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Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Acusação contra filho de Lula deveria mostrar que ideologia não tem a ver com caráter

Lição que poderia ficar do caso de Luís Cláudio é do risco de se associar ideologia a caráter; pode ser que sejam características pessoais que não andam juntas

Foto do author Fabiano Lana

Após tantos séculos de preconceitos explícitos e até mesmo casos de violência que nunca tiveram qualquer punição, concluímos que toda a acusação feita por uma mulher, envolvendo maus-tratos, precisa ser levada muito a sério. Exigem investigação rigorosa e punição severa ao infrator – muitas vezes um cônjuge, namorado, chefe, ou mesmo um violentador das ruas. É resultado do longo processo civilizatório que buscou colocar amarras em atos de hostilidade, feitas pelos homens, até há pouco tempo aceitos. Por exemplo, mesmo na Segunda Guerra Mundial, terminada há oito décadas, um nada do ponto de vista histórico, o estupro foi utilizado como espólio de guerra – sobretudo pelos exércitos alemães e soviéticos.

Os tempos atuais também indicam que ninguém deve se calar mais no caso das denúncias. Mulheres que fazem as acusações devidas, cada vez mais em um processo sem volta, recebem a solidariedade da família, dos amigos e atenção das autoridades. No caso das pessoas públicas, artistas e celebridades se manifestam a favor da vítima, que costuma ter razão – e contra os algozes.

Luís Cláudio Lula da Silva, filho do presidente Lula Foto: Ricardo Stuckert/PR

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No Brasil, há até uma peculiaridade. Houve, em muitos episódios, por parte de certa militância, uma tentativa de associar atos de truculência e covardia apenas a integrantes de certa ideologia. Como ser “de direita”, por exemplo, ser associado a um desvio de caráter que levaria a atos condenáveis. Como, por exemplo, humilhar pessoas humildes, destilar ódio ao diferente. Apesar de o ex-presidente Jair Bolsonaro ser autor de frases como “não estupro porque não merece”, a generalização não deveria proceder. De qualquer forma, a frase “esse aí votou em quem?”, referindo-se a Bolsonaro, costuma ilustrar memes de notícias com acusações de quem cometeu alguma barbaridade social.

Além de tudo, também há generalizações contra quem é considerado de “esquerda”. Como, por parte de ativistas de extrema direita, de que todos os esquerdistas seriam drogados ou depravados sexuais. Ultimamente, tenta-se até emplacar a versão de que o cristianismo seria incompatível com as posições políticas à esquerda. Ora, é possível ler a Bíblia e destacar uma série de trechos que podem ser inspiração para uma revolução social urgente. Logo, a comparação, além de rasa, não faz muito sentido.

Para quem quer se aprofundar no assunto, há passagens dos Atos dos Apóstolos, sobre a comunidade ideal (Atos 2: 44-46) muito parecidas com a sociedade comunista sonhada por Karl Marx em seu livro A Ideologia Alemã (Na página 56 da versão lançada em 2007 pela editora Civilização Brasileira). Se tiverem tempo e interesse deem uma espiada nos dois textos e concluam se pode ser o caso de inspiração.

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Nesse momento, em que sutilezas e complexidades são deixadas de lado, e busca-se reduzir os adversários políticos a uma caricatura infame, recebemos a notícia de que uma ex-companheira do filho do presidente Lula, o empresário Luís Cláudio Lula da Silva, o acusou de agressões “de natureza física, verbal, psicológica e moral”. Por decisão judicial, Luís Cláudio precisará ficar a 200 metros de sua ex-namorada.

Filho de presidente da República, mesmo que não queira, é uma pessoa pública. Então, é preciso registrar um certo silêncio de quem costuma ser bastante vocal nesse tipo de circunstância e costuma exigir, com razão, investigação e punição, se for o caso, para o acusado. É o que se esperaria para sermos coerentes com o estágio civilizatório em que chegamos. Mas, aparentemente, prevalece o silêncio de quem é barulhento e barulho de quem é silencioso – a depender do incriminado. Apenas por exercício honesto de pensamento: imaginem o que ocorreria de Carlos Bolsonaro recebesse o mesmo tipo de acusação do que o filho do atual presidente.

Mas a lição que poderia ficar desse caso do filho do Lula é do risco de se associar ideologia a caráter. Pode ser que sejam características pessoais que não andam juntas. Porque, caso a acusação seja verdadeira – e as caricaturas que se fazem dos direitistas procedentes – seria inevitável concluir que o filho do presidente Lula seria bolsonarista. E isso, convenhamos, não faz nenhum sentido nem em uma peça de um Nelson Rodrigues revivido.

Opinião por Fabiano Lana

Filósofo e consultor político

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