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Um olhar crítico no poder e nos poderosos

Opinião|Governo Lula criou armadilha para ele próprio ao se arvorar como grande articulador

Na presidência do Conselho de Segurança, Brasil é apenas coordenador dos interesses das potências

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Foto do author Eliane Cantanhêde
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O governo Lula armou uma armadilha para si próprio: colocar-se como o grande articulador de uma solução ao menos humanitária, emergencial, para a guerra em Israel. Se sair uma resolução consensual no Conselho de Segurança da ONU, será um sucesso estrondoso. E se não sair? A oposição está pronta para espalhar aos quatro ventos – e ao mundo – que foi o oposto: um estrondoso fracasso.

Na realidade, que vai além das versões políticas e diplomáticas, a presidência rotativa do Conselho de Segurança, por um único mês, não transforma o Brasil em grande negociador, em resolvedor geral dos problemas mundiais. Sua função é meramente de coordenador. Importante? Sim, mas quem continua dando as cartas, tomando decisões e delimitando os termos das resoluções são as potências. As mesmas de sempre.

Conflito gerado por ataque terrorista do Hamas e resposta de Israel tem sido debatido no Conselho de Segurança da ONU nos últimos dias Foto: Ariel Schalit/AP Photo

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Os Estados Unidos, como sempre, estão na dianteira e não apenas ratificam sua aliança com Israel como também abrem intensas negociações com a Autoridade Palestina e os países árabes. A novidade é a investida diplomática da Rússia, que faz o mesmo, em sentido inverso: aliado da causa Palestina, Vladimir Putin falou nesta segunda-feira com o primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, depois de conversar com Irã, Egito, Síria e Abbas.

Logo, o Conselho replica a nova fase do conflito entre EUA e Rússia, tendo a guerra da Ucrânia como pano de fundo. O que projeta uma impossibilidade de acordo e de consenso ou, no mínimo, um pedido de adiamento, como nesta segunda-feira. Mas não é o fim do mundo. O conselho sempre pode se autoconvocar amanhã ou depois, inclusive porque as negociações são frenéticas e há pelo menos um dado positivo: Israel já suspendeu por duas ou três vezes sua manifesta intenção de invadir Gaza por terra, ar e mar. Já é um ganho.

O chanceler Mauro Vieira presidiu a reunião de sexta-feira em Nova York, mas está em Brasília para atualizar, presencialmente, as informações com o presidente Lula, o grupo de risco formado no Itamaraty e o Senado. Só volta para os EUA na quarta. O embaixador do Brasil na ONU, Sérgio Danese, assume os trabalhos até lá.

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Brasil comanda o Conselho de Segurança em outubro e, nesta segunda-feira, 16, sob a presidência de Sérgio Danese, voltou a discutir conflito em Israel. Foto: Andrew Kelly/Reuters

Independentemente de qualquer desfecho das negociações no Conselho de Segurança, nunca, nestes dez meses de governo Lula, a comparação com o desastre da política externa de Jair Bolsonaro ficou tão evidente, tão estridente. Entre o Itamaraty do absurdo chanceler Ernesto Araújo e o azeitado e atuante de Mauro Vieira e entre o inacreditável presidente Bolsonaro, que tornou o Brasil um pária internacional, e um Lula que derrapa daqui e dali, mas conhece do riscado e tem credibilidade internacional, não há o que discutir.

Se o Conselho de Segurança der uma “estrondosa derrota” para o Brasil, como torce a oposição, ou uma “estrondosa vitória”, como sonha o governo, o fato é que a diplomacia brasileira tem agido corretamente nas negociações e exemplarmente no resgate de brasileiros, em parceria com a FAB. E, no final das contas, uma derrota ou uma vitória não será do Brasil, mas do Oriente Médio e de um mundo tão conflagrado. É melhor sempre torcer pela vitória.

Opinião por Eliane Cantanhêde

Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews em Pauta

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