'Deixa o cara governar, pô!', afirma Mourão

Vice-presidente diz não identificar hoje nenhum adversário capaz de derrotar o presidente Jair Bolsonaro

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Foto do author Vera Rosa
Vice-presidente, general Hamilton Mourão Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

BRASÍLIA - O vice-presidente Hamilton Mourão é um leitor voraz. Aos 67 anos, recuperado de covid-19, o general está lendo nove livros, entre eles Capitalismo na América, de Alan Greenspan e Adrian Wooldridge, que conta a história do desenvolvimento dos Estados Unidos. Mas não acha que o presidente Jair Bolsonaro terá o mesmo destino de Donald Trump, que, a poucos dias de deixar a Casa Branca, viu o segundo pedido de impeachment aprovado pela Câmara.

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“Não vejo hoje que haja condição de prosperar qualquer pedido de impeachment contra o presidente Bolsonaro”, disse ele ao Estadão, na sexta-feira, 15, bem antes dos panelaços daquela noite. "Aqui no Brasil qualquer coisa é impeachment, né? Deixa o cara governar, pô!"

Apesar do colapso do sistema de saúde em Manaus e do atraso na vacinação, Mourão avaliou que a condução da crise “talvez” tenha pecado por falta de comunicação e criticou o governador de São Paulo, João Doria, que, para ele, acabou “metendo os pés pelas mãos” no caso da Coronavac.

Filiado ao PRTB, o general defendeu a aliança do Planalto com partidos carimbados por Bolsonaro como “velha política”, na campanha de 2018. “Não tem como fugir do Centrão”.

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Como enfrentar a tragédia de Manaus, onde pacientes estão morrendo sem oxigênio?

Todo mundo dá pitaco sobre a Amazônia sem nunca ter pisado lá. Existem distâncias envolvidas enormes e uma desconexão com a área central do Brasil. Você só chega a Manaus de barco ou avião. Aí quando se fala em asfaltar a BR-319, porque é a única ligação terrestre de Manaus com o resto do País, (dizem) ‘Oh, céus, será a destruição da floresta’. Mas esquecem os milhões de pessoas que moram lá. Não tem UTI no interior do Amazonas.

O sr. já teve covid. Após a doença, em algum momento considerou que o governo possa ter errado na condução da pandemia?

O governo procurou trabalhar nas três grandes curvas: da saúde, da economia e a social. Fomos muito criticados, mas o tratamento precoce impede que a pessoa adquira sintomas mais graves e vá para o hospital, independentemente de discutir se é o remédio A, B ou C. Talvez (pudesse ter tido) uma comunicação mais eficiente. Todo mundo diz que tal lugar começou a vacinar. Mas quantos se vacinaram nesses locais? O único país que realmente está em uma fase final de vacinação é Israel. Mas qual é a população de Israel? Menor que a da capital de São Paulo.

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O governador João Doria tem feito fortes críticas ao presidente e há uma corrida para ver quem vacina primeiro. O combate à pandemia virou propaganda para a eleição de 2022?

O governador Doria virou garoto-propaganda da vacina e acabou metendo os pés pelas mãos. Apareceu na TV para dizer que a vacina tinha um valor ‘x’ de eficácia, quando não era verdade. Em nenhum momento ele compareceu para se retratar. Isso não revela boa gestão.

A relação entre o sr. e o presidente tem altos e baixos. Ele disse que não quer mais o sr. na chapa, se disputar a reeleição?

Em nenhum momento ele abordou comigo esse assunto.

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Qual é o seu plano político? Pretende concorrer ao Senado?

O plano é ir para casa. Por enquanto, não tem essa história de Senado.

Mas o sr. gostaria de ser candidato a vice novamente?

Se o presidente for concorrer à eleição e julgar que a minha presença junto com ele soma, eu estou pronto para participar desse processo.

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O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, articula um bloco de partidos para tentar derrotar o presidente. Quem será o maior adversário do governo?

