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'O que precisa? Ele me dar um tiro? Tenho medo', diz ex de promotor que violou 101 vezes medidas protetivas

Fernanda Barbieri relata em entrevista ao Estadão o drama que vive com sua filha de seis anos, com medo do ex-marido, o promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná, Bruno Vagaes; ela denuncia ?omissão? do próprio MP

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Foto do author Pepita Ortega
Por Pepita Ortega , Tamara Nassif , Gabriela Pereira e especiais para o Estado
Atualização:
Segundo Fernanda Barbieri, o ex-marido Bruno Vagaes fez um 'altar' com uma foto do casamento quando saiu de casa. Foto: Acervo pessoal

Quando decidiu romper o silêncio sobre as violências que atribui ao ex-marido - o promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná, Bruno Vagaes -, Fernanda Barbieri não esperava enfrentar longa batalha na Justiça. Ela diz se sentir constantemente ameaçada, temendo por sua vida e de sua filha de seis anos e critica o que considera 'omissão' do sistema de justiça, em especial do próprio MP. "Eu não tenho dúvida que o risco de me tornar vítima de feminicídio está alto", afirmou ao Estadão. "Chegou a ser falado que eu teria que ter corrido 'risco real de vida', tipo estar no Hospital. Algo na linha de 'estou com tantos pontos, não morri por pouco'. Aí poderiam fazer alguma coisa".

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Em entrevista ao Estadão, Fernanda Barbieri, servidora pública da União, relata ser vítima de agressões físicas, verbais, psicológicas e sexuais há mais de seis anos. Ela abriu um primeiro boletim de ocorrência contra o então marido em 2019. De lá para cá, Bruno Vagaes, de 40 anos, descumpriu as medidas protetivas concedidas pela Justiça 101 vezes - as duas últimas vezes em fevereiro deste ano, informam as advogadas Bianca Alves e Isabelle Faria, que representam Fernanda.

O promotor já foi condenado por importunação sexual a três anos e seis meses de reclusão. Além disso, pegou sete meses e 23 dias de detenção por violação à Lei Maria da Penha - descumprimento de medidas protetivas. No bojo do processo, um psiquiatra atestou que Bruno tem 'sinais de transtorno bipolar' e 'transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool'.

Ele ainda é alvo de outra denúncia por supostamente tentar alterar provas do caso e de uma apuração preliminar sobre descumprimento das protetivas. Na esfera administrativa, foi alvo de duas punições e é investigado em um outro procedimento disciplinar. Mesmo assim, segue exercendo suas funções na Promotoria de Justiça em Ibiporã - pequeno município com cerca de 55 mil habitantes a 400 km de Curitiba - recebendo um salário bruto de R$ 33 mil.

Durante a tramitação do processo criminal em que foi sentenciado, Bruno ficou em prisão domiciliar por três meses - a qual também descumpriu, segundo sua ex-mulher. No período, chegou a tirar 30 dias de férias do trabalho. Depois, a Justiça concluiu que Bruno é 'rebelde e indisciplinado', mas entendeu que as medidas já haviam feito com que o promotor 'percebesse o quão censurável' é seu comportamento. Na ocasião, foi ressalvado que qualquer importunação a Fernanda implicaria em uma nova prisão de Bruno.

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Fernanda diz que não só busca romper de vez um ciclo de violência doméstica, mas também luta com o que considera violência institucional. Em sua avaliação o Ministério Público foi 'omisso' em seu caso, 'corporativista', buscando proteger a instituição e não a ela, vítima. "As pessoas pensam: 'nossa, ele é promotor e não aconteceu nada, imagina se eu faço algo, eles jamais fariam alguma coisa'. Passou essa imagem de que denunciar não vale a pena", queixa-se.

Fernanda chegou a denunciar a suposta violência institucional ao Conselho Nacional do Ministério Público, em julho do ano passado, mas, segundo ela, o procedimento está suspenso. Enquanto isso, Fernanda chegou até a receber proposta para que os mais recentes descumprimentos de medidas protetivas sejam analisados pelo núcleo de autocomposição do MPPR, uma espécie de 'tentativa consensual de resolução de conflitos' que poderia colocar os dois frente a frente.

Em nota, o Ministério Público do Paraná afirmou que acompanha a situação e que em razão do sigilo do caso não divulgará detalhes (leia a íntegra ao final da reportagem). A defesa de Bruno Vagaes disse que não vai se manifestar porque os processos que miram o promotor estão sob segredo de justiça.

Leia o desabafo de Fernanda Barbieri ao Estadão:

ESTADÃO: Em que momento você decidiu denunciar a violência que sofria?

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FERNANDA BARBIERI : Nós tivemos um relacionamento longo. Começamos a namorar em 2005, casamos em 2011, e desde aquela época eu sabia que existiam essas crises. As pessoas me perguntam "ah, mas você não percebia?". Claro que sim. Depois do casamento, ele teve algumas crises mais fortes, mas eu tinha a impressão que eu controlava. Eu falava que ia terminar se ele não fizesse um tratamento. Mas eram crises banais de não achar o controle do carro, por exemplo. Quando a nossa filha nasceu, em 2017, eu enxerguei a gravidade da situação. Eu vi que as crises colocavam nossa filha em risco. Eram 'brincadeiras' de tirar o volante do carro e falar 'todo mundo vai morrer', colocar uma faca na minha barriga falando 'eu vou te matar', colocar a nossa filha na grade de proteção falando que ela ia cair, coisas assim que começaram a mostrar que a coisa estava saindo do controle. Era muito grave.

