Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | Revista íntima nos presídios: entre segurança e direitos humanos

A medida não apenas protege os visitantes, mas também resguarda os servidores do sistema penitenciário, garante a integridade dos acautelados e assegura a dignidade dos visitantes, ao mesmo tempo que coíbe práticas abusivas e ilícitas

PUBLICIDADE

convidado
Por Raíssa Cerqueira Maia

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (2), proibir revistas íntimas vexatórias em visitantes de presídios. De agora em diante, provas obtidas por meio de inspeções invasivas, que exijam a retirada de roupas e exponham os visitantes a constrangimentos, serão consideradas ilícitas.

PUBLICIDADE

No entanto, o tribunal manteve brechas para a prática, permitindo-a apenas em “casos excepcionais”, quando o uso de scanners corporais ou raio-X for inviável e houver fortes e concretos indícios de suspeita, não admitindo meras subjetividades.

O poder público será obrigado a fundamentar a necessidade do procedimento em todos os casos, garantindo a responsabilização de agentes que cometerem excessos ou abusos. Por sua vez, a revista só poderá ocorrer com o consentimento do visitante. Em caso de recusa, a visita será impedida de ingressar no estabelecimento, devendo a autoridade administrativa justificar por escrito os motivos da restrição.

Para isso, foi estabelecido o prazo de dois anos, a contar da data do julgamento, para a aquisição e instalação de equipamentos como scanners corporais, esteiras de raio-X e portais detectores de metais em todos os estabelecimentos penais do país, com recursos do Fundo Penitenciário Nacional e do Fundo Nacional de Segurança Pública.

Na prática, parte dos presídios já adota esses mecanismos, submetendo visitantes, servidores e os próprios advogados, em visita aos seus constituintes, à passagem pelo scanner corporal, bem como à inspeção dos seus itens pessoais e instrumentos de trabalho. A título de exemplo, o advogado só pode ingressar no parlatório com seus documentos, escritos, cadernos, após passagem pelo raio-X e, em alguns casos, até mesmo mediante inspeção manual. Do mesmo modo, os próprios agentes penitenciários, a rigor, também estão sujeitos a esses procedimentos de controle.

Publicidade

O procedimento de passagem pelo scanner corporal é conduzido por um servidor do sistema prisional conforme a identidade de gênero da pessoa inspecionada. No entanto, na ausência de um agente com tal compatibilidade disponível, questiona-se sempre se há alguma objeção em se submeter ao scanner operado por alguém do sexo oposto.

Diante disso, é oportuno relembrar o princípio da intranscendência da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, que estabelece: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Destarte, é inadmissível submeter visitantes a constrangimentos ilegais, travestidos de revista íntima, especialmente quando, em pleno 2025, há alternativas tecnológicas eficazes que tornam essa prática desnecessária.

Ainda que tardia, a decisão é essencial para resguardar direitos fundamentais e corrigir violações que há muito vêm sendo discutidas. Para além do princípio da intranscendência, essa medida também encontra respaldo nos princípios basilares da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e na vedação a penas cruéis e tratamentos degradantes (art. 5º, III, CF), reforçando a necessidade de um sistema prisional que respeite direitos e garantias individuais.

Por fim, a decisão passa ao largo do discurso de que promove a impunidade ou facilita a entrada de objetos ilícitos, como drogas, armas e celulares. Em verdade, ela reforça ainda mais a segurança. A medida não apenas protege os visitantes, mas também resguarda os servidores do sistema penitenciário, garante a integridade dos acautelados e assegura a dignidade dos visitantes, ao mesmo tempo que coíbe práticas abusivas e ilícitas, sem qualquer interferência na autonomia dos entes federativos e proporcionando uma uniformização na aplicação das diretrizes de segurança em todo o país.

Convidado deste artigo

Foto do autor Raíssa Cerqueira Maia
Raíssa Cerqueira Maiasaiba mais

Raíssa Cerqueira Maia
Advogada criminalista do Weber Advogados. Foto: Arquivo pessoal
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.