“Criança: ama com fé e orgulho, a terra em que nasceste. Não verás país algum como este”.
O poeta quis enaltecer o solo natal e fazê-lo reverenciado desde a primeira infância. O nacionalismo é um valor permanente na consciência humana. Mas, como dizem os gregos, “nada em excesso”. Ele pode legitimar o que é ilegítimo: separar pessoas, gerar xenofobia, semear discórdia e crueldade.
Há belos textos sobre Nação. Um deles é de Ernest Renan, para quem - citando de memória, sem fidelidade escorreita - nação é um sentimento que une as pessoas. A alma dos antepassados, a visão dos que ainda vão nascer, a vontade férrea de permanecer juntos.
O Brasil sempre se ressentiu de falta de nacionalismo, confundido com patriotismo, o que é mais um dado cultural a merecer reflexão. Na verdade, um dado da falta de cultura, quando considerada sob o enfoque da educação de qualidade.
Houve períodos de exaltação nativista, que justificaram movimentos de rebelião contra a Coroa, do qual o mais icônico é a Inconfidência Mineira. Sobraram germes de malquerença, congelados durante a colônia, ressurgidos na fase da independência e preservados depois dela.
À época em que Pedro I lançou o “grito do Ipiranga”, havia franca hostilidade brasileira aos portugueses. Preponderava a tese de que Portugal só se aproveitara do Brasil, levando daqui tudo o que pudesse sustentar o luxo carola de Lisboa. Impedindo o brasileiro de se educar. Tanto que as Universidades das colônias espanholas na América existem desde o século XVI e nossa primeira Universidade é do século XX.
Atribui-se a permanência do sentimento nativista à versatilidade do primeiro Imperador, português de nascimento, incapaz de orientar seu governo rumo à mais adequada e racional nacionalização do Estado.
O inesperado na gestão pública, algo que sobrevive até hoje, as bruscas orientações - e mais, as constantes desorientações - do governo, deram sustento e vitaminaram o antagonismo.
O fenômeno perdurou. Ressuscita a cada fato que permite a exumação dos velhos sentimentos nativistas.
É recente a crítica destinada a Portugal, que não facilita a permanência de brasileiros em seu solo, nada obstante o estatuto da dupla nacionalidade viger e constar do ordenamento fundante.
A restrição ao exercício profissional de dentistas, pois a nossa formação é incomparavelmente superior à dos lusos, é um exemplo de preservação de um nativismo rancoroso. Os maus-tratos noticiados por patrícios que viajam pelo país do Tejo são frequentes. Mas também não faltam as carícias mútuas. “Ir a Portugal é voltar à casa da avó”, ouve-se bastante.
Quando a chefia do governo é entregue a alguém que prestigia as relações internacionais e sabe que o Brasil precisa de capital estrangeiro, tudo parece mais propício a abrir portas. Quando o fundamentalismo se instala, tudo é motivo para resistir a aproximações.
Talvez a humanidade esteja a precisar de novos choques. Não aqueles que evidenciam os quistos de ira e violência geradores de lutas fratricidas entre israelenses e palestinos, ucranianos e russos, ainda ausente perspectiva de conciliação de interesses e proposta de vida harmônica. Mas os choques advindos do maior perigo a que a humanidade está exposta: as mudanças climáticas.
Os fenômenos extremos se intensificam. Só que vão se tornar ainda mais violentos. Será que com a perda de vidas, o desaparecimento de espécies, a submersão de ilhas povoadas, o aumento do nível do mar com a provável eliminação de cidades litorâneas não fará o homem ter juízo?
A tecnologia da informação e da comunicação tornou o planeta, para os providos de discernimento, aparentar aquilo que ele realmente é: uma frágil esfera de reduzidíssimas dimensões perante o cosmos. Integrante de uma galáxia inferior, diante da imensidão do universo. Ainda assim, o único espaço que nos permite viver, buscar nossos sonhos, experimentar nossas vitórias e nossos fracassos.
Cotejar a insignificância do que no fundo somos, com a petulância de nossas ambições, talvez possa mostrar que nacionalismo e outros “ismos” são tolices que nos impedem de implementar o convívio justo, solidário e harmônico, tão reiterado e tão desrespeitado em nossos documentos formais. Os mesmos que chamamos fundantes e essenciais à obtenção do Estado de direito de índole democrática, opção que escolhemos para nós.
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