Bolsonaro confirma plano de mudar embaixada em Israel; Palestina critica e Netanyahu agradece

Primeiro-ministro israelense chamou decisão de 'passo histórico e correto'; embaixador da Palestina no Brasil disse que respeita, mas é preciso 'conversar com novo governo e expor o ponto de vista'

PUBLICIDADE

BRASÍLIA - Os planos de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, confirmados na quinta-feira, 1, pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), foram motivo de críticas dos palestinos e de elogios do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. "Eu felicito meu amigo brasileiro, o presidente eleito Jair Bolsonaro, por sua intenção de mudar a embaixada brasileira para Jerusalém, um passo histórico, correto e empolgante", escreveu. 

PUBLICIDADE

Nesta sexta, no entanto, o grupo Hamas, acusado de radicalismo, escreveu em suas redes sociais que a decisão é um "passo hostil" aos palestinos. “Rejeitamos a decisão do presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, de mover a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém e pedimos que ele abandone sua decisão”. Já Hanane Achraoui, uma alta autoridade palestina, disse à agência de notícias internacionais AFP que a medida é provocadora e ilegal diante do direito internacional. "Não faz nada mais que desestabilizar a região". Procurada, a Embaixada de Israel no Brasil não se manifestou até a conclusão desta reportagem. 

Na quinta, em sua conta no Twitter, Bolsonaro escreveu: “como afirmado durante a campanha, pretendemos transferir a Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém. Israel é um Estado soberano e nós o respeitamos.” Em seguida, ao conceder uma entrevista coletiva, ele disse que “pretende” adotar a medida. “Quem define a embaixada é o país; se Jerusalém é a capital, nós transferimos.” O presidente eleito acrescentou não ver “clima pesado” em função da mudança.

“Respeitamos e não compartimos”, reagiu o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, em conversa com o Estado. “É um tema aberto para conversar com o novo governo e expor nosso ponto de vista e decisão soberana”, disse. “Jerusalém Oriental é capital ocupada do Estado da Palestina.” Questionado, o Itamaraty não comentou as afirmações de Bolsonaro.

Localização

A localização da embaixada é uma questão sensível porque Israel e Palestina disputam o predomínio sobre Jerusalém. O Estado judeu considera toda a cidade como sua capital, enquanto os palestinos desejam tornar Jerusalém Oriental a capital do seu futuro Estado.

Para a comunidade internacional, o status da Cidade Santa deve ser negociado por ambas as partes e as embaixadas não devem se estabelecer lá até que um acordo seja alcançado. Essa é, historicamente, a posição apoiada pela diplomacia brasileira. Israel ocupa Jerusalém Oriental desde a guerra de 1967 e posteriormente a anexou. Isso nunca foi reconhecido pela comunidade internacional, inclusive o Brasil. 

Publicidade

Bandeiras de Israel e Brasil na embaixada brasileira em Tel Aviv. Foto: Jack Guez/AFP

Mas, em 2016, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu transferir sua embaixada em Israel para Jerusalém. Na mudança, foi seguido pela Guatemala. O Paraguai fez o mesmo em maio passado, no final do governo de Horacio Cartes. A decisão, porém, foi revertidapelo atual presidente, Mario Abdo Benítez um mês após sua posse, ocorrida em agosto. 

Bolsonaro não esconde sua admiração por Trump e o desejo de um maior alinhamento com os Estados Unidos. Além disso, a decisão agrada ao eleitorado evangélico. Durante a campanha, Bolsonaro visitou a embaixada de Israel acompanhado do senador Magno Malta (PR-ES), ligado à igreja e cotado para um possível Ministério da Família, e prometeu fazer a mudança da embaixada em janeiro. 

Preocupação de exportadores

Os planos são acompanhados com atenção pelas embaixadas de países muçulmanos, que apoiam a causa palestina. Isso causa preocupação nas empresas exportadoras, principalmente do setor de carne, já que esses são grandes clientes. O Brasil é líder mundial na produção de frango hallal, abatido conforme as normas muçulmanas.

As vendas para esses mercados totalizaram US$ 5,1 bilhões só no primeiro semestre deste ano, segundo informações da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. O Estado questionou outras embaixadas de países árabes. De todas, ouviu a mesma resposta: não comentarão antes de uma decisão oficial.

Segundo o especialista em comércio exterior Welber Barral, da Barral MJorge, esses países podem não necessariamente bloquear suas compras, mas agir com “má vontade”. Por exemplo, dificultando a renovação de certificados que permitem as vendas de produtos in natura.

Se for levada adiante, a mudança da embaixada do Brasil representará a ruptura de uma linha básica da política externa do País, adotada há mais de 60 anos.“A política brasileira sempre foi equilibrada, conciliadora e não agressiva nem a um, nem a outro”, disse o embaixador palestino.

Publicidade

Além disso, a mudança descumpre a Resolução 478 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) adotada em 1980, que determina a todos os estados-membros que retirem suas embaixadas de Jerusalém até que seja alcançado um acordo de paz. O Brasil estaria contrariando, ainda, uma recomendação da Assembleia-Geral da ONU de 2016 reiterando os termos da resolução 478.

Bolsonaro já havia afirmado durante a campanha que faria a mudança. Mas, após a eleição, alguns de seus colaboradores informaram que ele havia recuado. No entanto, o presidente eleito reafirmou a ideia em uma entrevista concedida ao jornal israelense Israel Hayom e publicada na quinta.

"Podem contar com nossos votos na ONU. Sei que o voto é muitas vezes quase simbólico, mas ajuda a definir a posição que um País pretende tomar", declarou o futuro mandatário ao jornal. "Fique tranquilo de que podem contar com nossos votos na ONU em quase todas as questões que envolvem Israel", complementou o ex-capitão da reserva.

O jornal tem posição favorável ao primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu., que deverá vir para a cerimônia de posse de Bolsonaro, segundo informou um funcionário de seu gabinete à AFP. (COLABORARAM: PAULO BERALDO E CAIO RINALDI. COM AFP)