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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Bolsonaro ou Bolsonarismo?

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Por Redação
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Fonte: arquivo pessoal.  

José Antonio G. de Pinho, Professor Titular Aposentado - Escola de Administração - UFBA. Pesquisador FGV EAESP.  PhD pela Universidade de Londres - LSE

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Passados os quatro anos do mandato de Jair Bolsonaro sucedido por sua inelegibilidade por oito anos e o tsunami de denúncias que agora afloram sobre seus negócios escusos com joias e outras de caráter político antidemocrático muito se pergunta sobre o destino do bolsonarismo. Entendemos que para compreender esse fenômeno temos que retroceder no tempo para buscar suas fundações. Alguns dados podem nos ajudar nessa empreitada.

Recém-saído da caserna, o capitão Bolsonaro abraça a carreira política. Após uma breve passagem pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, engata sete mandatos como deputado federal, de 1990 a 2018. Até a eleição de 2010 sua votação girava em torno de 100 mil votos. Em 2014 deu-se uma forte guinada na sua carreira política ao se reeleger com cerca de 464 mil votos, ainda pelo PP, em 1.o lugar entre os concorrentes fluminenses, um salto apreciável no patamar de votos.

Cabe, assim, investigar o que aconteceu nesse período de 2010 a 2014 para entender o que teria acontecido capaz de catapultar a sua candidatura. Entre outros fatores cabe assinalar que a participação em programas de auditórios de caráter sensacionalista em TVs abertas partir de 2010 tiveram peso significativo. No espírito desses programas Jair pode desfilar e destilar todo seu arsenal de misoginia, preconceitos, conservadorismo e reacionarismo que atraia forte audiência e repercussão midiática, também já em tempos de redes sociais. Sabendo usar seu drive performático, virava notícia arrebanhando seguidores e apoiadores, falando a língua de parte do eleitorado.

Outro fato que se encaixava nesse padrão foi o entrevero com a deputada federal Maria do Rosário (PT), em novembro 2003, reiterado em dezembro 2014 onde o deputado empenhou toda sua violência e misoginia contra a deputada. O episódio teve um desdobramento e um ápice em setembro 2016 onde Bolsonaro invadiu a mesa da Câmara em uma sessão plenária presidida justamente pela deputada, munido de absurda agressividade e destemperança. Esse ato que poderia ser qualificado como "um tiro no pé" teria sido, ao contrário, calculado pelo deputado, pois sabia que tinha um público que aderia as suas ideias. Possivelmente o fator mais decisivo para colocar o capitão no cenário político nacional tenha sido por ocasião da votação do impeachment da Presidente Dilma. Na sessão da Câmara de 17/04/ 2016 revela a nação a sua estatura ideológica e humanista ao elogiar, no momento de seu voto, o Coronel Brilhante Ustra, conhecido torturador do regime militar, expondo sem qualquer embaraço, seu saudosismo daquele período e suas práticas de tortura. Bolsonaro estava sendo Bolsonaro.

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Tudo isso, porém, ainda não configurava um bolsonarismo. Com a repercussão desses fatos ao início da legislatura de 2015/2018, o capitão se anima para voos mais altos, a Presidência da República. Um evento que não pode passar desapercebido é a eleição de seu filho, Eduardo Bolsonaro, como deputado federal por SP. Visando fortalecer seu clã, despacha o filho 03 para São Paulo, afinal o maior colégio eleitoral do país, de onde a família não poderia ficar de fora para viabilizar suas ambições. Eduardo Bolsonaro disputa uma vaga para a Câmara Federal, pelo PSC no pleito de 2014, sendo um dos três deputados eleitos, o último entre eles, ocupando a 61.a posição entre os 70 eleitos, com cerca de 82 mil votos. Certamente se beneficiou do quociente eleitoral, pois o 1.o colocado do PSC, Pastor Marco Feliciano, 3.o colocado no cômputo geral, teve quase 400 mil votos. De qualquer forma, foi um começo positivo para quem era um estranho no ninho em terras paulistas. Esse resultado com sua filiação a um partido comandado por um político evangélico mostrava a aproximação desse rascunho de bolsonarismo com as igrejas neopentecostais que seria um fator estratégico para o salto à Presidência do então deputado federal.

