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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Bolsonarismo minguante e a lógica dos partidos e candidatos à Câmara Federal

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Fonte: Arquivo pessoal.  Foto:

José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado da Escola de Administração da UFBA. Pesquisador FGV EAESP

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Renata Cristina Nogueira Santos, Doutoranda na Escola de Administração da UFBA. Servidora Técnico-Administrativa em Educação do IFNMG

Fenômenos abruptos sempre causam estranheza e dificuldades enormes em interpretá-los. Mais ainda em projetar o seu futuro. Sem referências consistentes no passado, os analistas veem-se frente a eles sem vinculações com algo conhecido para orientar suas interpretações. O governo Bolsonaro e um suposto bolsonarismo enquadram-se nesse conjunto de falta de referências, mesmo que certo contorcionismo teórico e histórico possa ser feito.

O objetivo deste breve artigo é verificar o que aconteceu com os deputados federais eleitos em 2018 no bojo da candidatura de Bolsonaro pelo PSL, partido abraçado pelo candidato à beira da eleição daquele ano, verificando o destino eleitoral desses deputados na eleição seguinte, 2022, já pelo PL. Convém recordar que em pouco tempo de mandato o Presidente eleito rompeu com o PSL, partido pelo qual se elegeu, ficou um longo período sem partido e, finalmente, próximo ao pleito de 2022, optou pelo PL. Ainda, é digno de nota que Jair Bolsonaro e as forças aglutinadas por ele tentaram formar um novo partido, não conseguindo, porém, deslanchar o projeto, o que indica que não houve uma conjunção de forças que acreditasse naquela proposta.

Essa linha de investigação não só objetiva verificar os movimentos dos parlamentares como também perscrutar os movimentos dos próprios eleitores, como se comportaram em 2018, frente à "novidade" Bolsonaro e, em 2022, transcorridos quatro anos de mandato do Presidente. Acreditamos que tudo isso ajudará a lançar luz no sentido de compreender o quadro político-partidário e o eleitorado objetivando tentar enquadrar com maior assertividade o fenômeno bolsonarista.

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O quadro 1 apresenta os dados da migração partidária de 2018 para 2022, do PSL para o PL e outros partidos e o desempenho dos/as candidatos/as. O ponto de partida é relembrar que foram eleitos 52 parlamentares pelo PSL, mas na eleição de 2022 muitos não optaram pelo partido para onde foi o Presidente Jair Bolsonaro, o PL.

Quadro 1 - Migração partidária dos Deputados Federais eleitos pelo PSL em 2018 para as eleições de 2022

*Votos em mil**FFAA = Membro das Forças Armadas***Concorreu ao cargo de Senador****Concorreu ao cargo de Governador*****Concorreu ao cargo de Deputado EstadualFonte: Elaborado pelos autores com dados do TSE, Portal da Câmara dos Deputados.  Foto:

Fica explícito, olhando este Quadro 1, que poucos candidatos das hostes bolsonaristas conseguiram alcançar maior votação em 2022 do que em 2018. Na verdade, foram exceções, o que significa, inequivocamente, que aquela explosão eleitoral de 2018 não se repetiu meros quatro anos depois. Também é interessante determo-nos na formação profissional dos candidatos/as: Polícias e FFAA: 18; Empresários: 9; Políticos: 5; Advogados: 5; Servidor Público: 2: Outras (Incluindo Produtor Rural): 1. Como é conhecido, o proselitismo de Bolsonaro se volta fundamentalmente para as Forças de Segurança e as FFAA. Destacamos o Produtor Rural pois, como apoiador do Agro, era de se esperar mais presença de oriundos desta atividade, mas podem estar representados por Políticos de origem.

O Quadro 2 representa uma agregação de informações retiradas do Quadro 1, produzido para gerar outras análises.

Quadro 2 - Resultado das eleições 2022 por partido após migração partidária

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*Por partidoFonte: Elaborado pelos autores com dados do TSE.  Foto:

Apenas 23 dos 52 seguiram o destino partidário de Bolsonaro, ou seja, 29 tomaram outro rumo partidário. Isto pode ser entendido como um distanciamento do então líder, uma negação da crença em seu projeto. Se tanto se fala em bolsonarismo raiz, esta não é a espécie predominante nesse conjunto. A legenda que foi o segundo destino dos parlamentares oriundos do PSL, o União Brasil  recebeu 15 deles. Os 14 deputados restantes se distribuíram por um número variado de partidos, com absoluta predominância de legendas conservadoras de direita. Pode-se dizer que nessa encruzilhada foram para o PL os bolsonaristas raiz (menos de metade do todo), enquanto os demais se afastaram do então chefe.

