PUBLICIDADE

Foro de São Paulo perde relevância, fica preso a passado e ignora fracasso de ditaduras de esquerda

Para analistas, encontro, que contou com a presença do presidente Lula, alimenta guerra de versões fora da realidade

Foto do author Monica  Gugliano
Por Monica Gugliano
Atualização:

Passados 33 anos desde sua criação, o Foro de São Paulo já não tem mais a relevância que tinha e muitos de seus debates remetem ao passado, segundo analistas ouvidos pelo Estadão. A discussão em torno do evento ressurgiu em meio à realização do 26.º encontro do grupo realizado há duas semanas em Brasília, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – um dos criadores do Foro junto com o líder cubano Fidel Castro (1926-2016).

O encontro ocorreu após uma reunião de líderes da América do Sul, em que Lula foi criticado pelo apoio dado ao ditador venezuelano Nicolás Maduro e por dizer que há a construção de uma “narrativa” sobre a situação da Venezuela. A opinião de Lula, criticada até por setores da esquerda, fez com que aliados chegassem a recomendar que ele não participasse do Foro. Mas, segundo fontes do PT, o evento foi realizado em Brasília, depois de o presidente concordar em participar.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa da abertura do XXVI Foro de São Paulo;  Foto: André Borges/EFE - 29/06/2023

PUBLICIDADE

Para o cientista político e professor do Insper, Carlos Melo, os governos petistas deveriam parar de insistir na realização do Foro. “É romântico, mas é inviável”, define Melo. Em sua opinião, o Foro serve muito mais para uma guerra de versões e de conflitos ideológicos fora da realidade. “Existem hoje em dia muitas mais questões perigosas e complicadas para serem discutidas, às quais o Foro passa ao largo”, acrescenta.

De acordo com o cientista político e diretor executivo da Fundação FHC, Sergio Fausto, o Foro perdeu sua razão de ser e, hoje, tenta esconder o fracasso das revoluções da esquerda no continente. “Cuba, Venezuela e Nicarágua são casos desastrosos”. Segundo ele, o Foro, nos dias de hoje, “beira o realismo fantástico”. “Não creio que nenhum partido sério da esquerda latino-americana tenha participado do evento”, pondera Fausto.

Lula definiu o Foro como “uma benção” que foi possível criar na América Latina. A ideia do encontro surgiu, segundo ele, da necessidade de reunir grupos de esquerda dos países da região, após a queda do Muro de Berlim e a implosão da União Soviética. Realizado em São Paulo, em 1990, o Foro produziu uma declaração que levou o nome da cidade em um documento que consolidava os princípios e objetivos dos movimentos e partidos políticos que passavam a integrá-lo.

“O dado concreto é que o Foro de São Paulo foi a primeira experiência latino-americana em que a esquerda resolveu se juntar sem precisar tirar as suas diferenças nem tampouco acabar com as suas divergências, mas ela resolveu discutir, do ponto de vista da organização democrática, disputar os espaços políticos do nosso continente”, disse o presidente em seu discurso.

Estrela do evento, Lula elogiou os ditadores Fidel Castro e Hugo Chávez, disse “se orgulhar” do rótulo de comunista e afirmou que é preciso manter as críticas aos partidos de esquerda reservadamente. “A gente não faz críticas públicas porque as críticas interessam à extrema-direita”, disse o presidente.

Publicidade

O Foro virou um assunto recorrente já nas últimas eleições, em especial, na de 2018, quando se tornou um dos temas principais da campanha bolsonarista, recebendo duras e pesadas acusações dos políticos e movimentos de direita. Um dos principais ataques diz respeito às opiniões, manifestadas inclusive por Lula, de “conivência com ditaduras na América Latina e Caribe, casos de Cuba, Venezuela e Nicarágua”.

Nesse contexto, o Foro virou alvo da extrema-direita, que passou a disseminar fake news e versões sobre o evento. A “desordem informacional” trata o encontro como um evento do comunismo que ultrapassa fronteiras, reunindo esquerdistas que, tanto podem ser narcotraficantes como membros do crime organizado ou perseguidores de cristãos.

“Não existe nenhuma história da nova direita que se sustenta sem o foro de São Paulo. É a trama que aqui no Brasil, por exemplo, foi construída pelo ideólogo Olavo de Carvalho. É uma novela e está tudo envolvido nela”, afirma Marcus Nogueira, que apresentou um trabalho sobre o Foro ao lado de Fernanda Sarkis durante a 26ª edição do evento em Brasília no seminário “Comunicação e Redes Sociais”.

“O Foro está dentro de uma projeção do imaginário. É uma força tão grande que todos os ataques à esquerda, em algum momento e no mundo inteiro, passam por ele desde que foi criado em 1990″, diz a pesquisadora Fernanda Sarkis, estudiosa do tema.

O tema do Foro deste ano foi a “integração regional para avançar a soberania latino-americana e caribenha” e, Mônica Valente, secretária nacional de relações internacionais do PT – organizadora do evento –, falou sobre a discussão em um momento de mudança na correlação de forças da região, onde partidos de esquerda tiveram 10 vitórias eleitorais, inclusive no Brasil.

Atualmente, o Foro de São Paulo reúne cerca de 130 partidos e grupos políticos de esquerda de 28 países da América Latina. No primeiro encontro, em 1990, 48 organizações participaram.