PUBLICIDADE

Governo Lula burla regra e trava acesso a documentos sensíveis de ministérios

CGU engaveta pedidos há mais de um ano e repete comportamento da pasta durante os anos de Bolsonaro ao impor sigilo em informações ; ministério afirmou à reportagem que processos estão sem respostas para a realização de estudos e por ‘estender a fronteira da transparência’

Foto do author Weslley Galzo
Por Weslley Galzo
Atualização:

BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva engavetou por tempo indeterminado ao menos 49 pedidos de informação apresentados por cidadãos por considerar as demandas sensíveis demais para receber respostas no prazo padrão de dois meses. Os processos estão parados na Controladoria-Geral da União (CGU).

Constam na lista casos que podem obrigar o Exército a liberar códigos de rastreamento de munições compradas pelas Polícias e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) a informar se aplicou sanções a clientes que violam normas socioambientais da instituição. Procurada, a pasta afirmou que os processos estão sem respostas para a realização de estudos e por “estender a fronteira da transparência”.

Controladoria-Geral da União engaveta pedidos de informação que ficam mais de um ano sem resposta Foto: CGU

PUBLICIDADE

Um despacho da CGU tem o poder de contrariar decisões de outros ministérios. Quando um cidadão demanda respostas de órgãos públicos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e não é respondido como gostaria, ele pode recorrer à Controladoria, a quem caberá analisar o caso e decidir se o pedido merece ser atendido ou não.

A pasta, no entanto, deixou dezenas desses processos sem um parecer. Dez desses casos estão travados há mais de um ano. A CGU informou aos solicitantes que precisaria de mais tempo para analisar o pedido, porém nunca mais os atualizou sobre o status atual do procedimento.

Ainda na gestão do presidente Michel Temer, a CGU passou a adotar prazo de 60 dias para se posicionar sobre recursos de cidadãos que têm seus pedidos negados por ministérios e órgãos do governo federal. A pasta se ampara num decreto que determina que todos os ministérios e órgãos federais “apresentarão resposta conclusiva às manifestações recebidas no prazo de trinta dias, contado da data de seu recebimento, prorrogável por igual período mediante justificativa expressa, e notificarão o usuário de serviço público sobre a decisão administrativa”. Contudo, a Controladoria tem descumprido esse regramento sem apresentar as razões para tal.

A LAI não admite a adoção de critérios políticos para a concessão de informações. A lei, que entrou em vigor em maio de 2012, criou regras para obrigar o Poder Público a responder os pedidos de cidadãos franqueando acesso aos dados e documento solicitados.

A legislação veda a realização de filtros nos dados solicitados. Ou seja, não existe na LAI dispositivo que autorize o governo a retardar a resposta apenas por considerar um pedido “sensível”. O artigo 32 define como “condutas ilícitas” do agente público se recusar a fornecer informação requerida, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa.

Publicidade

Um dos pedidos sem resposta foi apresentado pelo Instituto Sou da Paz à CGU em maio de 2023. A ONG que monitora o tema de segurança pública solicitou ao Exército uma lista com todos os códigos de rastreabilidade de munições no período de janeiro de 2004 a fevereiro de 2023. Esse tipo de material é marcado pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) com os dados de rastreio antes de saírem da fábrica. A demanda também exigia o compartilhamento dos nomes dos compradores para identificar, por exemplo, quais órgãos de Polícia detêm cada tipo de munição em circulação no País.

O gerente do Sou da Paz e responsável pelo pedido de informação, Bruno Langeani, explica que a obtenção dos dados é importante para que a sociedade civil possa fazer o controle dos destinos dados às munições.

O Exército respondeu à demanda inicial do Instituto apenas com os códigos dos lotes de munição adquiridos pela própria corporação em vez de compartilhar os dados de todas as compras realizadas no País. A Força Terrestre é responsável pelo controle de munições no País, portanto detém as informações solicitadas. Os militares se recusaram a atender a demanda, o que fez o caso parar na CGU, onde permanece até hoje.