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Até que aconteceu um fato, que até levou ele a ser condenado, que foi quando eu estava dirigindo e ele, bêbado, deu carona para um amigo. Estávamos nós três no carro e nossa filha, que tinha 2 anos na época. Ele ficava tentando tirar o volante da minha mão e conseguiu, quase morremos em uma rodovia. Depois, tentou tirar minha roupa no carro, colocava a mão nas minhas partes íntimas, e eu mandando ele parar. O amigo dele até perguntou se nós queríamos sexo em grupo. Foi uma situação extremamente constrangedora e perigosa, com a nossa filha junto. Aí eu vi que a situação tomou uma dimensão que não tinha mais como exigir um tratamento dele. Inclusive, tinha até um tratamento psiquiátrico marcado para janeiro de 2020. Isso foi em outubro de 2019.

Muita bebida e muita crise, que colocava todo mundo em risco, e ainda a minha filha presenciando essas crises. Ela começou a ter crises na escola. Era uma situação terrível, e foi aí que a minha família se reuniu e falou que eu tinha que fazer um boletim de ocorrência. E ele, depois de tudo isso, depois de quase matar a gente na estrada, queria andar de pedalinho no parque. Existe um problema também psiquiátrico ali, dele não entender como isso é violento. Então fui atrás das câmeras de vídeo na garagem, onde ele teve uma crise nervosa, veio para cima de mim enquanto eu estava com a nossa filha no colo, porque ele não achava a chave do carro. Ele tirou a camisa, enfim.

Fui atrás dessas imagens enquanto ele fazia um curso em Curitiba, e aí procurei uma delegacia e fiz o B.O.

ESTADÃO: Como foi fazer a denúncia? Foi aí que você pediu as medidas protetivas?

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FERNANDA: Foi extremamente complicado. Para se ter noção, eu fui numa Delegacia da Mulher e foi extremamente constrangedor. Me atenderam perto das 17 horas, parecia que queria ir embora, falava "ah, ele colocou a faca na sua barriga? Tem cicatriz?", 'você achou grave isso?'. É terrível. Inclusive muitos jornalistas de Londrina já tinham me procurado e falavam 'ah, mas ele não tentou te matar? Não foi tentativa de feminicídio, né? Foi violência?'. Eles não tinham interesse e falavam que o que eles queriam era tentativa de feminicídio. As pessoas não enxergam a gravidade das violências psicológicas e como elas podem galgar rapidamente para o feminicídio.

Era muito difícil perceber a gravidade, mas, quando tive a minha filha, quando você vê que tem que proteger seu filho, eu percebi. E aí tudo começou. Eu entrei com as medidas, saí de Londrina e ele até demorou para sair de casa. Nós tínhamos uma viagem para Portugal na época, eu não fui e ele foi, deixou as coisas em casa, tranquilo. Ele tinha uma ordem judicial para sair de casa e foi viajar para outro país, como se nada. E aí, lá, ele descobriu as medidas e ficou mandando muitas mensagens nesse período. Mensagens muito agressivas, falando que nós estávamos em guerra, mas que 'as armas dele eram mais fortes', que, 'entre mortos e feridos, ele sairia vitorioso'. Ele começou a ter esses surtos, e eu fiquei com muito medo. Isso tudo me deixou muito assustada, amedrontada.

Ele foi descumprindo as medidas protetivas, me procurava, procurava minha família. Teve um momento em que me procurou falando que tinha chegado em um diagnóstico de bipolaridade e alcoolismo, e agora ele estava curado. Eu notifiquei todos esses descumprimentos e ninguém fazia nada, ele era um promotor de Justiça. Ele até falava meio assustado que 'a corregedoria falou que não ia se preocupar com o que fiz com você, acredita? Eles vão só tratar a questão do álcool, é só não beber em público que fica tudo certo'.

E aí ele não parou de me procurar. Depois, ele me mandou uma mensagem dizendo que queria alterar os documentos dessa situação do carro, porque poderia gerar uma denúncia de crime sexual e ele poderia perder o cargo. E aí eu alterei os documentos com medo do diagnóstico. Ele falava 'assina aqui', 'fala que você não se sentiu lesada por eu ter tocado nas suas partes íntimas', 'tira as medidas de proteção'. Ele até me ofereceu R$ 30 mil para eu retirar as medidas e eu não aceitei. E aí eu assinei para tirar as medidas, tirei a advogada que estava do meu lado. Eu ia assinando tudo porque achava que não dava para contrariá-lo por causa do diagnóstico. E aí nisso ele me levou até Curitiba, a 600 km da nossa casa em plena pandemia. Levei nossa filha e fiz escondido da minha família, falei que estava indo para Londrina. Era para eu falar para uma juíza que não teve toque em parte íntima, ou que teve e eu não me ofendi. Tudo isso para tentar tirar a denúncia. Nessa época, ele fez da minha vida um inferno. Exigia que eu voltasse com o relacionamento.

Em Curitiba, eles até mantiveram a denúncia, porque viram que eu estava sendo manipulada. Saiu a denúncia e tinha uma mensagem dele falando 'se você não fizer isso, eu vou te fazer sofrer na modalidade sangria' no divórcio.