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Esses resultados também podem indicar que os candidatos ao Parlamento, seja para reeleição ou novatos, parecem seguir outra lógica, longe de uma aderência automática ao candidato à Presidência. O mandato de Bolsonaro marcado por extrema radicalização autoritária e eivado de ambiguidades parece ser causa do afastamento da maioria dos candidatos de origem do PSL do capitão em sua tentativa de reeleição. Esse parece ser um atestado claro que muitos candidatos ao Parlamento já não queriam colocar suas fichas no candidato agora do PL. Em outras palavras, os candidatos originalmente debaixo do guarda chuva de Bolsonaro passam a fazer outras contas, onde predominam variáveis da possibilidade de sucesso do chefe bem como as especificidades do Estado de cada um frente suas chances de reeleição.

Essa base de dados ainda comporta outra análise, os partidos vitoriosos e os derrotados. O quadro 2 nos permite visualizar três segmentos: PL, União e Outros. Dos concorrentes pelo partido do Presidente, 16 de 23 foram eleitos, pelo União, segundo destino mais natural naquele grupo, 5 de 15 foram eleitos e no terceiro segmento, uma miscelânea de partidos, apenas 1 de um total de 14 candidatos logrou êxito em se reeleger. Pegando o total dos 52, pois todos vinham da mesma cepa, apenas 22 dos 52 alcançaram o objetivo da reeleição. Se queremos ser justos, na verdade, tão logo Bolsonaro tomou posse apareceram as primeiras defecções no edifício pesselista, como Alexandre Frota e, com o passar do tempo, Joice Hasselmann, ambos de SP, que migraram para o PSDB.

Um exercício também interessante consiste em pegar os eleitos com expressivo número de votos, no caso acima de 100 mil votos em 2018, e ver o desempenho desses parlamentares no pleito de 2022. Dos 18 que alcançaram e superaram essa marca, resta a seguinte situação: 7 não foram eleitos: Del. Pablo, Prof. Dayane, Del. Waldir (concorreu ao Senado), Del. Antônio Furtado, Joice Hasselmann, Alexandre Frota (concorreu à ALESP) e Nelson Barbudo. Quanto aos 11 eleitos, são os seguintes: Marcelo Alvaro, Cabo Júnior Amaral, Hélio Lopes, Carlos Jordy, Luiz Lima, Carolina de Toni, Daniel Freitas, Eduardo Bolsonaro, Luiz Philipe Bragança Orleans, Luciano Bivar e Francisco Francischini. Cabe atentar que estes dois últimos foram eleitos pelo União, diminuindo o êxito do PL para 9 eleitos. Este resultado merece a seguinte reflexão. Dentro do fenômeno Bolsonaro cabe um outro fenômeno que são os candidatos com grandes votações, mas dos 18 assim considerados apenas 11 foram reeleitos, sendo 9 com aderência ao projeto Bolsonaro, revelando um outro enxugamento do fenômeno.

Permitam-nos fazer outra consideração nessa mesma linha. As votações dos campeões de votos sofreram perdas significativas de uma eleição para outra. Vamos tomar apenas dois casos como exemplos: 1) Dep. Hélio Lopes (o papagaio de pirata de Bolsonaro, com exposição permanente na mídia) caiu de 345 mil votos para 132 mil, mais de metade entre 2018 e 2022; 2) o próprio filho, Eduardo Bolsonaro, sofreu um tombo de 1.843.735 em 2018 para 741.701 votos em 2022, também mais da metade. O Pastor Marco Feliciano, outro campeão de votos, teve uma queda de 239 mil para 220 mil votos, não tão retumbante como os dois casos citados, mas ainda assim uma queda. De modo geral, dos 52 Deputados Federais eleitos pelo PSL em 2018, 41 obtiveram menos votos em 2022 que no pleito anterior. Isso parece indicar um esgarçamento do tecido eleitoral dos que circundam Bolsonaro, esta marca não sensibiliza mais o eleitorado como o fizera quatro anos antes.

