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Como a ‘tese’ criada por estelionatário levou desembargadores a liberar royalties de petróleo

Advogado Brenno Câmara admite que a empresa de lobista ‘faz a parte técnica’ e cabe a ele ‘o trabalho de protocolar as ações’; procurado, Rubens Machado de Oliveira não respondeu aos questionamentos da reportagem

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Por Vinícius Valfré , Julia Affonso e Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – Os argumentos aceitos por três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) para liberarem milhões em royalties foram formulados pelo lobista Rubens Machado de Oliveira – condenado por estelionato e investigado por lavagem de dinheiro. Um dos advogados que se associaram a ele para obter decisões judiciais que dão direito a altas parcelas de royalties a municípios sem produção de petróleo admitiu ao Estadão que a empresa do lobista “faz a parte técnica” e cabe a ele “o trabalho de protocolar as ações”.

Brenno Cazemiro Câmara, de 37 anos, trabalha em Manaus (AM). O advogado foi um dos profissionais que se juntaram ao lobista para explorar uma “janela de oportunidade” no mercado de royalties de petróleo para pequenos municípios. As cidades representadas pelo grupo do lobista já ganharam mais de R$ 125 milhões com este tipo de receita, após autorizações do TRF-1. Nas redes sociais, Oliveira dizia que “Deus estava no controle” de suas empreitadas.

Lobista Rubens Machado de Oliveira cita ‘trabalho duro’ em atuação com consultoria para royalties de petróleo, em publicação no Instagram Foto: Reprodução

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As afirmações do advogado contradizem a versão de Rubens de Oliveira. À reportagem, o lobista disse que não trabalhava com royalties. Após as primeiras publicações, ele enviou nota dizendo “desconhecer afirmações atribuídas” a ele. Todas foram gravadas.

Em entrevista, Brenno Câmara se atropelou ao tentar explicar as teses que assina e não soube justificar como ele, um advogado que atua sozinho em endereço residencial da capital do Amazonas, foi escolhido por seis prefeituras do Estado. O advogado não quis informar se entra na divisão de honorários de outros processos protocolados pelo grupo.

Câmara perdeu todas as ações que assinou, entre 2021 e 2022 na Justiça Federal de Brasília. Os processos movidos por ele não chegaram a ser analisados pelos gabinetes dos desembargadores Carlos Augusto Pires Brandão, Antonio Souza Prudente e Daniele Maranhão. Os três magistrados acolheram as alegações do grupo do lobista em 19 decisões a partir de janeiro de 2021. Todas as decisões são fortemente questionadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e pela Advocacia-Geral da União (AGU) por serem “proferidas sem rigor técnico”.

Em um dos casos representados por Brenno Câmara na Justiça Federal, a Prefeitura de Urucurituba (AM) acabou condenada por litigância de má-fé porque reapresentou uma ação com os mesmos pedidos e termos que já haviam sido indeferidos. O juiz Marcelo Gentil Monteiro, da 1ª Vara do DF, afirmou na sentença que a a prefeitura, por meio dos dois advogados que assinaram a nova ação, “violou claramente a boa-fé processual e deixou clara a real intenção de burlar regra processual impeditiva”.

Nesta entrevista, Câmara relata que foi procurado por Rubens de Oliveira e, assim, entrou no mercado de royalties de petróleo. O lobista é o responsável por arregimentar advogados recém-formados, sem experiência no setor ou com escritórios recém-constituídos para mover ações no TRF-1. O grupo já faturou R$ 25,7 milhões em honorários.

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O contrato do lobista com o advogado Gustavo Freitas Macedo, um de seus parceiros, indica que os valores são repartidos até com familiares do lobista. A mulher de Oliveira, dona de uma loja de cesta de café da manhã, e um primo dele têm direito a uma parcela dos honorários. O Estadão teve acesso ao documento que foi registrado em cartório em Porto Alegre (RS).

A reportagem analisou mais de 13 mil páginas de dezenas de processos e constatou que as ações usam dados falsos, alegam impactos ambientais que não existem e são lastreadas em argumentações genéricas, como esta: “A Bíblia é uma só, mas quantas interpretações diferentes temos para ela no mundo inteiro? São diversas”. Nas redes sociais, Rubens de Oliveira usava o nome de Deus em suas empreitadas.

Confira parte da entrevista:

O senhor pode dar detalhes sobre a tese da confrontação com municípios produtores?

O trabalho consiste num direito de municípios que fazem fronteira com blocos de exploração de petróleo ou gás natural ou seus derivados.

Fronteira com bloco ou município produtor?

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O bloco de exploração fica abaixo do município, é aquela área todinha onde você vai trabalhar o petróleo, onde existe uma jazida de petróleo, de gás, enfim, algum derivado que você possa utilizar e o município possa se beneficiar disso. Alguns municípios que estão dentro da área de exploração, eles sofrem por serem produtores de petróleo ou o produtor de gás ou o produtor de algum desses derivados. Tem os municípios que fazem divisa com esse município produtor. Eles também têm direito a receber os royalties de petróleo. Basicamente é isso, não é, não tem muita coisa técnica para explicar. (...) Não é uma coisa fora do normal e absurda. Eles começaram a perceber que é uma janela, é uma oportunidade de ação que você pode entrar e os municípios têm esse direito.