Decidida sua participação na disputa eleitoral, Jair Bolsonaro deixa o PP, partido em que estava há alguns anos, buscando abrigo em um partido onde pudesse ter mais liberdade escolhendo o PSL que tinha apenas um deputado federal, justamente seu presidente, Luciano Bivar. Na campanha eleitoral sem Lula no páreo por conta das artimanhas da Lava Jato, viu suas possibilidades aumentarem substancialmente. O atentado sofrido faltando cerca de um mês para a realização do pleito retirou-o estrategicamente dos debates, comparecendo apenas ao primeiro, impedindo a constatação de seu despreparo para o exercício da Presidência. A vitimização teve também um papel relevante na eleição de Bolsonaro, que consistiu efetivamente em um fenômeno, por levar ao poder um candidato de extrema direita pela primeira vez na Nova República carregando consigo também um número expressivo de deputados federais e governadores eleitos.

Pode-se considerar que sua eleição é o marco da fundação do bolsonarismo que se constitui de uma somatória de fatores e componentes ideológicos que já existiam aquela época aos quais foram se somando outros ao longo do seu mandato. O seu portfólio era formado por I) uma visão anticomunista, mesmo com o comunismo completamente fora da agenda política do país; II) armamentismo da população; III) contestação de valores democráticos com insinuações de golpe; IV) defesa de valores conservadores tais como a família tradicional; V) combate cerrado aos direitos humanos, destruição de instituições de Estado democrático; VI) negacionismo, em especial durante a pandemia; VII) anti- ambientalismo; VIII) encarnação de um espírito messiânico; IX) milicianismo. O olavismo e a aproximação com Trump também pesaram na conformação do pensamento de Bolsonaro e seu grupo próximo, com forte e decisiva presença da sua família.

Em seu mandato, marcado por uma profunda inoperância das estruturas do governo, dá vazão ao seu lado de performer ao participar de motociatas insuflando a derrubada da ordem democrática com uma recorrente crítica as urnas eletrônicas.

Como dito acima, vale a pena olhar o resultado das eleições proporcionais para perceber a estrutura que ele conseguiu formar. Para a Câmara Federal foram eleitos 52 deputados distribuídos pelos Estados da seguinte forma: RJ (sua base eleitoral): 12; SP (maior colégio eleitoral): 10; MG: 6; SC: 4; PR e RS: 3; MT e GO: 2 e AM, MT, RN, RO, RR, ES, PB, CE, PE, BA: 1. Como pode ser visto, a votação do partido de Bolsonaro concentrou-se no Sudeste, mormente RJ e SP, seguida da região Sul, tendo um desempenho pífio nas outras regiões do Brasil. De qualquer forma, o PSL fez a 2.a bancada da Câmara, dando um salto de apenas 1 deputado na legislatura anterior para 52 na que se abria, uma performance impressionante inequivocamente devida à entrada de Bolsonaro no partido.

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Vale a pena ainda perscrutar a lógica da votação dos eleitos, em especial em SP e RJ, onde o partido fez as maiores bancadas. No caso de SP, os dois primeiros eram do PSL: Eduardo Bolsonaro, 1.o colocado, teve 1.814.443 votos e a 2.a foi Joice Hasselman com 1.064.047 votos, seguidos de Alexandre Frota com 152 mil votos em 17.o lugar e Luiz Philippe Bragança com 118 mil votos em 33.o lugar. É oportuno também notar que os cinco últimos da bancada, da posição 54.a para baixo (dos 70 deputados eleitos por SP) tiveram votações pouco expressivas, sendo eleitos, ao que tudo indica pelo quociente eleitoral produzido pela votação dos dois primeiros, que podem se considerar celebridades, filho do candidato à Presidência e uma profissional da mídia. Para reforçar nosso argumento vale observar que Eduardo Bolsonaro saiu de 82 mil votos em 2014 quando era um desconhecido para perto de 2 milhões de votos, mostrando no caso o peso do vínculo familiar. No caso do RJ o resultado foi menos estridente, sendo eleito Hélio Lopes em 1o lugar, com 345 mil votos, pelo alto grau de exposição junto a seu amigo Jair. Desponta em seguida, Carlos Jordy com 204 mil votos, ocupando os dez demais eleitos posições inferiores com votações pouco expressivas.

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Quanto ao Senado, a performance do PSL foi pouco exitosa elegendo apenas dois senadores: Major Olímpio com pouco mais de 9 milhões de votos por SP e Flávio Bolsonaro, mais um da prole, pelo RJ com cerca de 4,4 milhões de votos. Como se nota o Senado confirmava os dois principais loci do bolsonarismo: RJ por ser sua base eleitoral original e SP por ser o maior colégio eleitoral e onde já havia um contingente de eleitores convergentes com o ideário do capitão, a lembrar de Paulo Maluf. Pensando em termos dos dois filhos eleitos, com expressivas votações, confirmava também o forte componente familista do bolsonarismo. Nas eleições majoritárias o grupo não fez nenhum governador, evidenciando que não teve fôlego para esta ambição. Não pode deixar de ser mencionada a eleição de Janaína Paschoal para ALESP com certa de 2 milhões de votos, a maior votação da história do País para a deputança estadual. A liderança de Jair Bolsonaro arrastava candidatos inexpressivos para vitórias retumbantes, aqui no caso, aliada ao antipetismo.

