Juan Costa, Graduado em Direito (UFRJ) e Mestre em Direito Público (UERJ). Subsecretário de Receita de Niterói
Marília Ortiz, Graduada em Gestão de Políticas Públicas (USP) e Mestre em Administração Pública e Governo (FGV-EAESP). Secretária de Fazenda de Niterói
O Sistema Tributário Nacional, que hoje contém uma discriminação de competências entre os Entes Federados definida na Constituição, ainda possui um desenho bastante similar ao do sistema inaugurado na Emenda nº 18/1965 (EC 18/95) à Constituição de 1946, sob a égide do regime militar. Tanto o é que até os dias atuais o Código Tributário em vigor está consolidado na Lei nº 5.172/1966, publicada um ano depois, regulando os termos da EC nº 18/95.
Mesmo os grandiosos debates que envolveram a Assembleia Constituinte tiveram por resultado poucas mudanças substanciais em relação ao desenho do Sistema Tributário. Após a promulgação da Constituição, propostas abrangentes de reforma foram intentadas pelos governos FHC e Lula (PECs nºs 175/95, 41/03 e 233/08), no sentido de simplificar e tornar mais justa a normatização, contudo sem sucesso. Atualmente tramitam reformas igualmente amplas com promessa de unificação de tributos sobre o consumo, como o ICMS, ISS, IPI e PIS/COFINS (PECs 45/19 e 110/19), ainda patinando por falta de consenso das partes afetadas.
Nesse contexto, o Ministério da Economia propôs o envio de reformas menores, imaginando dessa maneira obter melhor chance de sucesso. A primeira fase veio com o PL 3.887/2020, tratando da unificação PIS/COFINS em um único tributo, denominado Contribuição Social Sobre Bens e Serviços (ainda em tramitação). Já a segunda, de que trata o PL nº 2.337/2021, aprovado na Câmara dos Deputados no dia 1º de setembro e encaminhado para apreciação no Senado, introduz modificações no Imposto de Renda. Passemos a nos debruçar sobre os erros em nossa opinião cometidos nessa segunda fase.
O primeiro erro, cometido pelo Ministério da Economia, foi o de não se preocupar com os impactos das propostas sobre a arrecadação dos entes subnacionais. O Ministério fez a conta da reforma do imposto de renda e afirmou que ela teria um impacto neutro na arrecadação, sem considerar que o imposto de renda compõe a maior parte das receitas dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios.
O Executivo pareceu ignorar que a segunda fase de sua reforma possui, tal como propostas maiores, múltiplos interesses envolvidos. O governo não fez o papel de consolidar uma proposta para unificar os interesses subnacionais aos federais, suscitando uma oposição indesejada do setor público. De outro lado, a reforma possui pontos que desagradam diversos atores do setor privado, como a tributação de dividendos, regras mais rígidas relacionadas à remessa de lucros para o exterior e o fim da dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio. Assim, a proposta colecionou opositores variados.
Ao propor redução de alíquotas do Imposto de Renda sem reduzir concomitantemente a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), cuja receita não é repartida com Estados e Municípios, o governo passou a mensagem de que não estava preocupado com o compartilhamento dos custos de sua reforma. Mensagem que pareceu totalmente contraditória com o discurso do governo de descentralização de receitas, conhecido pelo mote "menos Brasília, mais Brasil".
A seu turno, a Câmara dos Deputados, por meio do presidente Arthur Lira e do relator Celso Sabino, adotou uma estratégia de interdição do debate, com uma tramitação acelerada e conturbada pela apresentação de vários substitutivos, os quais agravaram as perdas de arrecadação dos entes subnacionais. Tudo foi feito às pressas. Na sua tramitação, a proposta não teve o debate necessário. Um único destaque foi aprovado na votação da Câmara, para reduzir a alíquota dos dividendos de 20% para 15%, agravando o quadro das contas Estaduais e Municipais.
A reforma chega ao Senado pouco compreendida. Tanto é que a Receita Federal tem feito uma série de reuniões com os senadores para tentar explicar as razões pelas quais ela poderia trazer vantagem ao ser aprovada. Além disso, o governo tem advogado pela reforma no sentido de defendê-la para abrir espaço fiscal a novas despesas. O que parece completamente sem sentido, considerando que a reforma tem previsão de, inclusive, acarretar em prejuízos às contas públicas.
De acordo com o Instituto Fiscal Independente do Senado (IFI), as perdas são da ordem de 28,9 bilhões em 2022 e de 11 e 12,3 bilhões, respectivamente, em 2023 e 2024. Já o Cômitê de Secretários de Fazenda dos Estados e Distrito Federal (COMSEFAZ) estima perda de 9,9 bilhões para os Estados. Por sua vez, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) calcula prejuízo de 9,3 bilhões os Municípios. Em Niterói, especificamente, a redução na receita seria de R$ 6,7 milhões de reais.
As perspectivas para a aprovação no Senado não são animadoras. Segundo o relator do projeto, Angelo Coronel (PSD), o andamento da proposta depende de aprovação do Comando do Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos e do Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Mas ambos têm se mostrado em cima do muro.
Em nosso sentir, tudo indica que a reforma promovida pela Câmara não foi pensada para os cidadãos brasileiros, mas para alguns poucos beneficiários das mudanças na legislação. Assim, é mais do que necessário que o Senado exerça o seu papel de representação dos Estados Federados e que não a aprove de maneira irrefletida. Caso contrário, as alterações podem trazer muito mais problemas do que soluções para o nosso complexo Sistema Tributário Nacional, afetando o equilíbrio das contas públicas.
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