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Coluna do Estadão

| Por Roseann Kennedy

Roseann Kennedy traz os bastidores da política e da economia, com Eduardo Gayer e Augusto Tenório

Por que o PT escolheu um ‘terraplanista econômico’ para o IBGE

Confirmação de Marcio Pochmann para a presidência do órgão expôs a ministra Simone Tebet, que foi a última a saber

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Por Roseann Kennedy e Augusto Tenório
Atualização:

A confirmação do economista Marcio Pochmann para a presidência do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística repercutiu negativamente em setores liberais da economia. Fortemente ligado à ala mais à esquerda do PT, o atual presidente do Instituto Lula é um desenvolvimentista que defende aumento de gastos públicos e causa preocupação em relação à responsabilidade fiscal.

Economista Marcio Pochmann 23/08/2018 Foto: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/FOTOARENA

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O economista Alexandre Schwartsman, que já foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central, avalia que a escolha para o IBGE é mostra de aparelhamento do Estado. Ele questiona a qualificação profissional de Pochmann e critica suas teses.

“Ele é intelectualmente desonesto. Postou mensagem nas redes sociais atacando o pix, ‘instrumento de financeirização da economia’. Em outro Twitter, disse que, se cobrasse imposto sobre fortuna, zerava o déficit. Mas, não chegaria nem perto. Ele tem um interesse político claro, e o coloca à frente da análise econômica”, atacou.

Schwartsman avalia que a indicação tira credibilidade do IBGE. “Passamos a desconfiar dos números de inflação, do PIB. Ele pode trocar o quadro técnico que faz esses cálculos. Um cara que tem missão política e não tem interesse de produzir estatística”, afirmou.

Um dos diretores do grupo Livres, Mano Ferreira, ratifica o entendimento. “A indicação de Marcio Pochmann ataca a credibilidade do IBGE, submetendo dados fundamentais para o planejamento de políticas públicas ao comando de um terraplanista econômico, capaz de ver no PIX o delírio de um processo neocolonial””, acrescenta Ferreira.

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Para ele, a escolha também enfraquece a linha moderada do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e corrói a autoridade da ministra do Planejamento, Simone Tebet. “Quebra-se a promessa de que ela teria autonomia na montagem da equipe”, destacou. O IBGE é ligado à Pasta comandada por Tebet, mas ela teve encontro na véspera com o presidente Lula e depois afirmou à imprensa que não foi consultada e nem tratou sobre a presidência do órgão.

Histórico

Atualmente, Marcio Pochmann é presidente do Instituto Lula. Antes, ele comandou a Fundação Perseu Abramo, também foi secretário do Desenvolvimento da Prefeitura de São Paulo de 2001 a 2004, na gestão Marta Suplicy (PT). O economista presidiu o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2007 a 2012, durante as gestões petistas no governo federal. Em 2014, foi candidato pelo PT à Prefeitura de Campinas, ficou em terceiro lugar na disputa, na qual Jonas Donizette (PSB) foi reeleito.

Política econômica do PT

No ano de 2018, Marcio Pochmann foi apresentado pelo PT como o coordenador das propostas econômicas da campanha presidencial da sigla. Ele foi inclusive o nome indicado pelo partido para uma sabatina feita no Estadão com os representantes setoriais das campanhas. Curiosamente, dias depois, o indicado pela legenda para outra entrevista na TV Cultura foi Ricardo Carneiro. A leitura, à época, foi que o candidato Fernando Haddad preferia distanciar-se das ideias mais radicais de Pochmann.

Na campanha de 2022, os coordenadores da área econômica do programa de Lula foram Aloizio Mercadante e Guilherme Mello. Pochmann foi escalado, posteriormente, para a equipe de transição de governo, quando Lula desistiu da escolha do ex-ministro Guido Mantega, que era fortemente criticado por sua gestão econômica durante o governo Dilma Rousseff.

Comemoração no PT

Antes mesmo da confirmação oficial de Marcio Pochmann para o IBGE, a presidente do PT comemorava. “Intelectual histórico, Pochmann tem um olhar aguçado para as pesquisas na área social, é um democrata que pensa um Brasil mais justo. Em tempos de profunda desigualdade, é a escolha ideal para o cargo”, disse Gleisi Hoffmann no Twitter.

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Na manhã desta quarta-feira, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE teve reunião. “O que podemos falar é que no governo Bolsonaro houve intervenção política no processo técnico, Pochmann se manifestou contrário. Isso é importante. Dialogamos durante a transição, ele pareceu ser aberto a diálogo no entendimento dos problemas do Instituto”, afirmou o diretor sindical Bruno Perez.

Outras correntes econômicas

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A economista Carla Beni, professora de MBA da FGV, elogiou a escolha de Pochmann e descartou a hipótese de manipulação de dados no IBGE. “Ele tem reconhecimento na Unicamp e tem carreira acadêmica importante. Como escolha técnica é excelente, não tem o que falar. O fato de ele ser de esquerda, é natural que o PT fizesse, ele é um nome de destaque da esquerda... Um presidente do IBGE não consegue fazer uma alteração nas metodologias de cálculo. Nenhum servidor colocaria sua carreira em risco”, disse.

O economista e pesquisador da Unicamp, Felipe Queiroz, também destacou a solidez do IBGE e desqualificou as críticas dos que pensam diferentemente de Pochmann. “Se você tem uma posição antagônica, desqualifica-se o trabalho somente pela posição diferente. É um argumento raso e de má fé. No meio acadêmico não vejo seu nome circulando como economista menor, de baixa qualidade ou desrespeitado. Outro ponto é que o IBGE é uma instituição sólida, com corpo técnico reconhecido nacionalmente e internacionalmente. A estrutura organizacional não se altera pela indicação de uma pessoa, ela tem uma solidez e perenidade”, concluiu.

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