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Como Mauro Cid vendeu ilegalmente Rolex dado a Bolsonaro por monarca árabe: ‘Nunca foi usado’

Documento obtido pela Polícia Federal mostra que dois relógios do acervo presidencial foram vendidos por US$ 68 mil em junho de 2022. Após reportagens do Estadão, equipe do ex-presidente se mobilizou para recomprar produtos neste ano

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Por Daniel Haidar
Atualização:

BRASÍLIA — O Estadão revelou em março que o ex-presidente Jair Bolsonaro havia retirado do acervo do Palácio do Planalto um terceiro pacote de joias presenteadas pelo rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud, em viagem oficial realizada em outubro de 2019. Uma operação da Polícia Federal e e-mails trocados por auxiliares do ex-presidente mostram que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e ex-faz-tudo de Bolsonaro, vendeu um dos itens mais valiosos desse pacote, um Rolex cravejado de diamantes, ainda em junho de 2022, durante uma viagem oficial aos Estados Unidos. As mensagens, obtidas pelo Estadão, estavam nas caixas de e-mails enviadas à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro.

Esse conjunto de joias, dados pela Arábia Saudita em 2019, foi incorporado ao acervo presidencial, mas Cid retirou esse “kit ouro branco”, como foi chamado pelos investigadores, em 6 de junho do ano passado, de acordo com um e-mail enviado para o tenente Osmar Crivelatti, outro militar da ajudância de ordens na equipe de Cid. Depois de retirar do acervo o Rolex de diamantes, um anel, um conjunto de abotoaduras e um rosário islâmico, Cid levou essas joias no avião presidencial em uma viagem para os Estados Unidos, onde Bolsonaro participou da Cúpula das Américas, em Los Angeles, na California.

Relógio Rolex, cravejado por diamantes, foi retirado do acervo presidencial e vendido nos Estados Unidos por Mauro Cid, ex-faz-tudo de Jair Bolsonaro, em junho de 2022 Foto: Reprodu

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Depois que Cid teve computador e telefone celular apreendidos em outra operação da Polícia Federal no começo de maio, investigadores rastrearam dados que mostram que Cid ficou nos Estados Unidos até 21 de junho e que vendeu o Rolex, acompanhado de outro relógio da marca Patek Phillipe (omitido do acervo presidencial), na loja Precision Watches, na cidade de Willow Grove, na Pensilvânia, no dia 13 de junho. Um recibo recuperado pela PF mostra que os dois relógios foram vendidos por US$ 68 mil, o que correspondia a quase R$ 350 mil na data da venda. O dinheiro da transação foi depositado em uma conta do general Cesar Lourena Cid, o pai de Mauro Cid, que era servidor aposentado do Exército e na época chefiava o escritório de Miami da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

A venda dos relógios foi antecedida por um levantamento solicitado pelos ajudantes de ordens ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), onde presentes recebidos por chefes do Estado brasileiro devem ser registrados e mantidos. No dia 2 de junho, pouco antes da viagem de Cid e Bolsonaro aos Estados Unidos, o tenente Cleiton Holzschuk recebeu por e-mail uma lista com 37 relógios (alguns de pulso, outros de parede e mesa), presenteados a Bolsonaro. A Polícia Federal investiga se Bolsonaro e Cid montaram um esquema para desvio de bens recebidos na condição da presidente da República, para enriquecimento privado. Os policiais citaram que Bolsonaro recebeu em sua conta bancária depósitos que podem ter sido lucros da venda dessas joias. A operação Lucas 12:2 deflagrada nesta sexta-feira, 11, foi a primeira etapa dessa investigação, em que outros três conjuntos de presentes também foram supostamente desviados e colocados à venda.

No caso do Rolex, uma mensagem mostra que ele tentou achar compradores ainda antes de seguir para os Estados Unidos em junho do ano passado. No dia 6 de junho, Cid recebeu um e-mail de Maria Farani Rodrigues, então secretária-executiva do gabinete pessoal de Bolsonaro, em que ela copiava, em inglês, a resposta de um possível comprador: “Quanto você espera ganhar por esse item?”.

Por e-mail, Mauro Cid informou preço de US$ 60 mil para comprador interessado em Rolex retirado do acervo presidencial Foto: REprod

Cid então responde que o Rolex foi dado em viagem oficial e que queria vendê-lo por US$ 60 mil. Dizia ainda ao interessado: “Posso certificar que o relógio nunca foi usado”. Não é possível identificar nesse e-mail quem era o comprador envolvido na negociação. Procurada pelo Estadão, Maria Farani Rodrigues informou que não soube o desfecho da negociação e que só ajudou Cid por falar inglês.

“A pedido de Mauro Cid, por falar inglês, realizei uma pesquisa na internet para identificar possíveis compradores de relógio. Apenas enviei os e-mails e, ao receber respostas, retransmiti ao endereço eletrônico de Mauro Cid. Não tive conhecimento do desfecho de uma eventual negociação”, afirmou Maria ao Estadão.

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A Polícia Federal apurou neste ano que Cid, outros militares e até o advogado Frederick Wassef, defensor de Bolsonaro, foram mobilizados em uma “operação” para recomprar e recuperar os relógios vendidos ilegalmente e as joias colocadas à venda, depois das reportagens do Estadão sobre as tentativas de Bolsonaro de ficar com joias presenteadas pelo regime saudita em 2021 e sobre o kit do Rolex presenteado em 2019, incorporado e retirado do acervo presidencial.

De acordo com a Polícia Federal, Wassef viajou para os Estados Unidos e recuperou o Rolex no dia 14 de março. Cid também recuperou outras joias em 27 de março. Os dois se encontraram em 2 de abril em São Paulo. As joias foram devolvidas posteriormente para o governo federal em uma agência da Caixa Econômica Federal, em uma entrega feita por Crivelatti, que ainda faz parte da equipe de Bolsonaro.

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