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Quando aconteceu isso, eu já entrei com o processo do divórcio, que até hoje não teve instrução. É um processo em que ele usa muito o cargo, falando "ah, eu sou promotor, o que ela tá falando aí é besteira...". E é difícil, porque a gente não consegue levar muito os processos criminais para o divórcio. É complicado ter essa comunicação, e o juiz também não considera muitas coisas. Enfim, é uma situação que até hoje não teve nem perícia, nem nada. Ele descumpriu muitas ordens judiciais no divórcio. Todo dia é uma luta.

ESTADÃO: E esses descumprimentos foram reportados? Quais as medidas adotadas?

FERNANDA: Um dia ele me perseguiu na estrada, quando ele estava vindo visitar nossa filha. Eu saio para que ele visite a menina. Mas, nesse dia, ele me encontrou na estrada. Ficava colocando o carro grudado no meu, buzinando e gritando. Falando "ó, você fez tudo isso e não deu em nada, você sabe que não dá em nada". Então, eu fui ao Ministério Público registrar o descumprimento da medida e eles me deram um botão do pânico, mas nada foi feito. Existe só uma denúncia dos descumprimentos de 2019 a 2020, mas depois disso, dos de 2021 e 2022, eles instauraram um procedimento, mas nunca deu em nada. Ele sabia que não ia dar em nada.

A corregedoria também aplicou duas censuras reservadas, mas não teve a reprovabilidade da conduta. É isso que eu quero deixar bem claro. Eu nunca falei "demite ele, pelo amor de Deus". Eu tentava pedir para que a instituição não falasse que o problema era apenas o álcool, mas que era reprovável essa conduta, para ele parar. Como promotor de Justiça, ele se sente protegido. Ele está no cargo, e inclusive usa isso nos processos, dizendo que está atuante, tem ótimas avaliações, então tudo que ele fez não tem tanta gravidade, e agora já está tratado e equilibrado. A instituição fala isso mesmo. Fez a avaliação de que ele tem uma doença, mas está equilibrado. Só que tudo isso é baseado em médicos particulares, que não analisam todos esses comportamentos. Como você vai falar que uma pessoa que descumpriu 101 vezes as medidas protetivas está equilibrada? São análises superficiais que não consideram o contexto todo.

ESTADÃO: Como você vê a atuação do Ministério Público?

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FERNANDA: O grande problema que eu percebi na instituição é que eles têm uma atuação departamentalizada. Essa situação dos descumprimentos ficou só na esfera criminal, não chegaram a notificar a corregedoria. E, se notificaram, né... Nada. No Conselho Superior do Ministério Público, chegaram a me dizer que o médico que fez a avaliação de idoneidade moral e da saúde do Bruno não tinha nem conhecimento do descumprimento de prisão.

Ele chegou a ser preso na época em que eu pedi a restituição das medidas. Ficou em prisão domiciliar e saía de casa. Chegou até a ir no mercado, relataram algumas pessoas. Ele não cumpria prisão domiciliar, porque sabia que não ia dar em nada. Aí saiu essa notícia de que ele estava saindo, e aí o Gaeco [Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado] pediu um relatório das saídas do portão de serviço. Viram lá três saídas e colocaram a tornozeleira. Logo na sequência, porém, tiraram a tornozeleira, falando que ele já tinha entendido a reprovabilidade da conduta dele, mas em nenhum momento houve, por exemplo, um curso de reabilitação. Não sei se adiantaria, mas nem isso houve. E se isso existe para homens comuns, por que não existe para um promotor de justiça? Até a juíza chegou a dizer que ia expor a instituição se ele fizesse um curso de reabilitação, tipo um "nossa, um promotor agressor". Ou seja, se preocuparam em preservar o nome da instituição, mas não se preocuparam até com a própria sociedade. Ele inclusive chegou a atuar em varas com competência da Lei Maria da Penha. Só foi retirado de lá após a condenação.

ESTADÃO: Você chegou a levar o caso ao Conselho Nacional do Ministério Público? Como foi?

FERNANDA: Eu mandei um e-mail desesperada, né, porque eu não aguentava mais. Eu fico dentro de casa, com a impressão de que eu não posso mais sair. Sempre saio escondida, porque eu sei que ele descumpre mesmo. Ele não entende, né, a reprovabilidade da conduta. E todas as vezes que eu levo os descumprimentos não acontece nada. Só aumenta a raiva dele, e a gravidade dos fatos, né?

Hoje é difícil e estou com medo, mas já estava com medo naquela época. Agora eu tô conseguindo ter voz, que é o mais importante, porque ninguém me ouvia. Eu cheguei a ir presencialmente ao CNMP. Eu marquei para conversar, porque, para conversar com corregedor nacional, era só presencialmente. Chegando lá, ele nem me atendeu. Quem me atendeu foi o promotor assistente. Ele demonstrou reprovabilidade, que ia fazer alguma coisa, mas depois eles conversaram entre si, e o Ministério Público do Paraná instaurou um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar fatos lá de 2020. Nem está apurando os fatos de 2021 ou de 2022. Inclusive teve mais tentativa de contato este ano. Eles instauraram, porque viram que não tinha outra saída. E também fizeram aquela denúncia dos fatos de 2020. É aquela é aquela sensação que tudo pode "eu sou promotor de Justiça e, se eu sou promotor de Justiça, eu tenho idoneidade para estar aqui e eu posso tudo".

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ESTADÃO: O que você busca?

FERNANDA: Eu quero que ele pare de descumprir medida, eu quero que ele se trate. Gostaria muito que ele entendesse o contexto da violência e que ele pudesse ser uma pessoa melhor, até porque ele é pai, nós temos uma filha de 6 anos.