Mas esse bloco tem que estar ativo? Tem que ser um bloco onde há exploração de petróleo?

De fato. Por mais que ele não esteja ativo, só o fato de existir de um bloco de exploração ali e de ser, ainda que ele não tenha sido leiloado pelas empresas, pelas indústrias ou pela empresa que vai fazer essa exploração, o município tem esse direito de receber os royalties. [O Estadão mostrou que a tese da confrontação vale somente para cidades próximas a blocos ou campos marítimos. Os advogados liderados por Rubens de Oliveira passaram a usar o termo para casos de produção em terra e alguns desembargadores começaram a conceder liminares, apesar de o critério não estar previsto na legislação. Além disso, advogados citam supostos impactos ambientais de poços de petróleo que nem sequer são explorados, ou seja, estão intocados no subsolo. Para a ANP, o Judiciário tem sido “induzido ao erro” e proferido “decisões sem rigor técnico”]

Esse critério dos municípios confrontantes se encaixa nos parâmetros da ANP?

Ele está justamente por causa da afetação. Na própria legislação infraconstitucional, você vai encontrar esse dispositivo, que existe uma confrontação de um municípios que fazem parte dos municípios produtores ou de onde passa o petróleo, por onde se transporta o petróleo. Manaus-Urucu é um grande exemplo. Vários municípios que são afetados pelo transporte desse produto.

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O senhor desenvolveu essa tese?

A tese é do nosso escritório. Nós temos desenvolvido juntamente com nossos parceiros, basicamente é isso.

Quem são os parceiros?

Outros advogados.

Entre os parceiros do senhor está Rubens Machado de Oliveira?

Sim, está.

Ele é advogado?

Não. O escritório dele faz a parte técnica. Simplesmente, uma parte técnica a respeito do petróleo. Ele tem amplo conhecimento no petróleo e a gente se embasa no conhecimento que ele tem para produzir as nossas peças.

Essa tese da confrontação parte dele?

Não só dele, da jurisdição em si, da lei infraconstitucional que existe a respeito da confrontação.

Como o sr. conheceu Rubens Machado de Oliveira?

Isso foi uma pesquisa de mercado que a gente fez e conversou com ele. (Queria) Saber quem entendia desse assunto e a gente foi atrás.

Em que ano foi?

2019.

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Rubens Machado de Oliveira passou um período preso ( de julho de 2018 até dezembro de 2019. Ele era a principal referência no assunto?

Ele chegou no nosso escritório, chegou conversando com a gente e propôs a ação, de a gente trabalhar com este tipo de ação.

O senhor milita, trabalha há muitos anos na área dos royalties?

Não, não estudo há muitos anos. Comecei a estudar com a vista do Rubens, com a apresentação dele.

O senhor prospecta os clientes?

Não, eu não faço a prospecção. Eu sou a parte, absolutamente eu só faço o trabalho de protocolar as ações, de verificar, de demandar as ações. Eu não tenho ingerência nenhuma sobre os municípios, não faço nada disso.

Quem prospecta?

Geralmente, é o pessoal do Rubens. É ele que faz isso daí.

A OAB permite que alguém prospecte para um advogado?

Existem questões técnicas que estudiosos fazem e promovem um entendimento que um advogado não tem daquele assunto. Normalmente, quando você estuda com um parceiro, quando você tem um parceiro que domina aquela técnica ou que sabe de um assunto muito melhor, ele só te dá o caminho. O advogado não faz prospecção. Eu não faço prospecção, sou proibido pelo código de ética de fazer prospecção. Não posso fazer.

Rubens de Oliveira pode fazer para o senhor?

O Rubens consegue clientes. Ele conversa com possíveis clientes e apresenta o nosso escritório. Simplesmente. Ele só indica o nosso escritório.

Queria entender um pouco melhor como o Rubens chega ao escritório do senhor e como os municípios decidem assinar contrato com o escritório do senhor.

Não posso divulgar coisas sigilosas dos meus clientes. Não posso falar essas coisas. É sigilo. Tem a questão da ética e da moral. Você está perguntando como os contratos chegam no escritório. E eu não quero falar sobre isso.

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O Rubens chega ao seu escritório, o senhor consegue contratos sem licitação e quando eu pergunto como o senhor não pode me dizer.

Como sem licitação? Todos os meus contratos são com licitação, tem todos os documentos.

Todos com licitação? Foi aberta uma concorrência pública e o senhor ganhou? Inclusive Barcelos e Eirunepé, por exemplo?

Escritórios de advocacia têm trânsito livre, eles não precisam da licitação pública por causa da questão técnica. A especialidade dispensa a licitação.

Por que um prefeito do Amazonas contrata o escritório do senhor e não abre uma licitação para contratar de qualquer outro lugar, do Rio, Manaus ou Macapá, que poderia fazer o serviço melhor e mais barato?

Qual o problema de contratar um escritório que não é renomado?

Qual foi a primeira vez que você trabalhou com royalties?

Em 2020 e 2021.

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