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Opinião|O papel da sustentabilidade na análise do Cade

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Atualização:
Maria Eugênia Novis e Erica Sumie Yamashita. Fotos: Divulgação  

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) debateu, recentemente, aspectos a serem considerados na análise antitruste de acordos entre concorrentes firmados para gerar ganhos de sustentabilidade ambiental, econômica ou social (as iniciativas de ESG).

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A discussão, que vem sendo travada há alguns anos entre autoridades de defesa da concorrência de diversos países, ainda não é pacífica. A Comissão Europeia, por exemplo, publicou recentemente guidelines que permitem a cooperação entre concorrentes voltada a objetivos ESG, desde que certas condições sejam atingidas - entre elas, que os benefícios coletivos obtidos superem os prejuízos decorrentes da restrição à concorrência.

As autoridades da Áustria e da Holanda já haviam estabelecido a imunidade antitruste para acordos de sustentabilidade com base no balanço entre benefícios de sustentabilidade e efeitos anticompetitivos. Na Holanda, essa imunidade permitiu o acordo entre certos fabricantes de bebidas e redes de supermercado para cessar o uso de suportes de plástico em packs de bebidas e o boicote de centros de jardinagem a fornecedores que fazem uso ilegal de pesticidas.

Já nos Estados Unidos, as autoridades antitruste federais (o Department of Justice e o Federal Trade Commission) não têm indicado que haverá qualquer tratamento diferenciado às iniciativas de ESG, enquanto a posição de membros da ala republicana do Congresso é de que as ações coordenadas entre concorrentes para pautas ESG podem representar violação às leis concorrenciais.

Manifestações nesse sentido tendem a desestimular iniciativas de sustentabilidade, como ocorreu com a saída de diversas seguradoras da Net-Zero Insurance Alliance, uma aliança apoiada pelas Nações Unidas para incentivar a redução de emissão de carbono. A pressão política norte-americana foi um dos fatores citados para justificar a saída.

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No Brasil, o tema foi debatido em junho pelo Tribunal do Cade, ao analisar a constituição de uma joint-venture para a criação e operação de uma plataforma que facilitasse a padronização e gestão de dados de medição de sustentabilidade em diferentes segmentos da cadeia global de suprimentos alimentícios e agrícolas. A transação envolvia concorrentes que atuam globalmente na comercialização de commodities agrícolas.

Na sessão de julgamento, os membros do Tribunal do Cade iniciaram um debate sobre como ponderar iniciativas ESG que gerem benefícios de sustentabilidade com potenciais riscos à concorrência associados a conluios entre concorrentes.

Embora esses riscos não estivessem presentes na operação sob análise, alguns conselheiros destacaram que o papel do Cade é a proteção da concorrência e que introduzir temas como ESG poderia implicar em expansão indevida de sua competência, ou defenderam que a agenda ESG, ainda que relevante, deve ser tratada em outras esferas e não influenciar a análise técnica e objetiva do Cade. Por outro lado, alguns conselheiros ressaltaram a importância de o Cade estabelecer diretrizes orientativas para colaborações entre concorrentes sobre iniciativas ESG.

Cada vez é mais importante, portanto, que as empresas passem a considerar também os riscos concorrenciais na estruturação de suas iniciativas ESG. Essas iniciativas certamente continuarão a ser um dos principais temas das pautas globais e, embora haja um esforço das autoridades ao redor do mundo para delimitar quando as iniciativas ESG infringem ou não a legislação concorrencial, as diferentes abordagens dadas ao tema nas diversas jurisdições - e o debate ainda incipiente no Cade - causam muita incerteza jurídica, demandando uma cuidadosa avaliação por parte dos envolvidos.

*Maria Eugênia Novis e Erica Sumie Yamashita são, respectivamente, sócia e advogada sênior da área de Concorrencial do Machado Meyer Advogados

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