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Opinião|Política judiciária de enfrentamento e apoio às vítimas de crimes

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1. Introdução

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O atendimento às vítimas de crimes constitui um dos direitos básicos das vítimas previsto na Resolução 40/34, de 1985 da ONU. Há também Resolução 60/147 de 16 de dezembro de 2005 que estabelece “Princípios e Diretrizes Básicas Sobre o Direito a Recurso e Reparação Para Vítimas de Violações Flagrantes das Normas Internacionais de Direitos Humanos e de Violações Graves do Direito Internacional Humanitário”. A Resolução 60/146 conceitua vítima como:

vítimas são pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido um dano, nomeadamente um dano físico ou mental, um sofrimento emocional, um prejuízo económico ou um atentado importante aos seus direitos fundamentais, em resultado de atos ou omissões que constituam violações flagrantes das normas internacionais de direitos humanos, ou violações graves do direito internacional humanitário. Sempre que apropriado, e em conformidade com o direito interno, o termo “vítima” compreende também os familiares próximos ou dependentes da vítima direta e as pessoas que tenham sofrido danos ao intervir para prestar assistência a vítimas em perigo ou para impedir a vitimização.

2. Atendimento às vítimas de crimes e atos infracionais

A palavra atendimento vem do latim atendo- ere e significa “estender para, dirigir para, estar atento”. De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2008-2024) o substantivo vem do verbo transitivo atender que significa prestar atenção ou reparar em (=atentar); levar em conta (= considerar); cuidar de; ter em consideração.

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O atendimento às vítimas de crimes exige que todos os envolvidos no sistema de acesso à justiça dediquem sua atenção e cuidado ao realizarem esse importante ato às vítimas diretas e indiretas do delito. A ausência de cuidado na realização desse ato pode dar ensejo a uma vitimização secundária.

O Direito Penal surgiu ao mesmo tempo que o Estado, ou seja, partindo de uma perspectiva iluminista pela qual são conferidos direitos e garantias ao suspeito ou réu como forma de contrabalancear os abusos cometidos pelo Estado ao restringir o seu direito à liberdade. Separaram-se as funções judicantes das funções do então soberano, garantindo-se a aplicação da “lei da terra” e não mais a lei ditada pelo soberano.

Criou-se, portanto, sofisticado sistema processual em que, para além do direito das vítimas em obter uma resposta ao Estado frente a prática de um injusto penal, coloca como protagonistas dessa ação o réu e o Estado- Juiz, relegando a vítima a um papel instrumental. Partindo de uma perspectiva foucaultiana (1984), o processo nada mais é do que um sistema de procedimentos ordenados para a produção, regulação, circulação e operação de enunciados (jurisprudência).

O poder disciplinar converte o indivíduo em objeto de exame, categorizando-os, de forma a tornar possível o registro escrito dos indivíduos e populações. Entretanto, a parametrização das vítimas de crimes e atos infracionais tem sido realizada de forma deficiente no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que não existem informações precisas sobre todos os aspectos que permeiam a vida da vítima.

A ausência de regramento específico sobre o tema é a principal causa dessa questão, uma vez que são estes que dão origem as práticas que se naturalizam no sistema iluminista. Tal omissão impacta a formulação de estratégias preventivas à vitimização primária, secundária e terciária, sendo que o Poder Judiciário possui importante papel diretivo que permita que o enfrentamento de forma efetiva essa deficiência do atendimento.

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LANNO (2017) destaca a existência de três gerações de direitos das vítimas. Pela primeira geração, o estudo das vítimas deve recair exclusivamente no sujeito passivo e sua relação com o autor da conduta criminosa ou infracional (microvitimização). A segunda geração, analisa o fenômeno a partir do enfoque das vítimas sociais (macrovitimização). Na terceira geração, o eixo passa a ser centrado nos direitos das vítimas, individuais ou coletivas: os serviços de ajuda que vem sendo desenvolvidos crescentemente. Na quarta geração, se tem a articulação com movimentos renovadores do direito alternativo que culminaram com a aproximação vítima-ofensor, propugnando a redução da violência estatal, questionando o modelo de exercício do poder punitivo exclusivamente pelo Estado. A quinta geração é focada no desenvolvimento de políticas preventivas à vitimização. Por fim, a vitimologia de sexta geração abrange a problemática oriunda da genética, biotecnologia, fecundação in vitro, vítimas da sociedade de risco que abre a via para a tutela do direito civil.

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O atendimento, portanto, é ferramenta estratégica que permite o correto equacionamento dos fatos ocorridos, sendo importante vetor de formulação de políticas públicas preventivas à vitimização. Por meio da inteligência artificial é possível o diagnóstico completo não só da situação daquela vítima direta ou indireta, mas todo o mapeamento de vítimas potenciais por meio do seu georreferenciamento em todo o território nacional. Disso decorre a necessidade de políticas voltadas ao acolhimento de coletivos vulneráveis, quer para dirimir os casos concretos, como para evitar o ajuizamento de novas demandas.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

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Celeste Leite dos Santos
Promotora de Justiça, presidente do Instituto Brasileiro de Atenção e Proteção Integral a Vítimas, doutora em Direito Civil pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, especialista em Interesses Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, idealizadora do Estatuto da Vítima (PL n. 3890-2020), idealizadora do Infovitimas Brasil. Associada do Movimento do Ministério Público Democrático – MPD. Foto: MPD/Divulgação
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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