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Mudança na Lei de Improbidade Administrativa freou excesso em condenações

Por André Santos Silva
Atualização:
André Santos Silva. Foto: Divulgação

Na próxima sexta-feira, 2 de junho, a Lei de Improbidade Administrativa completa 31 anos. Ela nasceu em 1992 com o propósito de dar efetividade ao princípio constitucional da moralidade pública. Apesar dos pulcros propósitos da norma, a LIA passou a ser aplicada em condenações exageradas, mesmo que diante de atos minimamente reprováveis. As alterações na lei, implementadas em 2021, vieram, portanto, como uma forma de frear excessos e disparidades nas condenações por improbidade administrativa.

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Em alguns casos de condenações havia a inobservância de certa formalidade por parte do agente público ou de descuido em condutas rotineiras. Antes da reforma, por exemplo, até retardar ato oficioso caracterizava improbidade. As ações para questionar tais atos culminavam em pesadíssimas sanções, com repercussão até na esfera dos direitos políticos, causando inelegibilidade a partir do julgamento em segunda instância, em decorrência da lei da ficha limpa (LC nº 135, de 2010).

É preciso destacar que a redação original do parágrafo único, do art. 12 da lei, já determinava a observância dos princípios da proporcionalidade e individualização na aplicação das sanções, levando em conta extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Mas, na prática, o dispositivo vinha sendo ineficaz e quase "letra morta". Uma condenação por improbidade, até antes da reforma, acabava por impor um selo de "corrupto" no acusado, igualando agentes públicos inábeis ou que não se deram conta de alguma formalidade no exercício de sua função, sem repercussão negativa nos cofres públicos ou na vida da sociedade, com os agentes públicos verdadeiramente imorais, que, conscientemente, isto é, com dolo, praticavam atos que causam prejuízo ao erário para enriquecer ilicitamente (estes, sim, merecedores da pública palmatória). O saldo da reforma foi positivo para barrar exageros nas condenações e, em linguagem bem simples, "separar o joio do trigo", somente caracterizando improbidade passível das pesadas sanções as condutas graves e dolosas, como deve ser. Com relação à liminar concedida no fim de 2022 pelo ministro Alexandre de Moraes, na ADIn nº 7.236/DF, que suspendeu parte dos dispositivos da lei nova, a questão envolve, em um primeiro momento, o fato de se possibilitar a suspensão de dispositivos de lei aprovada regularmente no Congresso por decisão monocrática. Mas não há problema porque o Supremo sempre fez esse controle constitucional das normas.

Muito embora tenha a liminar do ministro suspendido alguns dispositivos da lei nova, o fato é que, e este é lado positivo, manteve outros tantos introduzidos na reforma, reforçando o Supremo, com isso, a necessidade de se proceder a uma certa mitigação do que anteriormente se continha no texto da antiga LIA e nas condenações dele derivadas. A propósito, a decisão do ministro Alexandre de Moraes muito bem esclareceu, citando o Tema 1199 da Repercussão Geral, que pontos fulcrais da reforma tiveram a constitucionalidade revigorada pelo Supremo. Dentre eles, (i) a necessidade de indicação e prova do dolo para a condenação em qualquer hipótese (arts. 9º, 10 e 11), revogando improbidade culposa que já era muito criticada na doutrina, e (ii) a retroatividade da nova lei aos casos ainda não transitados em julgado.

Também foi suspensa, na liminar do STF, a eficácia do artigo 21, parágrafo 4º, da lei reformada. O dispositivo prevê que a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação por improbidade.

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É preciso fazer uma avaliação. O rigor e cuidado que norteiam a condução do processo criminal devem, logo, pautar a condução da ação de improbidade, por esta ter o potencial de restringir direitos fundamentais do acusado (a partir da aplicação da sanção). Se, para condenar criminalmente, o juiz necessita ter certeza - obviamente que analisando o conjunto probatório - da autoria e da materialidade, para condenar o acusado em ação de improbidade é justo se exigir o mesmo rigor ético-jurídico na análise dos fatos e provas. Daí, havendo absolvição na esfera criminal, seja por ausência de autoria ou de materialidade (inocorrência do fato), deve ocorrer, automaticamente, a extinção da ação de improbidade calcada nos mesmos fatos, ou o impedimento de sua propositura. Esta situação, aliás, a liminar entende ser correta, fincada em históricos precedentes da Corte. Cuida-se, de mais a mais, da adoção de regras já estabelecidas no ordenamento que impõem certo diálogo entre os processos criminais e cíveis.

No entanto, a liminar deixa em aberto a possibilidade de perpetuação da jurisdição da improbidade no caso de absolvição por ausência de provas. Respeitado o entendimento exposto na decisão, não faz sentido lógico-jurídico um agente público ou político ser absolvido do crime de fraudar licitação por ausência de provas, fazendo o uso de um exemplo para facilitar a compreensão, e ser condenado em ação de improbidade pelo mesmo fato.

Nesse contexto de um balanço geral, é preciso destacar que o objetivo do legislador - de barrar os exageros na caracterização do ato de improbidade, inclusive para os casos pendentes na Justiça - foi atingido, já com o aval do Supremo. A respeitosa crítica que se faz à suspensão de alguns dispositivos tem a intenção de gerar e aprimorar o debate no Brasil, ainda quando não há decisão definitiva no Supremo sobre o assunto.

O Supremo Tribunal Federal, sempre muito atento a essas questões, e que nessa liminar já deu seu aval a grande parte das alterações trazidas com a nova lei, há de decidir adequadamente o tema, à luz dos propósitos do legislador.

*André Santos Silva, advogado do escritório Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia, formado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em Direito do Estado pela PUC/SP

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