Se a instituição tivesse afastado ele para um tratamento, mostrasse a reprovabilidade da conduta, porque foi uma coisa muito assim "vai dar em nada, fica tranquilo"... Os promotores, eu percebo, criminalmente eles só respondem perante o cargo se houver a condenação final. É algo que vai demorar e, enquanto isso, ele atua normalmente. Isso é grave, ele não deveria atuar normalmente. Como ele vai representar a Lei se ele tem mais de 100 descumprimentos de medida cautelar?

São situações graves e eu não tenho dúvida que o meu risco de feminicídio está alto. Ele tem autorização para porte de arma, que nunca suspenderam, mesmo após inúmeros pedidos. Ele tem doença psiquiátrica. Ele descumpre medidas cautelares. Ele tem muita raiva. Tudo ele acha que tem que ser feito do jeito dele. Inclusive, em depoimento recente, ele fala isso, que ele tem muitas ressalvas, porque eu fiz tudo isso com ele. Ele atribui tudo isso a mim.

ESTADÃO: Como foi a decisão de falar sobre o caso?

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FERNANDA: O Ministério Público não fez nada. Por que eu estou levando para mídia? Porque eu quero? Não. É porque nem o CNMP fez alguma coisa. Eu falei lá para o promotor assistente: se vocês não fizerem alguma coisa, eu vou ter que ir para onde? É para a Lua que eu tenho que ir? Você me fala que eu tô indo, porque eu tenho uma filha de 6 anos. Hoje, ele tá lá querendo pegar nossa filha, falando que ele tá equilibrado, pegar mesmo. E ela não fica com ele. Ele não entende que ela não quer. E assim, desde o começo, ele sempre bebeu muito, não tem esse vínculo de pai, né? Mas ele quer pegar, porque é aquela coisa de poder né? É uma situação bem difícil, e eu, como mãe, acredito que eu estou correndo risco.

Muita gente falou para eu ir embora do país. Eu não posso, né? Eu poderia resolver isso de outra forma, de repente me mudar de cidade, mas eu não posso. Eu tenho minha filha. E tenho o apoio da minha família, acompanhamento psicológico, apoio da escola. Eu não conseguiria imaginar passar por tudo isso sem a minha família.

No último depoimento, ele fala que a vida dele está super tranquila hoje, que o estresse foi lá atrás. Quem ficou presa fui eu. Quem teve toda a vida afetada fui eu. Quem não pode mais fazer nada sou eu. Porque é certo que ele vai descobrir as medidas, né? E o que que eu vou fazer numa situação dessas? Ligar para 190? Não funciona, sabe?

Eu sei que não funciona. Eu queria muito falar sobre a violência institucional também, porque o Bruno tem um problema psiquiátrico. Não tô defendendo ele também não, mas a instituição teve a oportunidade de fazer alguma coisa e não fez, por medo de expor o nome. Não tem noção da gravidade.

ESTADÃO: Qual seria essa violência institucional?

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FERNANDA: Muitas pessoas falam: 'Procura a corregedora, ela é de renome nessa situação de violência de gênero'. Eu falo: 'Olha o e-mail que ela já me mandou'. Ela falou que eu desejava a punição dele e que não ia fazer nada. Então, eu queria mostrar o outro lado que nem as pessoas do sistema conhecem, entende? Não para punir, não é com esse objetivo, é para as pessoas tomarem conhecimento. Elas acham que o sistema funciona, que é bonitinho. Não é. A mulher, se soubesse o que ela vai enfrentar depois, ela não faria o Boletim de Ocorrência. Eu não tô defendendo isso, pelo amor de Deus, porque talvez eu pudesse estar morta hoje se eu não tivesse feito BO. Eu reconheço isso, mas, se eu soubesse o que ia passar, eu confesso que não sei se teria feito. É desumano o que você passa depois.

Me falaram, por exemplo, que me prestaram assistência psicológica. Nunca, pelo contrário. Existia um plano de saúde que era eu, ele e minha filha, em função da instituição. Existia um acordo extrajudicial antes para manter a gente nesse plano, e a instituição tirou. Foi um pedido do Bruno, mas a instituição tirou eu e minha filha do plano de saúde no meio da pandemia. A gente ficou totalmente desassistida e eu tive que correr atrás de um plano, tive que cumprir carência. Então, eles nem tiveram esse cuidado de consultar: 'Pera aí, ela já sabe? Ela é uma vítima de violência doméstica. Será que ela já tem outro plano?'.

A corregedoria também já me falou que não fez nada, porque não chegaram para eles a partir do criminal. Não encaminharam esses crimes de descumprimentos da medida cautelar, das alterações de documentos e de descumprimento de prisão. Eles falam isso, só que a gente sabe que eles são um grupo. Eles trabalham no mesmo lugar. Só muda o andar, entendeu? Você acha que eles não se falam? Eles, na verdade, tentaram não fazer nada e nisso um põe a culpa no outro.

É uma situação grave. Eu acho que eles têm que entender que um afastamento pelo tratamento [da doença] ali era o mínimo. Não a pedido dele [Bruno], mas da instituição, porque é um serviço para a sociedade, e ele tem que estar hígido ali. Tanto moralmente quanto psicologicamente para prestar esse serviço para a sociedade. Como que hoje ele tá entrando com uma ação civil pública contra vereadores que votaram o aumento do salário na praia? Colocando uma multa, sendo que ele descobriu 101 medidas? Fica incompatível isso.