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Mesmo levando em consideração que candidatos novos como o general Pazuello, com 205 mil votos e Ricardo Salles com 640 mil votos possam suprir essas perdas, o desempenho do pelotão de frente está longe do desempenho estrondoso de 2018. Uma exceção tem que ser destacada, a deputada Carla Zambelli teve um desempenho excepcional passando de meros 76 mil votos em 2018 para 946 mil em 2022. Tivesse ela empunhado a arma antes do 1º turno teria, possivelmente, uma votação maior ainda. Pode-se dizer que esse pelotão: Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli, Ricardo Salles, Hélio Lopes, Marco Feliciano e general Pazuello representa o grupo com a mais profunda identificação ideológica com o então Presidente, expressando o zeitgeist do bolsonarismo. A este pelotão se agrega o candidato Nikolás Ferreira, por MG, o vencedor nacional da eleição para a Câmara dos Deputados, pilotando as redes sociais, com 1.492.047 votos.

Ainda no conjunto de êxitos de Jair Bolsonaro podem ser arroladas as vitórias de Damares Alves e o Astronauta Marcos Pontes para o Senado, dois dos ministros com maior aderência ao projeto obscurantista do capitão, e de Tarcísio de Freitas para governador de SP. Por outro lado, no conjunto de insucessos situa-se a derrota de Onyx Lorenzoni para o governo do RS. Fabrício Queiroz, um agregado da família, foi mais modesto concorrendo a uma vaga na Alerj, mas não teve nem 7 mil votos. Outro que viu seu projeto malograr foi Sergio Camargo, da Fundação Zumbi dos Palmares e a médica Nise Yamaguchi, nomes emblemáticos do bolsonarismo. A vitória do ex-vice-presidente, Hamilton Mourão, ao Senado do RS não deve ser creditada ao Presidente, pois de há muito estavam rompidos.

De qualquer forma, mesmo com o esmaecimento das vitórias e do porte dessas, Bolsonaro chegou muito próximo da vitória e elegeu uma bancada de 99 deputados pelo PL. Esta afirmação comporta, no entanto, uma reflexão. Se em 2018, o PSL saiu de um deputado federal para 52, em 2022, o PL já tinha 33 deputados, chegando a 99 eleitos, ou seja, já tinha uma estrutura partidária montada, não parecendo ser este resultado fruto apenas da continuidade de um suposto fenômeno bolsonarista.

O desafio agora, para concluir, é entender ou projetar até onde vai/ se sustenta esse fenômeno do bolsonarismo. Embora Bolsonaro não tenha se reelegido, o discurso bolsonarista de direita/extrema direita tem sido aceito por parte da sociedade brasileira, que continua elegendo políticos que, embora tenham rompido em termos partidários com o capitão, mantém as mesmas pautas conservadoras, de armamento civil, conservadorismo, aversão aos Direitos Humanos, entre outras. Evidentemente, essa reflexão só tem sentido depois de ver o destino do ex-presidente frente à Justiça e à Polícia. Caso seja considerado inelegível ou mesmo preso, encerra-se aqui esse triste e trágico episódio da Nação brasileira. Caso consiga driblar essas duas instituições, sua sobrevivência também se mostra difícil.

Esperamos ter mostrado aqui que, Bolsonaro vem descendo uma escada. Seus supostos pontos de apoio, os "seus" governadores eleitos, Tarcísio de Freitas (SP) e Cláudio Castro (RJ), precisarão fazer carreira solo em busca de seus objetivos. Se a disputa para a Presidência do Senado entre Rodrigo Pacheco (PDS-MG) e Rogério Marinho (PL -RN) for interpretada como um 3º turno, é mais uma indicação que a Casa não chancelou o candidato bolsonarista. Em outras palavras, estão esses senadores projetando o futuro sem a figura de Jair Bolsonaro.

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De qualquer forma, sempre pode vir um interlocutor e dizer que ele "quase" venceu. Não há dúvida, mas talvez seja melhor olhar o resultado da eleição do 1º turno como mais fiel retrato da sociedade brasileira. Do 1º para o 2º turno, Bolsonaro promoveu o maior assalto às finanças públicas, destruindo o Estado mais do que havia feito, um assédio às populações mais pobres para viabilizar seu projeto eleitoreiro. Agora, colar no capitão, sem cadeira, sem caneta, sem poder, sem discurso, é para suicidas ou para o pessoal raiz.

Fontes

1. Disponível em: https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html#/eleicao;e=e544;uf=sp;ufbu=sp/resultados

2. Disponível em: https://www.camara.leg.br/deputados/quem-sao

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