Hoje eu não vejo adversário para o presidente Bolsonaro. O que é mais destacado como concorrente é o governador Doria, mas eu julgo que o presidente continua vencendo. Talvez o pior opositor para nós mesmos seja não conseguir realizar o que temos de realizar.

E Luciano Huck?

Acho que Luciano Huck é fogo de palha. Na hora H, sai fora.

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Que projetos precisam ser aprovados pelo Congresso para ajudar a economia?

A PEC emergencial (proposta de emenda à Constituição para ajustar as contas públicas) tem de sair. Também é preciso levar adiante a reforma tributária. Precisamos adiantar essas pautas e acho que o Congresso será sensível a isso.

Há mais de 50 pedidos de impeachment contra Bolsonaro na Câmara. O sr. não teme que, diante dessa crise, ele sofra o mesmo processo que Donald Trump enfrenta nos EUA?

Não vejo hoje que haja condição de prosperar qualquer pedido de impeachment contra o presidente Bolsonaro, o mais atacado, ao longo dos últimos anos. Desde o dia anterior à posse o tiroteio já era grande em cima dele. Quantos pedidos de impeachment o Sarney, o Fernando Henrique, o Lula tiveram? Só a Dilma, coitada, é que não conseguiu sobreviver. E o Collor, obviamente. Aqui no Brasil qualquer coisa é impeachment, né? Deixa o cara governar, pô! Os pesos e contrapesos do nosso sistema democrático são mais do que suficientes para barrar qualquer tentativa de um governante de sair do leito da Constituição.

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A aproximação cada vez maior do Planalto com o Centrão não contradiz o discurso de campanha, que era de combate à velha política e ao toma lá, dá cá?

Não vejo dessa forma. No começo, o governo buscou o relacionamento com o Congresso na base das bancadas temáticas. Mas as frentes parlamentares votam junto apenas para assuntos específicos. Aí chegou-se à conclusão que era necessário reunir um grupo de partidos que apoiassem as pautas principais do governo. E qualquer reunião de grupos de partido, no Congresso que temos hoje, passa pelo Centrão. Não tem como fugir do Centrão.

O presidente declarou apoio a Arthur Lira, líder do Centrão, para presidir a Câmara. Isso não é prejudicial, já que, se Lira perder, a derrota será do governo e quem ganhar poderá virar adversário no Congresso?

O presidente sempre diz que melhor que se omitir é tomar uma decisão. Ele tomou a decisão de apoiar o deputado Arthur Lira. Por outro lado, não vejo que o candidato Baleia Rossi seria prejudicial ao governo. É um parlamentar equilibrado, de centro, que tem visão correta dos problemas nacionais.

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No Senado as relações com o governo não estão tão tensas quanto na Câmara, não é?

No Senado temos Rodrigo Pacheco versus Simone (Tebet). Os dois são de centro. É uma eleição muito tranquila. A Câmara é mais complicada pelo elevado número de parlamentares. Há grande fragmentação.

Mas também há o embate entre Bolsonaro e Maia...

O deputado Rodrigo Maia ataca muito frontalmente o presidente, inclusive com palavras fora do tom, chamando-o de covarde, mentiroso.

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Na reforma ministerial prevista para depois das eleições no Congresso, em fevereiro, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, entrará na equipe de governo?

O presidente não me comunica essas mudanças que ele faz. Essa decisão é tomada ali no círculo dos assessores mais próximos.

Depois que Trump foi banido das redes sociais, Bolsonaro e ministros migraram para o Telegram. O sr. também aderiu?

Eu não dou bola para isso, não. Até porque olho para aquele troço (WhatsApp) todo dia e, em qualquer momento que pego meu celular, está com 999 mensagens. Paradas (risos). Eu fui do Telegram quando o pessoal do grupo da minha turma era do Telegram. Depois eles migraram para o WhatsApp, eu fui para o WhatsApp. Agora, o silenciamento que foi feito do presidente Trump, para mim, é incoerente. Se algumas manifestações dele são radicais, existem outras pessoas que usam as mídias também para manifestações radicais e que não foram silenciadas pelos magnatas dessas plataformas. Nem o Zuckerberg nem o Jeff Bezos têm mandato para silenciar as pessoas. A lei tem de chegar para eles também.

