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Opinião|Papai Noel chegou. E os boletos também

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Já não se fazem natais como antigamente, quando as famílias se reuniam para celebrar a data de nascimento do mais importante símbolo do cristianismo. É uma triste constatação, mesmo para quem se declare ateu convicto ou seja alheio a manifestações sentimentais típicas do período natalino e das festas de fim de ano. Sinal dos tempos, que transformou a data em um dos principais ícones do consumismo capitalista.

Ricardo Castilho Foto: Arquivo pessoal

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Como todos os anos, o “bom velhinho” – aquele personagem fictício a que fomos apresentados na infância -, é o carro-chefe das celebrações. Na verdade, triste verdade, é que, sem ele, o Natal não existe. Na França, isso seria imperdoável - afinal, lá, Noel quer dizer Natal. O que há em comum é que, tanto lá quanto cá, as cidades se empetecam de luzes pelas residências e nas lojas que vendem ilusões, numa contradição descarada com o discurso de humildade preconizado, segundo a literatura cristã, pelo aniversariante do dia.

Vejo tudo isso com muita tristeza. Para mim, que venho de família humilde e cristã lá de Piraju, no interior de São Paulo, o Natal é uma data que, a cada ano, vem perdendo suas características originais, substituídas por ímpetos de posse, ganância, vaidade, exibicionismo e do diletantismo barato e passageiro. É evidente que o Natal mexe com o lado emocional das pessoas, até das mais insensíveis. Mas, sob esse aspecto, prevalece o velho livre-arbítrio: cada qual usa o seu dinheiro como bem entender e ninguém tem nada com isso. Comerciantes vibram, os economistas aplaudem, uma fatia das pessoas desempregadas se beneficia das vagas temporárias de trabalho. Mas – ho, ho, ho! - também está cada vez mais claro que tudo se configura como um mosaico de incongruências que afloram desenfreadamente e contribuem para as visíveis mudanças de usos e costumes que se incorporaram ao cotidiano das famílias a partir do advento da era industrial, lá pelo começo do século 19.

Alguém já disse, alhures, que há muito tempo a “festa máxima da cristandade” passou a ser conhecida como “o dia internacional do peru e da farofa”, e que o milagre da ressurreição, na verdade, é obra dos coelhos que “botam” os ovos de chocolate na Páscoa. Abstraído o acintoso chiste aos sentimentos e tradições cristãs, vê-se que, no Brasil, mais famílias vêm gastando menos a cada ano, como sugerem pesquisas recentes. É de se supor que essas são aquelas que não querem ser surpreendidas pelo “bom velhinho”. Afinal, se em uma das mãos ele traz o saco de bondades, na outra ele poderá entregar, de brinde, o tenebroso pacote de boletos. Aí, sim, passada a euforia virá a inevitável ressaca. Espero, sinceramente, que ela não se transforme em pesadelo e desejo que 2024 traga paz e luz para todos os lares do nosso país.

*Ricardo Castilho é jurista e escritor, pós-doutor pela USP e Universidade Federal de Santa Catarina. É diretor acadêmico da EPD - Escola Paulista de Direito

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