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Discurso inaugural de novo chanceler resgata diplomacia profissional; leia análise

Direto e objetivo: estilo ‘low profile’ e o tom de Carlos França são distintos do que se ouviu nos últimos dois anos com Ernesto Araújo

Por Rubens Barbosa
Atualização:

O pronunciamento inaugural do novo ministro do exterior, Carlos França, traz de volta a atitude profissional da diplomacia. Simples, direto e objetivo, dentro daquilo que é possível no atual momento, o discurso indicou que a política externa volta a ser uma política pública, a serviço dos interesses nacionais. O estilo “low profile” e o tom são distintos do que se ouviu nos últimos dois anos. A nova direção do Itamaraty segue o que ensinou o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, ao tomar posse em 1903: “não venho servir a um partido político: venho servir ao nosso Brasil, que todos desejamos ver unido, íntegro, forte e respeitado”.

O ex-chanceler brasileiro Ernesto Araújo e o novo ministro das Relações Exteriores, o embaixador Carlos Alberto Franco França Foto: Marcos Corrêa / PR

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Assim como as Forças Armadas, o Itamaraty é uma instituição de Estado, acima de interesses circunstanciais políticos ou ideológicos. A política externa, fundada nos princípios constitucionais, é definida pelo presidente da República. A cara do Brasil no exterior hoje é a do presidente Bolsonaro. O Itamaraty, executor da atuação externa, em toda sua história, passando por vários regimes políticos, atuou como um fator moderador na defesa dos valores e dos interesses permanentes do País. A radicalização da política externa sempre foi uma atitude isolada, com exceção dos últimos dois anos, em que prevaleceu uma retórica ideológica alheia à tradição do Itamaraty. Aos que não acreditam na margem de manobra pragmática e moderada na política externa, basta lembrar dois temas de grande relevância em que o presidente ouviu ponderações e retificou o rumo: não retirou o pais do acordo de Paris, nem mudou a embaixada para Jerusalém.

O novo ministro, dentro das linhas gerais traçadas pelo presidente, deverá ser um reconstrutor de pontes, dinamitadas nos últimos dois anos. A reconstrução já começou no Itamaraty e deverá ampliar-se com o Congresso, com a mídia e com nossos principais parceiros. Sai o discurso ideológico, seja político ou econômico, seja de costumes, e entra o pragmatismo e o realismo no tratamento dos assuntos de nosso interesse. 

As prioridades anunciadas no pronunciamento ministerial recolocam a política externa no seu eixo tradicional e pragmático. É apropriada a urgência nas ações nas áreas de saúde, economia, comércio exterior e meio ambiente. E também a maneira como vão ser tratadas, sem exclusões (China) e sem preferências (EUA). Afinal a política externa não se faz de sentimentalismos, mas sobretudo se inspira nos interesses nacionais, que orientam e determinam suas ações. Somente uma área foi destacada, coerente com a política nacional de defesa, nosso entorno geográfico, onde o Brasil tem um papel a representar. Com ênfase no diálogo, inclusive nos organismos multilaterais, o novo ministro quer manter canais abertos com todos e fortalecer a Casa de Rio Branco. A política externa, assim, volta ao seu leito normal, do Itamaraty tradicional onde o interesse do Estado (e não de ideologias ou geopolíticas) tem precedência.

Com isso, começa a ser respondido também o desafio de restaurar a credibilidade da instituição, o que exigirá uma redobrada atenção e uma política pró ativa nos temas que emergirão pós-pandemia como de primeira atenção para a comunidade internacional.

* PRESIDENTE DO IRICE

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