Ele não tá nem aí, ele acha que o que ele fez não é nada. Ele não entende mesmo. Ele acha: 'Ah, só fiz isso, que exagero'. Então, é difícil.

As pessoas falam: 'Mas você já buscou o CNMP? Você já buscou a corregedora?' E eu já busquei tudo que vocês imaginam. Eu já fui conversar com a corregedoria. São três anos e meio quase nessa vida. E eu tentei ajuda de tudo quanto é lugar, mas as pessoas se fecham.

ESTADÃO: Você vê alguma proteção do Ministério Público?

FERNANDA: Na instituição, como a corregedoria, houve sim uma proteção. A parte criminal fez a denúncia, mas a gente percebe que a parte criminal não resolve. Ele [Bruno] mesmo me falava que um promotor que está sofrendo uma ação criminal, ele mesmo, como um bom advogado, vai empurrando o processo e isso prescreve. Daqui 10 anos que vai ter alguma coisa. Então, ninguém mais vai fazer nada. Agora, na parte institucional, ela é sim corporativista, ela foi omissa.

Essa questão do álcool, de se preocupar só com o aspecto do álcool. Eles não se preocuparam em nenhum momento com a gravidade da violência doméstica. E principalmente uma questão que eles falaram muito, é que não tinha tanta gravidade. Que era algo mais familiar. Você vê que eles resumiram numa briga de marido e mulher e eles não entenderam que a violência doméstica é um problema público, é um problema que hoje mantém o Brasil no quinto lugar de feminicídio de país que mais mata mulheres no mundo. E justamente pessoas que deveriam agir, fiscalizar o cumprimento da Lei Maria da Penha.

Então isso eu vejo hoje, até como cidadã e como mãe de uma filha que vai ser uma mulher, preocupante, né? Nós temos hoje representantes ali [no MP] que não entenderam a gravidade, que resumiram a situação nitidamente no contexto familiar e não quiseram se intrometer.

Você pode esperar isso de um vizinho, mas de um Ministério Público? E a gente tá falando aqui do Ministério Público do segundo grau, que é onde ele [Bruno] está sendo avaliado, que seriam as pessoas já de último nível, que estariam mais preparadas para ocupar esse cargo. Existem muitas pessoas que fazem projetos de gênero no Ministério do Paraná, têm até alguns que são blogueiros, mas eu percebo que é teoria. São pessoas que não têm atuação prática nenhuma, nem são consultados para um caso desse. Eles têm essa teoria para dar palestra, mas, na prática, a instituição é corporativista e a preocupação, no meu entendimento, foi mais em omitir os fatos para não comprometer o nome da instituição.

Em nenhum momento foi uma preocupação comigo, como vítima, com a nossa filha, com ele até, como uma pessoa doente, e uma doença grave para estar atuando nesse cargo. Eles tratam tudo como sigiloso para o meu benefício, mas eu não acredito nisso, foi para não expor a instituição. Muitas pessoas da minha região ficaram sabendo e muitas mulheres vieram me contar que passaram coisas parecidas.

As pessoas veem muito como: 'Nossa, ele como promotor e não aconteceu nada, imagina se eu faço alguma coisa, eles jamais fariam alguma coisa'. Passou essa imagem de que denunciar não vale a pena. Isso não funciona, o sistema é machista, o sistema é corporativista, o sistema é falso. Essa imagem passou para as pessoas que conhecem o caso e infelizmente é o que eu também constatei. E hoje é o que eu tenho também de sensação.

ESTADÃO: Você sentiu como se só quando se chegasse às vias de fato que iam ser tomadas medidas efetivas, é isso?

FERNANDA: Isso. Isso chegou a ser falado, que teria que ser algo mais grave, que eu teria que ter corrido o risco real de vida, tipo, sei lá, estou no Hospital. O carro se acidentou, eu fiquei embaixo do caminhão e tô em coma, talvez coisas assim. Ou realmente a faca foi enfiada na minha barriga, eu estou com tantos pontos, não morri por pouco. Aí eles poderiam fazer alguma coisa, ou se eu morresse mesmo poderiam fazer alguma coisa porque ia cair na mídia . Isso ficou bem claro, não entenderam. Isso várias vezes em conversas, eu ouvi.

Eu pensei: 'O que estão entendendo como muito mais grave?'. Você percebe que eu não estou criticando, mas há preocupação em não expor o nome e minimizar o problema e talvez a falta de consciência do conhecimento das questões de gênero, do quão grave é isso e do quão grave isso pode tomar uma dimensão de feminicídio. Eu só tô aqui porque eu não tenho mais outra saída, se tivessem feito alguma coisa eu não precisaria estar aqui [na mídia].

ESTADÃO: Foi aplicado o protocolo de perspectiva de gênero?

FERNANDA: Não. Não sei como está a aplicação em outros Estados. No meu caso, em casos parecidos, de pessoas que chegam para conversar comigo, o protocolo é zero. Na área de família é totalmente desconsiderado. Mesmo com medida protetiva, o juiz estava marcando audiência junto. Eu achava que existia um mínimo de discernimento da justiça sobre isso, mas eu não me senti ouvida. É sempre uma luta. Eu marquei várias reuniões, tentando mostrar a gravidade, tentando mostrar que teria que ter um acompanhamento efetivo da doença, que ele não estava equilibrado, que a instituição não poderia falar que 'está tudo bem é só controlar o álcool', que teria que ter uma reprovabilidade da conduta. Falei com inúmeras pessoas. A Corregedoria me procurou, eu fui até o CNMP, e até dava uma impressão que eles estavam se sensibilizando, mas não faziam nada. Então você vê que você não tem voz. Você vê que eles menosprezam. "Essa aí só mais uma. Não vamos dar voz para ela, senão daqui a pouco tem um monte de mulher entrando".

