Bolsonarismo vive caça às bruxas com indiciamento de ex-presidente e incertezas sobre 2026

Filhos cobram mais união na defesa do pai, Jair Bolsonaro, enquanto antigos detratores são recriminados e potenciais protagonistas para 2026, reprimidos

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Foto do author Guilherme Caetano
Atualização:

BRASÍLIA – Na medida em que o cerco se fecha contra Jair Bolsonaro (PL), reforçado pelo indiciamento do ex-presidente na semana passada, o bolsonarismo tem vivido uma cobrança pública a respeito do que se considera uma falta de lealdade ao seu líder. Na quinta-feira, 4, a Polícia Federal (PF) indiciou Bolsonaro e mais 11 no caso das joias sauditas – revelado pelo Estadão em março de 2023. A corporação imputa ao ex-chefe do Executivo supostos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

O entorno de Bolsonaro pressiona por mais demonstração de apoio dos aliados. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), primogênito do ex-presidente, cobrou dos aliados a direita unida na defesa do pai, após poucos parlamentares de seu partido se manifestarem contra a ação da PF.

Jair Bolsonaro em discurso no evento de direita CPAC Brasil, em Balneário Camboriú (SC) Foto: EVARISTO SA

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O comunicador digital Kim Paim, cujo canal no YouTube com quase 800 mil inscritos é assistido por Bolsonaro, publicou um vídeo mencionando que apenas três deputados federais do PL – Eduardo Bolsonaro (SP), Sóstenes Cavalcante (RJ) e José Medeiros (MT) – foram às redes sociais defender o ex-presidente no mesmo dia do indiciamento. No Senado, Bolsonaro teve apoio também de Sérgio Moro (União-PR).

O entorno do ex-presidente costuma debochar da reivindicação por uma direita unida visando se preparar para retomar o poder em 2026 – independentemente de quem seja o candidato –, e a pauta agora tem sido ironizada pelos aliados que cobram união contra o indiciamento. ”Cadê a defesa de Bolsonaro, ‘direita unida’?”, alfinetou Flávio em sua conta no X (antigo Twitter).

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O clima de desconfiança na direita, no entanto, vem sendo insuflado na própria família do ex-presidente. No sábado, 6, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PL) fez um comentário ambíguo em uma foto do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) em que sua filha está no colo de Jair Bolsonaro, ao lado da ex-primeira-dama Michelle. ”Legal o cara fazer isso com sua filha e com a minha não! De qualquer forma, parabéns sempre, grande Nikolas”, disse Carlos no Instagram.

A indireta, que pareceu ter sido feita ao pai, pode ter sido direcionada a Michelle, de acordo com bolsonaristas próximos do ex-presidente, sugerindo ser ela o motivo de distanciamento entre Carlos e o pai. Na mesma publicação, a ex-primeira-dama escreveu: “Que Deus livre e guarde a nossa Aurora de toda a inveja e maldade”.

Influente na comunicação do pai durante a Presidência da República, Carlos tem feito críticas indiretas à “assessoria” de Jair Bolsonaro, sugerindo se tratar de alguém no círculo íntimo do pai. Na semana passada, o ex-presidente participou de uma entrevista com o ex-advogado do MBL, Thiago Pavinatto – que no passado bombardeou o então presidente com críticas duras –, o que irritou apoiadores bolsonaristas fiéis, entre eles o vereador.

”Nem te conto quem é. O cara está cercado e amordaçado”, comentou Carlos abaixo de um usuário no X que reclamava de a “assessoria” de Bolsonaro ter permitido a agenda com um antigo detrator. Na sequência, outro usuário comentou que o episódio era um “tapa na cara de quem gosta do seu pai verdadeiramente”, e foi respondido pelo próprio vereador: “Fala pra assessoria competente dele. Nem eu posso chegar perto!”.

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O deputado federal Eduardo Bolsonaro também vem criticando os aliados que, em sua avaliação, tentam obter protagonismo no vácuo de poder do pai. Em um vídeo de quatro minutos publicado em suas redes sociais na semana passada, ele disse que falta humildade aos que tentam se colocar como possíveis nomes para 2026.

”Por que pessoas engrossam a narrativa de que o futuro vai ser com Tarcísio, Michelle, Eduardo, Flávio, Zema, etecetera, e ficam botando energia, imaginando que o futuro será sem Bolsonaro?”, disse Eduardo. “Na política não existe ingênuo. A gente sabe que quem faz isso daí é porque está querendo assumir um lugar de liderança.”

Cotado como potencial herdeiro eleitoral de Bolsonaro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), já tinha entrado na mira do pastor Silas Malafaia, que o criticou publicamente no mês passado por supostamente trabalhar uma candidatura à Presidência para a próxima eleição.

”Um pastor me descascou outro dia porque disse que quero substituir o Bolsonaro. O cara não me conhece”, limitou-se a responder Tarcísio, sem citar Malafaia, a uma plateia de empresários em um evento no mês passado.

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A cautela da família Bolsonaro com o candidato da direita para enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026 foi manifestada pelo próprio ex-presidente no fim de semana.

Em um discurso na conferência conservadora CPAC Brasil, organizada por Eduardo, Jair Bolsonaro declarou: ”Temos eleições neste ano, votem com a razão e não com o coração ou emoção. Porque a composição do TSE vai mudar, já mudou, se tivermos uma grande bancada em 2026 pode ter certeza que a gente faz pelo Parlamento, não pela canetada, uma história melhor para todos nós”, afirmou o ex-presidente ao público.

A declaração fazia referência às mudanças que ocorrerão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos próximos anos, com a saída do desafeto Alexandre de Moraes, o que dá a alguns bolsonaristas a expectativa de que uma composição mais amigável na Corte possa reverter a inelegibilidade imposta a Bolsonaro em razão de ataques à democracia.

Um ex-ministro de Bolsonaro afirmou ao Estadão, sob condição de anonimato, que a única opção ao ex-presidente é tolher os principais pré-candidatos da direita à Presidência da República na próxima eleição para preservar seu cacife político, “sob o risco de ver o poder escorrer pelos dedos”.

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