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Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião|Desastres naturais têm consequências políticas, mas o efeito é complexo e com muitos condicionantes

Eventos incontroláveis, como no Rio grande do Sul, prejudicam as chances de reeleição de governantes, mas também que podem ser oportunidades para respostas competentes que o beneficiariam politicamente

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Atualização:

Os últimos dias têm sido marcados por terríveis cenas de destruição provocadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. Os impactos para a população afetada são evidentes.

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Mas quais são os impactos políticos desses desastres naturais, especialmente para governantes no exercício de seus mandatos?

Desastres naturais são eventos exógenos, às vezes de grande magnitude, com consequências imediatas e com potencial de alterar significativamente a vida dos cidadãos. Embora estejam “fora do controle”, as respostas a estes acontecimentos ou mesmo a sua prevenção é da responsabilidade dos governantes de plantão.

Governador Eduardo Leite recepciona Presidente Lula e comitiva, na Base Aérea de Canoas, em meio ao desastre no Rio Grande do Sul Foto: Tonetto / Secom

Existem evidências de que eventos incontroláveis, como desastres naturais, prejudicam as chances de reeleição de governantes. Mas também podem ser oportunidades para respostas competentes de incumbentes a crises por eles geradas, que podem beneficiá-los politicamente.

Kevin Stout no artigo “Weathering the Storm: Conditional Effects of Natural Desasters on Retrospective Voting in Governatorial Elections”, mostra que desastres são eventos especiais que geram informação para que os eleitores avaliem o desempenho dos governantes (voto retrospectivo). Os líderes têm a oportunidade de demonstrar competência e ser recompensados pelos eleitores. Líderes incompetentes, entretanto, tendem a enfrentar punição eleitoral por sua incapacidade de responder adequadamente a tais crises.

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As consequências eleitorais de um desastre natural operam em duas frentes principais: as expectativas dos eleitores e a estratégia de comunicação do governante. Políticos bem avaliados elevam expectativas de bom desempenho, o que contribui com o aumento paradoxal das demandas por melhor desempenho. Em outras palavras, eleitores esperam mais de governantes considerados mais capazes. Em um contexto de desastre natural com alta severidade, atingir esse sarrafo mais elevado pode ser difícil, afundando uma reputação antes sólida.

Por outro lado, governantes considerados fracos e incompetentes pelos eleitores e, portanto, com baixas expectativas quanto ao seu desempenho, podem ver suas avaliações melhorarem ao atuarem diligentemente em situações de crise. Pequenos ganhos de performance podem ser suficientes para surpreender positivamente os eleitores aumentando as chances eleitorais do governante antes considerado incompetente.

O ponto central é que uma “boa performance” ou “resposta satisfatória” diante de um desastre natural é sempre relativa às crenças e expectativas que os eleitores já possuíam previamente. Nem mesmo desastres naturais estão desconectados dessa dinâmica política.

A segunda faceta é a da comunicação política. Governantes podem lidar publicamente com a culpa de diversas maneiras, como transferi-la entre esferas de governo (culpar os prefeitos pela falta de prevenção, ou o governo federal pelo não envio imediato de assistência), a aceitá-la parcialmente. Também pode majorar o desastre a fim de diminuir a parcela de responsabilidade atribuída ao próprio governante. Por exemplo, o governante pode comparar o desastre natural com outros desastres, demonstrando que sua severidade excedeu quaisquer previsões, portanto se eximindo de culpa pelo alto custo humanitário.

Em sua tese de doutorado, intitulada “The Floodgates of Blame: how incumbent accounts shape blame attribution in Brazil”, Matheus Cunha (UFPE) encontra evidência que a transferência de culpa tende a não ser efetiva. Mas ele chama a atenção de que esse resultado depende da polarização do ambiente político. Em um ambiente polarizado, qualquer estratégia de comunicação é efetiva em favor do incumbente para aqueles que o apoiam.

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Matheus também encontra uma diferença significativa baseada na sofisticação dos eleitores. Eleitores mais sofisticados reagem mais favoravelmente a tentativas de benchmarking; ou seja, alegações de que os eventos foram de grande magnitude... muito maior do que em qualquer outro lugar ou momento. O eleitor menos sofisticado só reage favoravelmente ao governante quando o político decide assumir parte da culpa, parecendo assim mais íntegro.

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O Rio Grande do Sul tem dois elementos interessantes: o governador é bem avaliado e bastante popular, pelo menos até antes do desastre. Isso implica expectativas altas de seu desempenho, o que, teoricamente, seria ruim pra ele numa situação de desastre natural. Mas, se a popularidade do governador se sobrepõe à polarização dos que aprovam e desaprovam o governo municipal ou o governo federal, tentar transferir a culpa pode funcionar.

John Gasper e Andrew Reeves, no artigo “Make it rain? Retrospection and the Attentive Electorate in the Context of Natural Disasters”, mostram que os eleitores punem presidentes e governadores por danos climáticos severos. No entanto, argumentam que estes efeitos são ofuscados pela resposta dos eleitores mais atentos às ações de seus governantes. Quando o presidente rejeita um pedido do governador de assistência federal, o presidente é punido e o governador é recompensado nas urnas. Para os autores, o eleitorado é capaz de separar eventos aleatórios de respostas governamentais e atribuir ações com base nos papéis definidos tanto pelo executivo estadual como pelo federal.

Existe um terceiro elemento a ser considerado: o timing. Como as próximas eleições só serão em 2026, é possível que poucos eleitores votem levando em consideração a terrível tragédia que estamos observando hoje, pois o efeito do desastre climático na memória dos eleitores gaúchos tende a se apagar com o tempo.

Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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