A violência institucional, na medida em que você não considera o que a vítima fala, minimiza tudo, é terrível. Eu tive um depoimento de 3 horas na ação penal que eu falei todos os fatos, desde os descumprimentos até 2021. E hoje no Procedimento Administrativo Disciplinar, só sobre esses fatos até 2021, eles querem que eu fale novamente, desconsiderando tudo que eu já falei. Porque? Talvez porque eles não fizeram nada e agora eles não querem usar aquele depoimento? Eles não pensam na situação e no prejuízo que isso vai trazer para mim. Eles querem que eu fale novamente para gerar mais revolta do Bruno? Porque ele vai falar. "Agora estão fazendo isso porque é culpa dela". Isso é terrível. Em nenhum momento a instituição quis se indispor com ele.

Eu não entendi também, mas eu acho que é um corporativismo grande, não para defender ele, mas para não expor o nome. O Ministério Público do Paraná acho que nunca teve o nome exposto assim. Isso nunca aconteceu com eles. Eles achavam que eles iam conseguir controlar.

Depois de toda essa repercussão, se não tiver efetivamente nada isso vai ficar muito pior para mim. Porque vai ter uma pessoa com possibilidade de ter arma, doente, mais revoltada com poder. E daí? Eu vou ter que ir para onde? Eu não posso sair daqui porque também tenho uma filha em comum. É uma situação terrível. Eu tenho as advogadas, mas também tem um limite do que elas podem me ajudar. É uma sensação terrível, parece que tem alguém colocando uma coisa na minha boca, e você tá presa.

Eu não sabia como seria falar. Mas foi aliviante. Eu tenho um alívio cada vez que eu falo com alguém sobre isso, são mais pessoas que parecem estar me ouvindo. Eu estou sendo ouvida. Tem pessoas me dando apoio, a gente está junto, não estou sozinha. Porque é um sistema enorme que eu enfrento. Mesmo com as advogadas, é difícil enfrentar esse sistema. Ele é difícil, porque ele se fecha. A gente tava tentando levar o caso para o sistema interamericano, porque é algo que não tem mais o que fazer.

ESTADÃO: Você vê saídas?

FERNANDA: Eu tenho fé, acredito que eu vou sair. Eu nunca desisti de acreditar. Eu não acredito que essa vida vai ser para sempre assim. Eu acredito, sim, que agora, com mais pessoas sabendo disso, vão me escutar mais, porque não sou só eu que estou falando agora. Essa força e esse empoderamento é no que eu acredito. Nas pessoas entenderem o contexto, dar mais voz para o que eu estou falando. Isso tá me dando mais esperança de poder sair dessa situação.

Eu estou buscando justiça, nunca desejei mal e punição. Ficam me perguntando 'Você quer que aconteça o que?'. A situação tomou uma dimensão tão grave, que eu não sei mais o que teria que acontecer para cessar isso. Mas é claro que um reconhecimento da instituição, do contexto de violência, e uma atitude preventiva, que reprovasse a conduta, que mostrasse que estão dando importância para o caso, no sentido de entender a gravidade. Seria algo que pudesse ser um começo de mudança.

Acredito que vai ser um início de um processo que eu possa sair desse ciclo de violência que até hoje infelizmente eu não consegui sair. Porque hoje a violência institucional substituiu a violência doméstica. E como descumprimentos são ameaças, você não sai dessa vida.

ESTADÃO: Você teme por você e sua filha.

FERNANDA: Eu só denunciei porque eu não conseguia aceitar o que era feito comigo, feito com ela. Quando a violência passa a ser com seu filho você não consegue ficar sem fazer nada, quando coloca teu filho na janela, fala que vai morrer, quando seu filho está junto e você é importunada. A situação, quando envolve uma criança, é revoltante. Uma mãe faz qualquer coisa. Eu ia até a lua. Falei isso pro assistente do corregedor. Eu vou até a lua, mas eu vou buscar uma situação segura para nós. Não vou desistir. Eu não tenho como parar, mesmo cansada. Eu sou mãe e tenho essa obrigação, de garantir uma segurança, um futuro para minha filha sem riscos.

ESTADÃO: Qual o seu sentimento ante os descumprimentos?

FERNANDA: A prisão do Bruno só veio depois de muitos descumprimentos de medidas protetivas, porque ele tentou alterar documentos. E isso, a corregedoria não se manifestou. Eles julgaram todo o PAD e nem se manifestaram sobre isso. Só instauram PAD esse ano porque teve reclamação no CNMP e porque agora a sociedade está exigindo. Eu acredito que vai ser simbólico também. A gente está pedindo a avocação desse PAD para o CNMP.

O que eu quero sempre pedir é que ele entenda o contexto, que ele pare, que ele entenda que tem que cumprir regra, que ele pare de importunar dessa forma, que ele pare de querer 'me fazer sofrer na modalidade sangria'. Por que, infelizmente, ele faz quando ele envolve a filha. É complicado porque essas ameaças 'eu vou pegar ela e vou levar embora' são até hoje. E nesse contexto da doença que ele tá, ele não se submete a um tratamento, ele não entende que a filha não fica com ele, tem que ter uma pessoa junto.