Tomando agora as eleições de 2022 onde Jair Bolsonaro pleiteava sua reeleição,vamos buscar aprender com os resultados das urnas. Antes cabe assinalar que Bolsonaro ao perceber que não teria a liberdade esperada no PSL, principalmente para gerenciar o gordo orçamento que o partido dispunha, tenta formar o seu próprio partido, mas sem êxito, o que pode significar que haveria muita ideologia, mas pouca convicção no projeto deste partido. Após um longo período sem partido, o capitão escolhe o PL levando consigo um apreciável número de parlamentares almejando novamente obter uma carta branca para realizar seu projeto e de seu grupo. Se o PSL podia ser considerado um partido bolsonarista, com o PL  e sua votação tem-se o mesmo, mas já em um patamar mais baixo.

A eleição de 99 deputados, porém, pode esconder evidências que não são percebidas de forma direta. Se na eleição de 2018 o salto foi impressionante de 1 para 52 deputados, o pleito de 2022 mostrou um resultado ainda que significativo, mas em uma escala bem menor, de 33 votos do PL (então PR) para 99 com a entrada no partido de políticos bolsonaristas. Outra linha de argumentação consiste em pegar a votação dos vinte primeiros deputados federais mais votados pelo PSL, em 2018, e levantar o status partidário e eleitoral deles em 2022 (votação em 2018 e em 2022 nessa ordem). Antes de mostrar os resultados convém comentar que selecionar os 20 mais votados é uma amostra representativa dos 52 eleitos, ainda mais por se tomar os mais votados. Antes de fazer a análise desses dados cumpre assinalar que com a saída de Bolsonaro e alguns de sua trupe para o PL, o PSL se juntou ao DEM criando o União Brasil (U), indo para este novo partido, entre outras causas, os descontentes com o bolsonarismo. Na linha assinalada acima, tem-se esta configuração [1]:

Reeleitos pelo PL (8): Eduardo Bolsonaro, SP, 1.843.735 (1.o) /741 mil (4.o); Hélio Lopes, RJ, 345 mil (7.o) /132 mil (26.o); Marcelo Álvaro Antonio, MG, 230 mil, (6.o) /31 mil; Carlos Jordy, RJ, 204 mil, (7.o)/114 mil; Cabo Júnio Amaral, MG, 158 mil (8.o)/59 mil; Luiz F. Bragança, SP, 118 mil (14.o)/75 mil; Luiz Lima, RJ, 115 mil (16.o)/69 mil; Carol de Toni, SC, 109 mil (17.o)/227 mil.

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Não reeleitos pelo PL (2): Nelson Barbudo, MT, 126 mil, (13.o); Coronel Tadeu, SP, 98 mil (19.o).

Eleitos pelo União Brasil (3): Felipe Francischini, PR, 241 mil/164 mil; Daniel Freitas, SC, 142 mil/108 mil; Luciano Bivar, PE, 117 mil/74 mil.

Não reeleitos pelo União (4): Delegado Pablo (AM), 115 mil; Prof. Dayane Pimentel (BA), 136 mil; Delegado Antonio Furtado (RJ), 104 mil; Heitor Freire (CE), 97 mil.

Para fechar, Joice Hasselmann, SP, 1.078.166 (2.o)/13 mil, PSDB, não se reelegeu. Alexandre Frota: SP, 155 mil, 9o lugar, concorreu à ALESP, PSDB, sem vitória, Delegado Waldir (GO), 274 mil concorreu ao Senado, não sendo eleito. Não é objeto do presente estudo, mas vale notar que dos não eleitos um é coronel e dois delegados.

Desses 20 eleitos em 2018 (top 20), 10 acompanharam seu líder e 10 foram para outros partidos, configurando uma situação de copo meio cheio, meio vazio. Considerando o fanatismo que ronda o bolsonarismo, esse dado é um indicador da falência do movimento, pois metade desse grupo seleto deixou de acreditar no capitão. Considerando que destes 10, dois não se reelegeram, mostra que desse grupo já reduzido 20% não logrou êxito, revelando que o projeto bolsonarista já não empolgava em 2022 como em 2018. Quanto aos que foram para outros partidos, dois foram para o PSDB e não foram eleitos. O caso mais espetaculoso foi o de Joice Haselmann que saindo de uma votação na casa de 1 milhão, sofreu uma queda vertiginosa para as últimas colocações. Alexandre Frota tentou a ALESP,  não sendo bem-sucedido. Quantos aos demais que deixaram Jair Bolsonaro, todos os oito foram para o União, sendo que três foram reeleitos. Cabe ainda registrar que muitos nomes representativos do bolsonarismo não foram eleitos em 2022.