Com a posse de Joe Biden nos EUA, a política externa vai mudar?

Bismarck, no século 19, dizia que, quando existem cinco potências dominantes, é importante que você esteja alinhado com três. Hoje, há duas potências dominantes (EUA e China), que estão se digladiando. Então, nós temos que saber nos posicionar, com pragmatismo. Não é uma questão de ligação pessoal. É uma questão do Estado brasileiro com o Estado americano. E a ligação com a China também. Nós temos uma parceria estratégica, desde 2009. Eu acho que procuramos melhorar (para) a China não olhar o Brasil simplesmente como um supermercado que ela vem e faz compras. Não podemos entrar em brigas de varejo. As brigas têm de ser no atacado.

E para isso não será preciso trocar o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo?

Não. É uma questão meramente de realinhamento de posição.

Mas e os ataques do governo à Coronavac, que já foi chamada de “vacina chinesa do Doria”?

É aquela velha história: todos os insumos vêm da China. Essa própria vacina da Oxford, da AstraZeneca, usa insumos chineses.

O sr. comanda o Conselho da Amazônia e respondeu em francês ao presidente Emmanuel Macron, para quem comprar soja brasileira significa apoiar o desmatamento. Por que ele faz essas críticas?

Ele está com a popularidade baixa e precisa se reerguer. Aí ele fala duas coisas que são inverídicas, maledicências, querendo colocar que comprar soja do Brasil é cooperar com o desmatamento, quando, na realidade, só 0,4% da nossa produção de soja vem da Amazônia. E depois dizer que a França vai produzir soja? É meio difícil. Ele vai derrubar os vinhedos? Vai derrubar beterraba?

Como reverter o desgaste internacional em relação à Amazônia?

A Operação Verde Brasil 2 permitiu redução no desmatamento, ao longo do ano passado. Também houve redução no número de queimadas. No próximo dia 27 eu tenho uma live com o pessoal do World Economic Forum. E no dia 29 eu faço nova reunião virtual com aqueles investidores que haviam feito uma carta sobre os problemas da Amazônia.

A proposta do governo de controlar 100% das ações de ONGs que atuam na Amazônia foi bastante criticada.

O governo tem que saber quais são as ONGs que atuam na Amazônia e qual é o trabalho que cada uma faz. Aqui não pode ser a Casa da Mãe Joana em que cada um chega e diz “Vou fazer o que eu quero”.

Haverá alguma mudança na agenda ambiental?

Nós não mudamos a política ambiental do País. O que acontece é que existe uma crítica muito pesada em relação a procedimentos, desconhecendo o que acontecia anteriormente. Então, foi uma das áreas onde se buscou fazer uma oposição mais radical ao nosso governo. Agora, nós não saímos do Acordo de Paris. O Trump, por exemplo, tinha tirado os Estados Unidos. Nós continuamos com nossos compromissos no Acordo de Paris, no Protocolo de Kyoto...

O Brasil está quebrado, como disse o presidente?

Não. Isso é uma figura de retórica. O governo tem dificuldades. Mas o Brasil não está quebrado. O Brasil é muito grande para quebrar.

E o que o sr. achou desse projeto de lei orgânica das Polícias Militares? Uma ideia é criar na PM a patente de general, hoje exclusiva das Forças Armadas.

Isso é um troço que vem de 2001, do governo do Fernando Henrique, e é mais uma discussão que não vai vingar. Só que a lei que hoje rege as polícias militares é de 1969 e está defasada. Então, é necessário discutir isso aí sem paixões e sem ultrapassar os limites constitucionais. Criar cargo de general (para PM) não passa. Sou a favor de uma lei mais moderna e que evite a interferência política.

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello disse ao 'Estadão' que tirar poder de governadores sobre as polícias é um ‘retrocesso inaceitável’.

O Celso de Mello “is history” (risos).

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