E você vê que ele usa muito ela como um objeto para fazer sofrer, como uma espécie de poder. E ele consegue. Como eu falei, se não fosse a minha filha, eu me preocupo comigo, mas você às vezes não enxerga. A violência é difícil de enxergar. Eu já estava no ciclo [de violência], mas eu achava que podia ajudar. Para mim ficou mais claro quando eu vi acontecer com ela.

ESTADÃO: Qual a sua expectativa de resolução?

FERNANDA: Eu espero uma mudança mesmo do sistema, para que ele entenda que não adianta só fazer lei. Ela tem que ser aplicada da forma como descreve lá. Tem que ter uma capacitação maior. Talvez um medo de 'se eu não fizer o que vai acontecer?'. Acredito que às vezes alguma consequência ajude. Eles sabem também que essa questão de violência institucional é simbólica. Mas acho que essa questão da violência institucional tinha que ser abordada para tentar uma mudança no sistema. Porque isso não sou só eu que passo é todo mundo. Não sou exceção.

Todo mundo manda denunciar, mas não sabe o que é isso na prática. É difícil. E eu achava que não seria no nosso caso, a gente tem muitas provas e é contra um promotor de justiça. O sistema deveria ter mais agilidade, mais preocupação, porque ele também atuava em varas desse sistema de proteger mulheres. Por sorte ele não atendeu nenhuma, mas o sistema deveria ter essa preocupação de entender que é um problema público, não só meu. Precisa mudar o entendimento de quem está atuando no programa da violência doméstica, porque, se não, a gente nunca vai evoluir nesse sentido. Vai continuar ocorrendo morte, feminicídio, estupro.

ESTADÃO: Além da primeira condenação, há algum outro processo criminal em aberto?

FERNANDA: Sim, sobre aquela tentativa de alterar documentos. Isso virou uma segunda denúncia em agosto de 2023. Os descumprimentos de 2023 foram instaurados numa notícia de fato criminal.

Inclusive, chegaram a mencionar uma conciliação como tentativa de parar os descumprimentos. Isso é uma equipe do Ministério Público do Paraná, não da Justiça. Acredito que eles querem colocar uma equipe deles para fazer uma conciliação para que não haja mais descumprimentos. Ou seja, "vamos voltar a se falar, tirar as medidas e ficar bem, vamos esquecer isso aí porque a gente não está conseguindo administrar". Eles, na verdade, querem essa conciliação para que não tenha mais aborrecimento, porque daí vira problema meu, do "meu ex". Complicado.

Como você vai fazer um acordo - e nós tentamos - com uma pessoa que não cumpre o mínimo? Ele não cumpre medida, não cumpre prisão. Não vejo como fazer um acordo de forma alguma.

ESTADÃO: Você chegou a informar à Justiça sobre os novos descumprimentos, já houve decisão sobre esse pedido?

FERNANDA: Eles mandaram para o Ministério Público, pediram para informar à corregedoria sobre esses fatos, mas não decretaram prisão nem nada. A única coisa que o MP pediu foi para refazer o formulário de risco, e eu já fiz. Na prática é isso, está tudo bem relatado. É só para ganhar tempo, para falar que fizeram alguma coisa, porque eles nunca vão pedir a prisão para não expor a instituição. Nem a suspensão do porte de arma vão fazer, e essa é uma luta. A gente pede em tudo, mas eles falam que não tem registro de arma no nome dele e não tem como pedir, mesmo com doença psiquiátrica, mesmo com todos esses descumprimentos. O que precisa? Ele realmente me dar um tiro? Eu tenho medo.

O sistema não conhece como ele mesmo funciona. E existe muito esse estereótipo de que a vítima não tem trabalho, não tem conhecimento. A vítima tem que sempre ser a coitadinha. Tanto é que eu não sou reconhecida como vítima, o Bruno fala no depoimento "eu não influenciei ela, ela tem mestrado, duas faculdades, personalidade forte". Ele quis desconstruir que eu não fui influenciada porque tenho conhecimento. E aí isso mostra como não interessa se você é estudada ou não, basta ser mulher que você está dentro desse ciclo, principalmente quando você tem filho. É terrível, muitas mulheres não procuram justiça porque sabem que é assim que funciona. Eu confesso que eu não esperava que fosse assim. Eu achava que, com provas, teria uma resposta rápida, e não foi assim.

COM A PALAVRA, O MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ

No início da semana, o MP divulgou a seguinte nota: "O Ministério Público do Paraná informa que atua e acompanha toda a situação envolvendo o agente do MPPR, seja no plano administrativo, seja no âmbito judicial, por intermédio da Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos. Todavia, em razão do sigilo decretado judicialmente - determinado não em razão do promotor de Justiça, mas, antes, em prestígio da própria vítima -, detalhes sobre a questão e desdobramentos relacionados ao caso estão, por ora, desautorizados. Caso ocorra o levantamento desse sigilo, é certo que toda e qualquer informação a respeito dos fatos poderá ser prestada pela instituição".

Depois, compartilhou o posicionamento: "A Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos (SubJur) do Ministério Público do Estado do Paraná esclarece:

1. Todos os fatos noticiados, com reflexos criminais, foram ou estão sendo objeto de apuração no próprio Ministério Público, após instauração de procedimentos pela SubJur em razão do foro por prerrogativa de função do investigado (art. 40, inc. IV, da Lei Federal nº 8625/93).

