Nas semanas anteriores ao 24 de março de 1976, representantes dos militares argentinos informaram os governos de países vizinhos controlados por ditaduras militares, como Chile e Brasil, que Estados Unidos e as Forças Armadas estavam se preparando para o golpe militar que derrubaria o governo da presidente civil María Estela Martínez de Perón (1974-76) - Isabelita, a impopular viúva do general Juan Domingo Perón. No dia 12 daquele mês, um alto funcionário do Itamaraty recebeu um telegrama secreto de um chefe da inteligência naval argentina, que prevenia o governo brasileiro com antecedência sobre o golpe, segundo uma série de telegramas revelados pelo governo brasileiro a pedido da agência Reuters. Os próprios habitantes do país sabiam que o golpe era iminente. Uma semana antes do golpe (apenas sete dias depois do telegrama secreto do embaixador brasileiro João Batista Pinheiro informando o governo do presidente Ernesto Geisel), os jornais portenhos não tinham pruridos em colocar manchetes como "O fim está próximo" e "Já está tudo definido". Na ocasião analistas políticos especulavam abertamente como seria o novo governo e até apostavam datas para o golpe, como se fosse um jogo da loteria. Documento do Itamaraty Procurados pelo Estado, representantes do governo argentino e especialistas sobre o golpe relativizaram o documento desclassificado pelo Itamaraty. Segundo eles, há muitos anos "era uma obviedade" que os militares argentinos haviam informado a Ditadura brasileira na época. Maria Seoane, autora da primeira biografia realizada na Argentina sobre o general Jorge Rafael Videla, El Dictador (O Ditador) e diversos outros livros sobre o período ditatorial e a guerrilha, disse ao Estado que o mérito do documento do Itamaraty é que "aparece claramente uma notificação de que ia ocorrer o golpe. Uma notificação, no entanto, informal, pois refere-se a um chefe da inteligência naval, Lorenzo de Montmollin, que em uma conversa com um representante oficial do governo brasileiro, neste caso, o embaixador, o informou que o golpe ocorreria em poucos dias". Seoane afirmou que o governo dos EUA já havia sido avisado, e que o embaixador americano na época, Robert Hill, bem como o núncio apostólico, monsenhor Pio Laghi, estavam por dentro dos bastidores da preparação da derrubada de Isabelita. "Além disso, o Exército argentino havia dado, publicamente, um ultimato ao governo de Isabelita em dezembro de 1975...e o prazo acabava em março de 1976. Em fevereiro de 1976 a decisão do golpe já estava tomada. E também antes do golpe já estavam em contato com a inteligência brasileira e chilena de forma clandestina para acertar os detalhes da repressão conjunta que depois ficou conhecida como o Plano Cóndor". Segundo a escritora e jornalista, o informante, o capitão de navio Lorenzo de Montmollin, havia sido designado chefe da inteligência da Marinha poucos meses antes. Ele era o homem de confiança do almirante Emilio Massera, que faria parte da primeira Junta Militar (e se tornaria na figura mais macabra da Ditadura, ao criar o campo de torturas da Escola de Mecânica da Armada, a ESMA). Brasil relativiza documento Fontes do Ministério da Defesa também relativizaram a importância do documento. Elas disseram ao Estado que não tinham comentários oficiais a fazer sobre o assunto, já que tratava-se de um documento que não era argentino: "é um documento brasileiro, o relato de uma conversa que o embaixador do Brasil teve aqui com uma pessoa das Forças Armadas na época. Com certeza esse tipo de contatos estavam acontecendo semanas antes do golpe". Na próxima semana, a Argentina será o cenário de centenas de cerimônias que recordarão o golpe militar e as vítimas da repressão nos sete anos de ditadura. No sábado, dia 24, o presidente Néstor Kirchner realizará uma homenagem aos 30 mil civis argentinos assassinados pelos militares no terreno do antigo campo de concentração de La Perla, na província de Córdoba. Com Reuters