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No Brasil, reformas são ‘desafio difícil’, diz professor

Brasilianista americano diz que democracia no País ‘vai bem’, mas não será fácil levar adiante as reformas pedidas nas ruas

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Por Gabriel Manzano
Atualização:

A democracia no Brasil vai bem, mas os brasileiros são muito pacientes com os políticos. Os protestos contra a corrupção e a má qualidade dos serviços públicos, que tomaram as ruas em 2013, deram a impressão de que algo novo aconteceria - mas, em um país com tamanhas dimensões, "é muito difícil organizar pressões e promover mudanças reais", diz o professor americano Riordan Roett, um dos mais respeitados estudiosos de Brasil nos EUA.

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Responsável por um programa de estudos sobre América Latina na Johns Hopkins University, de Washington, Roett vê mais pedras no caminho para se atender ao que pediram nas ruas os manifestantes: o governo não dispõe de recursos - o que ele chama de "espaço fiscal" - para levar adiante as reformas e melhorar os serviços em áreas como saúde, educação ou segurança. Além disso, a reforma política esbarra em desafio próprio: as máquinas políticas regionais "continuam muito fortes e mantêm sua capacidade de produzir votos para quem as controla".

O brasileiro, avalia o professor, "não acha que as coisas estejam boas, mas também não chega a achar que elas estão mal". Sem pretender adivinhar resultados, ele lembra que em horas assim o sentimento dominante é o de que "é melhor proteger o que se tem do que mudar tudo". Roett visitou o Brasil inúmeras vezes e viveu em Brasília algum tempo. Nas últimas três décadas escreveu centenas de artigos e análises e em 2010 lançou o livro The New Brazil, onde analisa, entre outros temas, os perigos da invasão chinesa na América Latina.

Protesto geral contra aumento das tarifas tomou centro do Rio em junho de 2013 Foto: Fábio Motta/Estadão - 17/06/2013

Nesta entrevista ao Estado, ele encaixa o País numa paisagem maior, que abarca o continente e o mundo: "O Brasil está longe do Pacto do Pacífico (a aliança econômica que reúne Chile, Peru, Colômbia e México), que vai bem. Não quer, ou não pode, abandonar o Mercosul, que não funciona. Acaba ficando sem opções - e ficar isolado, em política externa, é um problema sério para quem pretende ter um lugar de destaque na cena mundial".

O Brasil faz hoje sua sétima eleição presidencial seguida, um fato inédito em sua história, mas é uma democracia formal, marcada pelo divórcio entre o mundo político e os desejos e necessidades do povo. O senhor daria uma boa nota para essa democracia?

A democracia no Brasil, de modo geral, funciona bem. Comparando-a com a de alguns vizinhos, como Argentina, Bolívia, Equador ou Venezuela, fica clara a diferença e a importância do País. Ele tem um processo democrático consolidado. Tem problemas, mas seu sistema eleitoral é excelente. Muito melhor, por exemplo, do que o americano.

No que o brasileiro é melhor?

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No sentido de que não há contestações, disputas judiciais, que são tão comuns nas eleições americanas. No Brasil o trabalho é competente, o resultado é acatado e pronto.

Mas a qualidade do debate político e das campanhas é considerada por muitos insatisfatória, tanto que multidões foram às ruas protestar no ano passado. 

Sim, os protestos deixaram claro que cada vez mais gente quer as reformas, mas o fato é que o governo não tem espaço fiscal para fazê-las. Além disso a maioria dos políticos não está disposta a atender o que o povo pede. Os candidatos sempre falam em reformas e elas nunca chegam. Acrescente-se, o que vi por experiência própria, que no Brasil, salvo poucas exceções, os políticos são de muito má qualidade.

A impressão, neste final de campanha eleitoral, é que apesar dos protestos a “velha política” não se abalou e continuará elegendo seus caciques. As passeatas de 2013 foram inúteis?

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Acho que é um fenômeno cultural do país: o brasileiro não gosta muito de protestar - não tanto como na América espanhola. Segundo, os brasileiros têm muita paciência com os políticos - infelizmente. Terceiro, as máquinas políticas regionais sempre foram muito fortes, continuam fortes, e mantêm sua capacidade de produzir os votos necessários para quem as controla.

A importância dos protestos de 2013 foi exagerada pela mídia?

Num País de tamanhas dimensões, é muito complicado você organizar uma campanha nacional sobre educação, sobre precariedade da saúde, etc. Às vezes se fazem comparações com movimentos como os Indignados, na Espanha, ou o Occupy, nos EUA. Na verdade esses episódios têm muito pouco a ver um com o outro. Os do Brasil nasceram de uma realidade específica do país. E que realidade é essa? Há muita razão para protestos, mas a economia funciona mais ou menos bem. Comparativamente, a da Espanha está em colapso. O brasileiro, me parece, não acha que as coisas estejam boas, mas também não chega a achar que elas estão mal. Em situações assim, o cidadão tende a achar que é melhor proteger o que tem do que sair às ruas para mudar tudo.

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Por 20 anos, dois partidos brasileiros, PSDB e PT, dominaram a cena eleitoral. O PSB desafiou essa polarização com as candidaturas de Eduardo Campos e depois Marina Silva. A polarização vai dar lugar a outra situação?

Acho que o problema principal, nesse caso, é outro: o Brasil tem um sistema político disfuncional, com partidos demais e ideias de menos. Enquanto duas ou três dessas legendas continuarem a dominar o processo, a busca de aliados vai exigir acordos com pequenos partidos, que não passam de feudos pessoais. Só uma reforma substancial do sistema partidário pode levar a uma situação mais coerente.

Existe uma polarização também nos EUA, entre republicanos e democratas e isso não é visto como problema.

O que temos em meu país como “terceiro” é o Tea Party, que opera basicamente ao lado do Partido Republicano. Dada a estrutura do sistema representativo americano, é muito difícil um terceiro partido sobreviver. O jogo que vale, na disputa eleitoral, é entre dois partidos.

Em 20 anos da dualidade entre PT e PSDB, este perdeu as três últimas eleições e entra no 1.º turno em terceiro lugar nas pesquisas. A que se atribui essa situação dos tucanos?

Acho que o PSDB tem grandes problemas. O primeiro é a falta de um grande líder, carismático. José Serra não é. Fernando Henrique foi uma grande figura, mas já passou. E o PT tem uma coisa: tem Lula. Um líder de grande prestígio, com oito anos de governo bem-sucedido, e que apoia Dilma.

O sr. especializou-se em analisar os países sempre em um cenário global. De que forma o Brasil entra nesse quadro?

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Vejo o Brasil, no momento, isolado, e isso é um problema sério para quem for eleito. Um primeiro grande desafio é o Mercosul, que não funciona nem vai funcionar. Os quatro integrantes do Pacto do Pacífico - Chile, Colômbia, Peru e México - buscam maior espaço na Ásia e avançam seus projetos de integração. O Brasil, do lado do Atlântico, está isolado desse projeto. Poderia construir uma boa aliança com a Argentina, mas as relações entre os dois nunca andaram bem. O Brasil parece que não quer, ou não pode, abandonar o Mercosul. Se Dilma continuar no governo, o Mercosul continuará valorizado. Marina chegou a dizer que mudaria isso e se entenderia com os Estados Unidos, posição que é também a de Aécio Neves.

QUEM É

Riordan Roett é ientista político especializado em América Latina, 76 anos, formou-se na Columbia University (NY) e dirige o Latin American Studies Program da Universidade Johns Hopkins, em Washington. Autor de The New Brazil (2011), recebeu do Itamaraty, em 2000, a Ordem do Rio Branco

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