2. Ditas apurações da SubJur já subsidiaram o oferecimento de duas denúncias criminais: (i) em 26/6/20, formalizada acusação de uma importunação sexual e de 49 descumprimentos de medida protetiva (cometidas de 11 a 15/12/19 via aplicativo de mensagem), ensejando condenação, em 6/2/23, após sustentações orais pela SubJur junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), à pena de 3 anos e 6 meses de reclusão e à pena de 7 meses e 23 dias de detenção, em regime aberto. Em 7/3/23, a SubJur opôs embargos de declaração, buscando o aumento da pena e alteração do regime; e (ii) em 9/8/22, formalizada acusação de 50 descumprimentos de medida protetiva (cometidas de 1/3 a 28/4/20 via aplicativo de mensagem), com o processo na fase da defesa perante o TJPR.

3. Referidas denúncias criminais foram possíveis porque, dentre outras diligências, a SubJur pediu ao TJPR a busca e apreensão de aparelhos celulares e autorização judicial para acesso aos dados telefônicos e telemáticos do investigado e da vítima (em 6/7/20), seguindo-se a realização de perícia e a constatação material dos fatos (em 29/3/21).

4. Os reiterados descumprimentos das medidas protetivas e a indevida intervenção do acusado nas investigações motivaram, a pedido da SubJur, a decretação de sua prisão preventiva (em 9/7/20), convertida em prisão domiciliar por imperativo do art. 40, inc. V, da Lei Federal nº 8.625/93 e, dada a posterior violação de seus respectivos termos, a imposição concomitante de monitoração eletrônica. Ditas cautelares foram revogadas por decisão judicial, em 17/9/20, mesmo com a oposição do Ministério Público. Por tal razão, houve a interposição pela SubJur de dois recursos ao TJPR e dois recursos ao Superior Tribunal de Justiça - STJ (sem, contudo, êxito no restabelecimento da prisão).

5. Além dos 99 fatos que já foram objeto de referidas ações penais, subsiste na SubJur apuração relativa a outros fatos noticiados em 13/3/23 (dois supostos descumprimentos de medida protetiva de proibição de contato com familiares da vítima), com diligências ainda em andamento (observado o prazo legal).

6. Paralelamente às medidas de responsabilização criminal (incluída a cautelar de prisão preventiva e monitoração eletrônica do investigado), outras providências, aliadas ao permanente atendimento da vítima desde 2019, foram adotadas pela SubJur para resguardo da integridade da ofendida: (i) oposição à revogação das medidas protetivas, mesmo diante de requerimento formulado pela própria vítima, em 20/4/20 (dado o possível comprometimento de sua manifestação de vontade); (ii) em 18/5/21, requerimento de concessão de "botão do pânico" em Londrina; (iii) aplicação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco (Lei nº 14.149/2021), em 18/5/21 e em 31/5/23; (iv) promoção de "depoimento especial" para preservar a higidez psíquica e emocional da ofendida (Lei 11.340/2006); e (v) postulação de valor indenizatório para reparação dos danos morais e prejuízos psicológicos causados em razão dos crimes, acolhido pelo TJPR (art. 387, inc. IV, do Código de Processo Penal).

7. No âmbito administrativo, é preciso registrar: (i) a Corregedoria-Geral instaurou dois processos administrativos disciplinares (PADs) - um deles já julgado pela SubJur, com imposição de duas sanções disciplinares (cuja decisão foi mantida pelo Órgão Especial do Colégio de Procuradores). Além do segundo PAD (ainda em andamento), a condenação na esfera criminal, caso ocorrido o trânsito em julgado da sentença penal, deverá ensejar apreciação sobre eventual ajuizamento de ação de perda de cargo por prática incompatível com o exercício da função (art. 150, § 1º, inc. I, e § 2º, da LCE nº 85/99); (ii) tramita no Conselho Superior do MPPR procedimento destinado à verificação do estado de saúde do promotor de Justiça, com acompanhamento da Divisão de Saúde Ocupacional (art. 32, inc. VI, da LCE nº 85/99); e (iii) em virtude da condenação imposta na primeira ação penal e de decisão Procuradoria-Geral de Justiça, proferida após requerimento da SubJur, o promotor de Justiça não mais atua em matérias afetas à violência doméstica e familiar contra a mulher.

8. No âmbito cível, as ações relativas a divórcio, alimentos e guarda tramitam com a participação das Promotorias de Justiça com atribuições em primeira instância e das Procuradorias Cíveis com atribuições em segunda instância.

9. O Conselho Nacional do Ministério Público, em procedimento próprio instaurado a pedido da ofendida (em 12/7/22), acompanha as medidas adotadas pelo Ministério Público do Estado do Paraná em relação ao caso, cujas informações foram prestadas pela SubJur àquele órgão nacional de controle.

10. O sigilo imposto por ordem judicial às ações penais, voltado à preservação da intimidade da vítima (e não em decorrência do cargo ocupado pelo investigado), impede, por ora, o aprofundamento das demais questões fáticas. Caso seja revogado dito sigilo, informações detalhadas serão prestadas, em respeito à transparência inerente à atividade do Ministério Público."

COM A PALAVRA, A DEFESA DO PROMOTOR BRUNO VAGAES

O advogado Marcos Daniel Veltrini Ticianelli, que representa Bruno Vagaes, disse que não vai se manifestar porque os processos que miram o promotor estão sob segredo de justiça. O espaço está aberto para manifestações.

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