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Este conjunto de dados ainda nos permite outro olhar. Exceto uma candidata (Carol de Tony) todos sofreram quedas, e bem apreciáveis, em suas votações de 2018 para 22, o que também parece revelar que esse bolsonarismo em 2022 já não arregimentava o eleitorado como dantes. Alguns dados revelam rombos apreciáveis: Eduardo Bolsonaro, um filho, perdeu mais da metade dos votos de 2018, dado relevante pois era o mais raiz de todos os candidatos bolsonaristas. O mesmo se deu com Hélio Lopes que, mesmo sendo papagaio de pirata, amargou uma queda do 7.o para o 31.o lugar. De maneira geral, os dados mostram que a maioria dos reeleitos teve uma votação modesta. A escolha preferencial pelo União indica que, passada a euforia bolsonarista, parte de seu grupo ou aderentes buscou refúgio em uma legenda da direita tradicional, abandonando o projeto da extrema direita liderado pelo capitão.

Cabe agora deter o olhar nos entrantes coma as eleições de 2022. Entre os vinte primeiros, o PL emplacou os seguintes candidatos:1.o) Nikolas Ferreira, MG, com 1.492.047 votos, 3.a) Carla Zambelli, SP, com 946 mil votos; 5.o) Ricardo Salles, SP, com 640 mil votos; 20.o) Filipe Barros, PR, com 249 mil votos. Um primeiro indicador reside no fato de apenas quatro fazem parte desse seleto grupo, o que sinaliza desgaste da pregação bolsonarista. Por outro lado, o 1.o colocado teve um resultado impressionante, um verdadeiro fenômeno das urnas e das redes, o que aumentou o coeficiente eleitoral do partido puxando outros mais de baixo. Carla Zambelli alcançou o 3.o lugar certamente por ter mostrado serviço falando a linguagem bolsonarista. Tivesse a sua ação de faroeste ocorrido às vésperas do 1.o turno e não do 2.o, seria a campeã de votos no país. Ela se destacou por ter saído das mais baixas colocações em 2018 para o topo das paradas eleitorais. No cômputo geral pode-se dizer que o capitão não se revelou um bom cabo eleitoral em 2022.

Apesar desse quadro traçado que, no nosso entender, radiografa uma queda do bolsonarismo, Bolsonaro teve uma votação expressiva arranhando a vitória no 2.o turno e fez uma bancada expressiva. Isso é explicado em grande parte por toda a política adotada pelo presidente de abrir as torneiras financeiras, sem qualquer atenção para o equilíbrio fiscal, contando com a parceria do orçamento secreto comandado pelo Centrão, liderado por Arthur Lira, sem deixar de dar os créditos à Augusto Aras por todo o suporte ao presidente na PGR. Tudo isso nos leva a perguntar: qual o futuro de Bolsonaro? Em primeiro lugar, não tem mais o aparato do Estado em suas mãos, não tem mais a caneta BIC ao seu dispor (ou qualquer outra), está inelegível por oito anos e profundamente encalacrado com a Justiça, com alto índice de sofrer prisão, justa e merecida. Como liderança carismática não se transmite, concretizado esse cenário com esse último ato, uma parcela possivelmente significativa dos seus eleitores procurará evitá-lo ao máximo. Tarcísio de Freitas e Romeu Zema tentarão se afastar da condição de herdeiros, ainda que uma camada de bolsonaristas apoie suas candidaturas. Situação delicada fica Michelle Bolsonaro, caso de ser considerada herdeira do espólio do marido. Teria que defender o ex-presidente com todas as forças, provavelmente tendo, antes disso, que se defender, ela propriamente.

Por tudo argumentado acima, o bolsonarismo já vinha sendo corroído por dentro, perdendo fôlego. O cenário que ora se desenha coloca Bolsonaro em maus lençóis. Seria leviandade afirmar que Bolsonaro e o bolsonarismo são letras mortas, mas parece bem difícil reverter esta situação por parte do próprio e de seus seguidores, por mais fundamentalistas e fanáticos que sejam. O bolsonarismo pode ter sido uma tempestade que se abateu sobre o País que foi debelada pelas forças democráticas.

Nota

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  1. Fonte: htps://www.poder360.com.br/congresso/9-do-20-deputados-mais-votados-do-psl-em-2018-nao-se-reelegeram/ (acesso em 31/08/2023).

 

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