis ao que deveria ser nossa conduta ecológica

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convidado
Por José Renato Nalini
Atualização:

A espécie humana sabe que nasceu para morrer. Assim que se nasce, tem início a contagem regressiva para o encontro final. Para o retorno à verdadeira vida, crença de quem tem fé. Para o nada, convicção dos agnósticos ou ateus. Seja como for, não há escapatória. Sem data marcada, a não ser que se adote o mistério do suicídio, o dia chegará. Enquanto isso, cumpre viver da melhor forma possível.

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Se a finitude é a única certeza inquestionável, como explicar a insensatez de quem, simultaneamente à proclamação de apego à vida, contribui para que ela acabe logo? É o que a maior parte da humanidade faz, no tema das emergências climáticas.

A ciência já se cansou de advertir: é a ação humana que provoca fenômenos extremos. O excesso de emissão de gases venenosos, causadores do efeito-estufa, provoca o aquecimento global. Este existe e descontrola a atmosfera.

As ondas de calor, as ilhas de calor, as bolhas de calor, são assassinas cruéis e silenciosas. Abreviam a existência que a medicina, a ciência e a tecnologia prolongaram de forma a acrescer muitos anos à nossa longevidade. Embora sabendo disso, continuamos infiéis ao que deveria ser nossa conduta ecológica.

Quem não se angustia diante da postura dessa legenda chamada Carlos Nobre? O climatologista está apavorado. Para ele, a crise climática surpreendeu os cientistas e se intensificou de maneira muito superior às mais pessimistas das expectativas.

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Quando o Brasil ardia em chamas em setembro último, com mais de cinco mil focos de incêndio, ele proclamou que todos os biomas brasileiros estavam severamente ameaçados e, por incrível que possa parecer, a zona mais úmida do planeta, o nosso Pantanal, poderá deixar de existir dentro em pouco.

Ele foi entrevistado por Roberta Jansen, neste Estadão, e mostrou o seu desalento. A emergência climática enfrentada no Brasil nunca assumiu essas proporções. A temperatura é a maior do que nos cem mil anos anteriores. E isso no mundo inteiro. Incêndios no Canadá, nos Estados Unidos, na Europa, além deste nosso infeliz território, onde criminosos atearam fogo em plantações, em florestas e em todos os lugares. Qual o propósito desses exterminadores do amanhã?

Quem diria que a São Paulo da garoa atingiria índices de poluição que a fizeram ser considerada a pior cidade do mundo, a mais poluída, a mais perigosa para a saúde?

É claro que sobrevivem os negacionistas. O fanatismo é doença incurável. Tenho experimentado, bem perto de mim, o que significa defender o indefensável com entusiasmo e garra inexistentes para iniciativas de salvação do mundo. Se o fervor dos fanáticos fosse direcionado para o bem, ainda haveria esperança de salvação. Mas eles ficam circunscritos ao cercadinho da mediocridade, da idolatria a quase-monstros ou humanoides que bem podem ilustrar a tese de que o projeto humano foi um verdadeiro fracasso.

Tudo contribui para que a morte navegue de braçada, enquanto a vida luta entre agonia e UTI. Na capital paulistana, onde quase treze milhões tentam viver, há mais de oito milhões de veículos circulando com emissão de gás carbônico e outros venenos. A produção de resíduos sólidos é algo inacreditável. O descarte de coisas úteis, que merecem reaproveitamento, evidencia o iletramento ambiental da população. O desperdício de comida é algo também lastimável.

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Tudo isso emite os gases que aceleram o aquecimento global. Os cientistas lamentam hoje terem sido tão discretos, tão tímidos, tão conservadores. A coisa está muito pior do que se poderia esperar. E, o que deveria causar choro e ranger de dentes, as providências estão muito aquém do necessário. Não para reverter a situação, que é irreversível. Mas ao menos para adaptar as cidades, de tal forma que não haja mais mortes em razão dos desastres provocados pela insânia e ignorância humana.

Sim. Não há desastres naturais. Eles são causados por todos nós. Talvez não exista alguém que se conduza de maneira tão correta, tão saudável, tão absolutamente ética em relação à natureza, que não seja um colaborador no projeto de efetiva extinção da humanidade, ora em pleno curso.

Pessoas que enxergam a realidade, como Carlos Nobre, devem sofrer mais do que os outros. O triste é que não haverá salvação. Todos estamos na mesma nau sem rumo, chamada Terra e não há qualquer outro planeta que nos possa acolher. Prossigamos nessa marcha e chegaremos, sim, à morte da humanidade. Calmamente, sem susto algum, pois sempre nos portamos como se as catástrofes climáticas não nos dissessem respeito.

Convidado deste artigo

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão
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