Não é de hoje que governantes se utilizam de inverdades como estratégia de mobilização política.
O ex-presidente dos EUA George W. Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001, alegou que o Iraque possuía armas de destruição em massa e que o governo de Saddam Hussein abrigava e financiava organizações terroristas. Nenhuma dessas acusações foram comprovadas. Mas foram fundamentais para mobilizar e galvanizar apoio político da população americana e adesão internacional à invasão do Iraque em 2003.
Em junho de 1940, logo após a rendição da França, o Reino Unido decidiu continuar a luta contra Hitler, apostando na futura entrada da URSS e dos EUA na guerra. Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido, imediatamente mobilizou a população britânica para se preparar para resistir à invasão alemã por mar.
Acontece que uma invasão dos alemães cruzando o canal da Mancha era extremamente improvável. A esquadra britânica, que era muito maior do que a alemã, estava intacta e pronta para atacar as balsas que carregariam soldados invasores.
A decisão de invadir, portanto, era arriscadíssima. Tinha tudo para ser um fiasco. Era muito improvável que Hitler desse um passo tão incerto, o que tornava a sua ameaça de invasão não crível.
Mas a mobilização da população contra a improvável invasão foi fundamental para manter o moral dos ingleses em alta. Contribuiu para calar vozes internas dissonantes. Além do mais, ajudou a convencer os EUA a fazer o Land Lease, programa através do qual os americanos forneceram ao Reino Unido e aliados europeus recursos, armas e suprimentos.
Churchill fez uma grande jogada de marketing, coisa de um mestre da política.
A ameaça de golpe de Bolsonaro tem se traduzido na maior de todas as muitas fake news que o bolsonarismo jogou no ar e que tem sido reverberada pelo lulismo. Nenhuma outra fake news convenceu tanta gente. Bolsonaro diz que pode haver um golpe na “salinha escura”. Já a oposição diz que pode haver golpe não se sabe lá como... Ambas são fake news. Mas se observarmos de forma desapaixonada, Bolsonaro não tem as mínimas condições políticas nem institucionais para gerar qualquer retrocesso à democracia brasileira.
Mas essa falsa ameaça de golpe, embora não crível, tem servido aos propósitos de perpetuar a polarização política. Bolsonaro usa a retórica da fragilidade das urnas eletrônicas para mobilizar sua base. Já a oposição usa a retórica do golpe para agregar eleitores receosos de quebras institucionais em torno da insossa e envelhecida candidatura de Lula. Quem perde é o país que não considera alternativas à polarização e não discute temas mais relevantes na campanha eleitoral.
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