“Na prática, a gente está sem nenhuma informação desde maio do ano passado. Esse é o período em que a gente não recebeu nenhuma informação nova desse julgamento”, explicou Langeani. “Ter essa informação (sobre munições) ajuda a evitar desvios de recursos públicos. Cada vez que essa munição é desviada, a gente está falando de desvio de recursos do Estado que foram destinados para a promoção da segurança pública, mas que muitas vezes são usados para gerar crimes e insegurança”, afirmou.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A CGU informou ao Instituto Sou da Paz, em maio do ano passado, mês em que o recurso foi apresentado, que precisaria estender o prazo padrão de dois meses para resolver o caso. Porém, passados onze meses, os autores do pedido de informação seguem sem respostas. Langeani avalia que o pedido feito pela ONG não demanda tanto tempo de análise e que a falta de resolução “tem mais a ver com o destinatário do pedido, que é o Exército brasileiro”.

“Especificamente sobre esses pedidos relacionados à Defesa, (a demora) pode ter a ver com a postura do governo como um todo frente aos militares de não ter um posicionamento civil, especialmente do ministro da Defesa e de outras lideranças, que bata o pé para que a transparência seja válida para qualquer Ministério”, disse.

A CGU, por sua vez, argumentou em nota que “os julgamentos (dos pedidos de informação) estão suspensos para a realização de estudos que englobam a melhor literatura especializada, precedentes e jurisprudência”.

Publicidade

O Ministério argumenta que os processos sem respostas “são casos sem jurisprudência definida ou com divergência entre o posicionamento da CGU e entendimentos consolidados, contrários ao acesso à informação, baseados em interpretações legais”. Ou seja, são procedimentos relacionados a temas sensíveis que dividem a CGU e o órgão detentor pelos dados.

CGU sob Lula repete práticas da gestão Bolsonaro

Como mostrou o Estadão, a CGU sob Lula repetiu o comportamento da pasta durante os anos de Bolsonaro no Palácio do Planalto e impôs sigilo de 100 anos a 1.339 pedidos de informação. A Controladoria alegou à reportagem que as informações foram ocultadas porque continham dados pessoais. As demandas negadas vão desde visitas à primeira-dama Rosângela Silva, a Janja, à ficha funcional do tenente-coronel Mauro Cid.

Lula explorou durante a campanha presidencial de 2022 a falta da transparência do governo Bolsonaro. O atual presidente prometeu acabar com a prática de sigilos de 100 anos intensificada pela gestão anterior. O dispositivo está previsto desde a sanção da Lei de Acesso à Informação (LAI), em novembro de 2011 – apesar de o fato negativo ser atribuído por Lula a seu antecessor.

“Qualquer pessoa podia saber o que acontecia no nosso governo. Agora, o Bolsonaro, não. O Bolsonaro dizia que não tem corrupção, mas decreta sigilo de 100 anos para qualquer denúncia contra ele. Decreta sigilo de 100 anos para o filho, para os amigos, para o Pazuello. Nada dele é investigado. Toma aqui 100 anos, para quando ele não existir mais”, disse Lula a uma rádio do interior de São Paulo, em junho de 2022.

Veja exemplos de processos sem respostas:

- Solicitação de informações sobre os custos totais, pareceres, memorandos, notas técnicas e a íntegra do processo administrativo que culminou na campanha do governo federal contra as fake news em 2023;

- Solicitação de planilha listando todos os processos administrativos instaurados e já finalizados contra oficiais generais na ativa ou na reserva nos últimos 10 anos;

- Solicitação de informações registradas no Cadastro Ambiental Rural;

Publicidade

- Solicitação de documentos que fundamentaram a publicação de medidas provisórias e a realização de vetos e sanções presidenciais de leis;

- Solicitação dos gastos com voos oficiais requisitados por integrantes dos ministérios do Poder Executivo, por mês, de janeiro de 2015 a julho de 2023.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.